Um tema mencionado com frequência neste espaço merece ser discutido com um pouco mais de profundidade, nem que seja apenas para falar das amarras que mantêm o Brasil imobilizado pela crise mais profunda de sua história.
Trata-se da dificuldade que muita gente tem para entender que não adianta ficar esperneando nem exigindo que o governo gaste o dinheiro do povo com a mesma generosidade de antes. Como no poema de Carlos Drummond de Andrade, “a festa acabou, a luz apagou”. E o dinheiro, sumiu.
Governo anuncia corte de R$ 1,4 bilhão no Orçamento após revisão do PIB
O orçamento para este ano, que foi elaborado ainda na gestão de Michel Temer, previa um total de R$ 129 bilhões
para as chamadas “despesas não discricionárias”, ou seja, aquelas que não têm caráter obrigatório.
Como a economia não reagiu e a arrecadação ficou estagnada, esses gastos — que incluem desde a verba para a reforma de hospitais até as bolsas de estudo do CNPq — não devem ultrapassar R$ 97 bilhões em 2019.
Um total de R$ 32 bilhões (ou quase um quarto do total previsto) não foi nem será gasto não porque o governo é malvado e não quer soltar dinheiro para programas sociais . A verdade é o dinheiro que não existe. Acabou. Desapareceu. Evaporou e ponto final.
Exemplo de austeridade
Essa é a mais pura verdade: quase todos os recursos que entram no caixa do Tesouro Nacional vão para o pagamento dos salários dos funcionários públicos. De acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a folha de pagamentos e as despesas com previdência abocanham cerca de 90% de todo o dinheiro disponível.
São recursos que, faça chuva ou faça sol, tem que ser destinado
a essa finalidade e que cresce sem que ninguém consiga impedir.
De acordo com as regras generosas que a lei criou para eles, os salários dos servidores têm aumentos reais frequentes sem que ninguém possa fazer nada para evitar. Esse é o problema principal. Todo o resto, queiram ou não queiram os defensores dos privilégios do funcionalismo, é secundário.
A lista de benefícios para os servidores é quilométrica. Nas categorias mais privilegiadas — integradas basicamente pelas corporações mais barulhentas da República — o funcionário transita do piso ao teto da carreira em apenas uma década. Isso mesmo.
Pode até existir, mas é difícil encontrar no mundo outro grupo de pessoas que suba na vida não pelo mérito, mas apenas por força da lei que lhe assegura aumentos automáticos . E que alcance o ponto mais alto da carreira num intervalo tão curto.
Se o problema ficasse restrito ao poder Executivo ou ao governo federal, a situação nem seria assim tão grave.
A verdade, porém, é que posta ao lado da farra que acontece nos estados, nos municípios e nos outros poderes da República, a administração federal sediada em Brasília, por mais generosa que seja (e é), tem a austeridade de um convento beneditino comparado a ambiente, digamos assim, mais permissivos e alegres.
O golpe dos ‘restos a pagar’
O economista Mansueto Almeida, Secretário do Tesouro Nacional
, chama atenção com frequência para os números assustadores que cercam o aumento das despesas com pessoal nas unidades da federação.
Segundo ele, no ano passado, as despesas com pessoal dos estados somaram R$ 800 bilhões enquanto os investimentos significaram irrisórios 5% disso. Ou seja, míseros R$ 40 bilhões.
E mais: em 2018, os estados brasileiros gastaram, em números arredondados, mais de R$ 5 bilhões além do que arrecadaram. O valor teria sido ainda maior se muitos governadores não tivessem cometido a ilegalidade fiscal de contabilizar como “restos a pagar” o calote de R$ 11,4 bilhões que aplicaram em seus fornecedores.
A situação, como se vê, já passou do ponto crítico. E já passou há muito tempo. Sem conter os gastos com a folha do funcionalismo , o país continuará atolado na recessão para a qual foi empurrado pela irresponsabilidade de governos que gastaram o que tinham e o que não tinham.
E o pior é que justamente aqueles que têm por obrigação legal zelar pela boa guarda do dinheiro público sãos os que puxam a fila dos privilegiados e sugam a maior parte dos recursos dos impostos.
Sim. Não é raro encontrar nas Justiças Estaduais e mesmo na Justiça Federal pelo país afora juízes com algum tempo de carreira que cumpram o teto que a Constituição estabelece para os vencimentos dos servidores.
O normal é que os senhores magistrados tenham religiosamente depositados em suas contas valores que superam, e muito, o limite de R$ 33,7 mil que, a rigor, não poderia ser ultrapassado.
