Essa briga, o presidente Jair Bolsonaro já perdeu — e tudo o que pode fazer daqui por diante é correr atrás do prejuízo. Por mais que estivesse certo ao acusar as ONGs de terem sobre a Amazônia interesses que vão além da preservação ambiental , o certo é que ele as desafiou sem conhecer o terreno em que estava pisando.
Ao iniciar o jogo sem ter nas mãos cartas que lhe dessem vantagem na disputa, ele não considerou que os ambientalistas podem até ter alguns dos defeitos que ele lhes atribui.
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Mas conhecem o assunto do qual estão falando e defendem uma causa que o mundo inteiro vê com simpatia. Por mais que alguns se irritem com isso e por mais brasileira que seja, o certo é que a Amazônia
desperta paixões no mundo inteiro.
Bolsonaro errou ao ignorar as evidências de que a situação ambiental na região realmente exige cuidados permanentes e que, independente de quem tenha ateado fogo à mata, é dele a responsabilidade de mandar conter as chamas e de adotar políticas de prevenção que impeçam que novos focos de incêndio se alastrem.
Agindo como agiu, o presidente comprou uma briga desnecessária e se candidatou a passar para a história como uma espécie de Nero . O imperador, como reza a história, tocou harpa quando Roma pegou fogo. Os ambientalistas, por essa visão, são como os cristãos ameaçados pelo jugo do tirano.
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Imagens falsas
O problema ambiental da Amazônia , está certo, não teve início no dia 1º de janeiro deste ano, no momento em que Bolsonaro assinou o termo de posse na Presidência da República. Embora seus adversários o tratem como se fosse, ele não é o responsável primário pelos incêndios que estão consumindo a mata neste momento.
Qualquer pessoa que tenha um conhecimento mínimo sobre os humores da floresta tropical sabe que nesta época do ano, quando as chuvas são mais escassas, o risco de incêndios aumenta.
O risco das queimadas se torna mais intenso na medida em que o desmatamento espalha pela terra galhos de árvore que se transformam numa lenha pronta para arder diante de qualquer faísca. Isso é fato.
Por ter ignorado solenemente os sinais de que a situação é crítica e ter mantido a discussão no campo ideológico, Bolsonaro nada pôde fazer quando as imagens das queimadas começaram a se espalhar pelo mundo.
Por mais que as imagens divulgadas por gente como o jogador Cristiano Ronaldo e o ator Leonardo di Caprio não retratassem a Amazônia — como, de fato, não retratavam — se espalharam pelo mundo como se fossem.
Por ter agido como agiu, e confiado apenas no apoio da mais desastrada e amadora política de comunicação que um governo brasileiro já teve desde que Getúlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda, em 1939, Bolsonaro não se preparou para a batalha que seria lutada em terreno que desconhece.
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E permitiu que as chamas na floresta se alastrassem e chamuscassem mais a seu governo
do que a reputação daqueles que ele elegeu como inimigos.
Ações improvisadas
Sem dados científicos que se contrapusessem à realidade das chamas, não restou ao presidente outra saída que não fosse a convocação tardia de sua equipe de auxiliares para ações de emergência destinadas a resolver um problema que poderia ter sido evitado com bom senso e inteligência.
Ou seja: deixou a imagem de que só agiu porque as circunstâncias o levaram a isso. A vitória, portanto, não foi dele, mas de quem o obrigou a se mexer. Nesse caso, para não perder o bom humor, pode-se dizer que Bolsonaro espalhou brasa e criou as labaredas que prejudicam sua imagem internacional.
Seu governo talvez conseguisse alguma vantagem nesse território se, antes de sair desmontando a estrutura que encontrou ao tomar posse, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles , tivesse elaborado um plano de ação estruturado e capaz de cuidar da questão ambiental com a importância que o tema merece.
Com ações marcadas pelo improviso e por movimentos trôpegos que pareceram mais preocupados em demolir o que existia no IBAMA e no ICMBio do que em colocar algo novo e mais eficiente no lugar, Bolsonaro e Salles entregaram a vantagem para o inimigo.
E perderam uma chance de ouro de transformar o passivo ambiental em vantagem para seu governo . Era possível que isso tivesse acontecido? Com habilidade, sim.
Longe das metas do Acordo de Paris
O Brasil pode ter culpa no cartório ambiental mas está longe de ser o único ou até mesmo principal problema que o mundo enfrenta nesse território. Se o que está em jogo é, de fato, o aquecimento global , a qualidade do ar e a segurança ambiental do planeta, os olhos do mundo deveriam se voltar em outras direções. Calma, por favor!!
Ninguém está falando aqui que as queimadas na floresta
não sejam importantes nem que Bolsonaro esteja certo em discutir se o vento que atiçou o fogaréu na mata sopra da direita ou da esquerda. Não! Não se trata disso.
A questão é que o governo brasileiro, por tratar qualquer assunto como se fosse uma batalha do bem contra o mal, se deixou envolver por uma discussão que transformou o Brasil no único responsável por um problema que é causado pelo mundo inteiro. Não é.
