Apenas a hipocrisia, a má fé, a mediocridade ou a combinação de tudo isso são capazes de explicar o barulho feito em torno dos financiamentos de jatos executivos da Embraer, com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a algumas das empresas mais vistosas do país.
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Para os críticos dessa prática, o RS$ 1,9 bilhão que o banco de fomento empregou para financiar 134 aeronaves de fabricação nacional
entre 2009 e 2014 não passaram de um aceno de generosidade feito com dinheiro do povo na direção de quem não precisava de ajuda. Será que é isso mesmo?
Por essa visão, pessoas endinheiradas como o apresentador de TV Luciano Huck, o governador de São Paulo, João Doria, e os banqueiros da família Moreira Salles, para citar apenas alguns casos, só realizaram o sonho do jatinho próprio porque receberam um empurrão do banco oficial .
Luciano Huck pegou emprestado R$17,7 mi com BNDES para comprar jatinho
Esse tipo de visão, que tem se tornado comum nesse ambiente dominado por discussões rasteiras em que o Brasil se transformou, deve encher de alegria os diretores da canadense Bombardier, fabricante do Learjet
, ou da americana Cessna, produtora do Citation.
Num mercado pequeno como é o da aviação executiva, as dificuldades criadas para a Embraer se traduzem automaticamente em facilidades para esses e para os outros poucos fabricantes que há no mundo. Simples assim.
Mentalidade tacanha
Jato executivo não é bicicleta. Quem quer uma bike, vai à loja de sua preferência, escolhe o modelo, passa o cartão e sai com a mercadoria. Com avião não é assim. Os compradores são poucos e sempre disputados pelos vendedores .
Para fechar o negócio, levam em conta aspectos que vão além do preço e da simpatia por esse ou aquele modelo. As condições de financiamento , normalmente de longo prazo, costumam ser determinantes para a tomada de decisão.
Isso mesmo. Comprar um avião, seja nos Estados Unidos, na Europa, no Canadá ou mesmo no Brasil, é um negócio feito a perder de vista, com prazos de financiamento que giram em torno de dez anos.
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Se o BNDES teve condições de oferecer uma linha de crédito para ajudar a empresa brasileira a vender mais aviões, ótimo. Essa decisão, além de render lucro
ao banco público, significou mais empregos e mais arrecadação num país que, anda cada dia mais carente dessas duas coisas.
Mesmo assim, os negócios feitos pela Embraer no mercado interno foram criticados e isso se explica mais pelos nomes de quem adquiriu os aviões do que pelas condições objetivas do negócio. Aqui entre nós, essa mentalidade tacanha serve apenas para mostrar o quanto o Brasil está despreparado para ser um país moderno e competitivo.
Retração do mercado
Uma linha de crédito competitiva faz parte do negócio da aviação executiva assim como o carnê é fundamental para os negócios da Casa Bahia ou do Bau da Felicidade. O que muda é apenas o porte e a capacidade financeira de quem toma o crédito.
Os jatinhos vendidos no mundo, inclusive os adquiridos pelos sheiks árabes (que podem se queixar de tudo, menos de falta de dinheiro) normalmente são financiados a perder de vista. Em qualquer lugar do mundo , não são os bancos comerciais, mas as agências de fomento que estão na origem desse tipo de linha de crédito.
Atenção! A lógica do negócio nunca foi oferecer benefícios ao comprador do avião — que em qualquer país do mundo costuma ser alguém endinheirado e em condições de arcar com a dívida que assume no ato da compra.
O objetivo verdadeiro é estimular os negócios de empresas que, pela própria natureza, vendem mercadorias de alto valor agregado, oferecem empregos em larga escala e são grandes arrecadadoras de impostos.
A Embraer, que já viveu momentos melhores do que o atual, sempre mereceu ser beneficiada por esse tipo de financiamento. Como todas as empresas nacionais, a fabricante de aviões tem perdido negócios em função da crise que o país atravessa.
A empresa, que esperava vender no ano passado um total de 125 jatos executivos, fechou o ano com apenas 91 aparelhos comercializados. Parte dessa queda se explica pela retração do mercado interno e pelo fechamento da linha de crédito que o BNDES, por meio do Programa de Sustentação do Investimento, punha à disposição dos interessados.
Mau uso do dinheiro
O BNDES só emprestou dinheiro para que algumas empresas comprassem seus aviões por uma razão: elas comprovaram ter condições para fazer o negócio. Além das pessoas jurídicas de Huck e de Doria, outros nomes conhecidos figuram na lista.
O frigorífico JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, está lá. A dupla poderia ter comprado aviões em qualquer país do mundo. Mas, ao invés de gerar empregos no Canadá ou nos Estados Unidos, como fez na compra de outros aparelhos de sua frota, desta vez resolveu beneficiar, também, os empregos na Embraer. Que mal há nisso?
Fazer um negócio que gera empregos no Brasil, naturalmente, não livra Wesley e Joesley dos crimes que cometeram em seu relacionamento com as autoridades
— pelos quais não terão que pagar devido ao acordo camarada que fecharam com a Procuradoria Geral da República.
Seja como for, a maioria dos 134 nomes que constam da lista não tem contas a ajustar com a sociedade. Mas, para se vingar de Luciano Huck, que andou fazendo críticas ao governo de Jair Bolsonaro , o BNDES resolveu e expô-lo por ter adquirido um avião.
E passando por cima da lei que garante o sigilo das operações bancária s, tornou pública a lista de quem obteve esse tipo de financiamento.
Condições de mercado
Junto com o nome do apresentador, outros vieram à tona. Por meio da empresa que cuida de seus interesses, chamada Vida Boa Shows e Eventos, os cantores sertanejos Victor e Léo financiaram em 96 meses um avião que custou cerca de R$ 6,5 milhões.
Desde que paguem a conta, não há problema algum nisso. Outras presenças atraem curiosidade. Entre os beneficiários dos empréstimos figura, por exemplo, a Confederação Nacional do Transporte , CNT.
A diretoria da entidade — que, mesmo sendo de natureza privada, é financiada com dinheiro de impostos — certamente não tem necessidades de deslocamento que não possam ser supridas pelos voos de carreira.
Mas nem por isso a entidade deixou de adquirir seu próprio avião. De um modo geral, no entanto, a lista não causa espanto quando comparada à das maiores empresas do país.
A construtora MRV, a Fiat Automóveis, as Lojas Riachuelo, a mineradora CBMM e a fabricante de tratores John Deere também adquiriram aviões pelo mesmo sistema de financiamento oferecido a Luciano Huck e João Doria.
O que muda entre alguns casos e outros, são as taxas de juros (que oscilaram de 2,5% a 8,7%, dependendo das condições do mercado do momento do negócio), o prazo e o valor final que, naturalmente, depende da aeronave financiada.
Seja como for, a curiosidade despertada pela lista não deixa de ser interessante e mostra que o Brasil é mesmo um país esquisito.
Num momento em que a economia vive o pior momento da história e em que se fazem necessárias ações capazes de estimular o mercado , aparece alguém interessado em criticar uma das poucas políticas de fomento que deram certo no País.
Mas pedir bom senso para essa turma que parece se deleitar com as dificuldades do país parece cada vez mais inútil.