Isso vale para todos os estados da federação, inclusive os mais pobres, que sempre se queixam da falta de recursos .
Clareza contra o PT
Essa é a verdade. O governo não tem dinheiro para gastar com os mais necessitados porque, faça chuva ou faça sol, é obrigado a gastar cada vez mais para atender aos menos necessitados.
E o pior de tudo é que poucos têm a coragem ou a disposição para atacar o problema de frente. Em que pesem as queixas frequentes de Guedes, de Mansueto e de mais meia dúzia autoridades federais, o próprio presidente da República volta e meia sai do tom.
E defende o direito de categorias mais privilegiadas, sobretudo as da área de segurança, terem vantagens e regalias com as quais os trabalhadores brasileiros — sobretudo os que estão desempregados — nem ousam sonhar.
Um em cada quatro desempregados procura emprego há pelo menos 2 anos
Enquanto essa situação persistir, nenhuma força no mundo será capaz de fazer o Brasil andar para a frente de forma firme e sustentável
. Pode até haver espasmos de crescimento. Mas eles serão curtos e cada vez mais espassados.
Sair de uma crise que chegou ao ponto em que essa chegou já seria difícil se todas as autoridades do país estivessem convencidas da necessidade de concentrar esforços nessa direção. O problema é que estão longe disso.
Nas eleições de 2018, a população deu um sinal claro de falta de paciência com o modelo vigente no país no instante em que elegeu Jair Bolsonaro presidente da República. Ele foi escolhido, entre outras razões, pela clareza com que ele defendia o rompimento com o modelo populista do governo anterior.
Pode-se acusar o então candidato de ter fugido do debate com seus adversários. Mas o certo é que, do começo ao fim da campanha — mas sobretudo antes de sofrer o atentado a faca que quase lhe custou a vida — Bolsonaro conquistou a simpatia do eleitor pela clareza com que se contrapôs ao PT e às políticas populistas que dominaram o País a partir de 2003.
Votou em um, elegeu outro
O problema é que, ao votarem em Bolsonaro para se verem livres do PT, muitos imaginaram que estivessem elegendo um Rossevelt. Quando caíram em si, se deram conta de que tinham ajudado a colocar um Eisenhower no poder.
Explica-se: ao assumir pela primeira vez o governo dos Estados Unidos, em 1933, Franklin Delano Roosevelt mobilizou todas as forças do país e as pôs para trabalhar no sentido de recuperar a economia destruída pela grande depressão iniciada com a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929.
Com os esforços voltados nessa direção, ele pôs a máquina para funcionar e, mais do que investir recursos públicos em projetos de infraestrutura de alto impacto (o que de fato fez), criou condições que tornou o clima saudável para os investimentos privados. Com ele teve início um período de prosperidade que avançaria pelas décadas seguintes.
Dwight Eisenhower, por sua vez, chegou ao poder com a ideia fixa de combater o comunismo, a corrupção e a Coreia, com quem o país estava em guerra. Com ele, o país experimentou um período de recessão em 1958 e 1959.
Mas ele não ligou para isso e continuou insistindo em seu mantra. Substitua Coreia por Venezuela e o que se vê são os mesmos temas que Bolsonaro , pelo menos na retórica, escolheu como as prioridades do seu governo.
Bolsonaro tem gasto tempo, energia e apoio político com temas secundários, quando deveria ter posto seu governo para marchar rumo ao desenvolvimento . Mas isso não aconteceu. As medidas tomadas até agora parecem insuficientes para que o país embique nessa direção.
A guaribada na Previdência, que as pessoas ainda insistem em chamar de Reforma, e a Medida Provisória da Liberdade Econômica aprovada na semana passada ajudam a amenizar o quadro, mas não são suficientes para resolver o problema. É preciso muito mais.
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O Brasil só voltará a crescer
se as questões de natureza ideológica, à direita ou à esquerda, deixarem de ditar o rumo do debate.
País nenhum sai de uma crise como essa em que o Brasil se meteu por culpa da incompetência dos governos populistas, sobretudo o de Dilma Rousseff, sem criar as condições necessárias para estimular os investimentos , aumentar o consumo e gerar divisas com um comércio internacional robusto e ativo.
E isso não se dá em ambientes marcados pela insegurança jurídica e pela falta de clareza dos objetivos do governo.
Isso já foi dito dezenas de vezes, não apenas aqui mas em vários outros lugares onde há pessoas mais preocupadas em construir o futuro do que em ajustar as contas com o passado. Mas, até agora, parece que as pessoas acham que os investimentos voltarão sem que ninguém crie o ambiente favorável para atrai-lo.