Tomemos, para mencionar um país importante, o exemplo da Alemanha . Vista pelos ambientalistas como um modelo a ser seguido por suas iniciativas inovadoras no campo da energia sustentável, o país de Angela Merkel é, na verdade, um dos maiores poluidores do planeta.
Mais do que isso: a Alemanha ficará longe de cumprir os compromissos de redução da emissão de CO2 que assumiu em 1990, no Acordo de Paris . A depender do rigor do inverno deste ano — que pode exigir mais energia para alimentar os sistemas de aquecimento — a meta de redução para 2020 no país ficará pouco acima da metade do que foi prometido.
Enquanto a questão das queimadas da Amazônia é ocasional, e pode ser resolvida caso o governo se empenhe nessa direção, o passivo ambiental da Alemanha não tem solução de curto prazo.
Sem contar as usinas movidas por carvão mineral e pela energia nuclear, a Alemanha tem um problema adicional especialmente grave no que diz respeito a sua matriz energética .
Cerca de 25% de toda a energia consumida no país é gerada em usinas térmicas alimentadas por lignito — um mineral que, em sua queima, gera resíduos em excesso para a quantidade de calor que cria.
A casa de Emmanuel Macron
Outro exemplo de país que fala grosso nas questões ambientais do Brasil é a França .
Diante das queimadas na Amazônia, o presidente, Emmanuel Macron anunciou ao mundo a intenção de discutir as queimadas da Amazônia durante o evento que reunirá sete dos oito países mais industrializados do mundo (a China não faz parte do grupo) neste fim de semana em Biarritz, no sul do país.
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Na mensagem de Twitter em que anunciou a medida, Macron chamou a Amazônia de “nossa casa”, e isso causou indignação em muita gente. O problema é que ele tem todo o direito
de usar a expressão.
Seu país é dono de um pedaço importante da Amazônia, a Guiana. O território francês na Amazônia não está livre de problemas ambientais. Embora ocorram em menor quantidade do que na parte brasileira, ali também acontecem queimadas nessa época do ano.
Além disso, há casos comprovados de aumento do garimpo ilegal , com o descarte de mercúrio nos rios da região. O principal problema ambiental da França, no entanto, nem é esse.
Na França, 75% da eletricidade é gerada em usinas nucleares , com todos os riscos que esse modelo oferece ao meio ambiente e à vida humana. O país tinha se comprometido em reduzir a participação nuclear em sua matriz energética para 50% até 2025.
Como viu que não seria possível, bateu no peito para anunciar que a meta de redução está mantida. Mas só será alcançada em 2050.
Os exemplos são eloquentes e nem é preciso mencionar os Estados Unidos nem a China para mostrar que o Brasil não é o único vilão ambiental do mundo. Mas isso importa muito pouco neste momento.
A preservação da Amazônia é, de fato, um problema central para o mundo e mais ainda, para o Brasil. A imobilidade do país, além de torna-lo alvo do apedrejamento em praça pública, pode causar um prejuízo enorme ao agronegócio nacional.
Trata-se do setor mais moderno, dinâmico e internacionalizado da economia brasileira. E que tem se expandido nos últimos anos mais pelo uso da tecnologia , da evolução genética e da modernização das técnicas de manejo da terra do que pela ampliação da área plantada.
Desde que o Brasil entrou na alça de mira do mundo como a maior ameaça ambiental do planeta, o boicote aos produtos agrícolas brasileiros entrou na pauta de países que falam mais alto na questão ambiental. É aí que está o perigo.
O tema já foi tratado neste espaço num momento anterior.
Mas é claro que não adianta explicar para os ativistas que, em protesto contra a política ambiental, picharam a fachada da embaixada do Brasil em Londres, que o país é extenso demais e que as principais regiões produtoras de grãos estão a quilômetros e quilômetros da área atingida pelas queimadas.
Manaus, capital do Amazonas — estado que este ano, infelizmente, também passou a sofrer com as queimadas — fica a cerca de 2700 quilômetros, em linha reta, de São Paulo, que é a capital de um dos estados mais importantes para a produção agrícola.
Apenas para efeito de comparação, basta dizer que essa distância é superior aos 2.500 quilômetros que separam Paris, a capital da França, de Moscou.
O risco ideológico
O que isso tem a ver com as queimadas e as ameaças ao Brasil? Ora, tudo. Embora a propaganda diga o contrário, o agronegócio , ao invés de ser punido, deveria ser premiado por sua importância ambiental.
Tome, por exemplo, os efeitos ambientais da produção do etanol. Puro ou misturado à gasolina, o álcool é utilizado como combustível nos automóveis brasileiros. Desde o plantio da cana-de-açúcar até sua queima nos motores dos carros, a emissão de carbono desse combustível é mínima e inferior ao dos motores de qualquer outro carro do mundo.
Inclusive dos veículos elétricos alemães, que têm suas baterias carregadas com a energia gerada por usinas alimentadas com lignito.
Mas, da forma como essa questão vem sendo discutida e diante da inabilidade que o governo tem demonstrado para lidar com esse tipo de situação, todas as vantagens do país na questão ambiental correm o risco de serem reduzidas a fumaça.
Para a alegria daqueles que, tanto quanto Bolsonaro, só conseguem enxergar a questão pelo prisma ideológico .