O apagão elétrico em São Paulo
levantou a bola para uma discussão anacrônica – se os serviços públicos deveriam mesmo ser privatizados. Há, evidentemente, motivação política por trás deste debate, que levantou críticas por parte de personagens da Esquerda e da Direita em relação à desestatização do fornecimento de energia, água e esgotos. O vereador Fernando Holiday, por exemplo, postou nas redes sociais o seguinte: “Privatização em si mesma não é necessariamente boa, principalmente em setores estratégicos”. Ocorre que os paulistanos, hoje, são atendidos por empresas estatais (tirando a energia elétrica) que construíram suas redes com base nas fundações erguidas pelo capital privado.
Capital privado? Como assim?
É isso mesmo. A primeira ancestral da Sabesp, foi a Companhia Cantareira e Esgotos, fundada por três empresários, dois deles ex-militares: Antônio Proost Rodovalho, Benedito Antônio da Silva e Daniel Makinson Fox. A empresa, fundada em 1877, teve como primeiro presidente um advogado que partilhava o meu sobrenome: Clemente Falcão Filho (este personagem histórico, por sinal, dá nome à rua que faz esquina com o prédio da Prefeitura de São Paulo (rua Dr. Falcão Filho).
No início do século 20, São Paulo
conviveu com duas companhias fornecedoras de energia: a Companhia de Água e Luz de São Paulo e a São Paulo Tramway, Light and Power Company (a famosa Light). A primeira empresa, contudo, atendia apenas alguns bairros da cidade e fornecia energia somente entre 18:00 e 24:00. Resultado: fechou as portas em poucos meses, pois a Light oferecia uma rede mais ampla, maior período de fornecimento e preços mais baixos.
A Light, controlada pelo grupo canadense Brascan, saiu de São Paulo em 1981, quando o governo paulista resolveu estatizar o serviço de energia elétrica – alguns anos antes, a administração federal, nas mãos dos militares, havia feito o mesmo com a sucursal carioca, também em poder dos canadenses.
Minha infância – e a de muita gente – foi marcada por uma frase, dita pelos pais após flagrarem a luz do quarto dos filhos acesa sem que ninguém estivesse lá: “Está pensando que eu sou sócio da Light?”.
Isso não quer dizer que os serviços oferecidos pelo capital privado fossem perfeitos – até porque estamos falando em monopólios, e essa configuração nunca é ideal. O sistema elétrico, nos anos 1970 e 1980, eram sujeitos a apagões, pois o sistema não era potente o suficiente para aguentar o consumo crescente (isso, porém, ocorria também nas cidades nas quais o fornecedor era estatal).
O que se pode dizer, no entanto, é que empresas privadas têm maior sensibilidade às necessidades da população e às reclamações dos clientes. Isso não ocorre porque seus executivos são bonzinhos e empáticos. Há maior boa vontade por uma outra razão: as ações dessas empresas são negociadas nas bolsas de valores e sua incompetência será punida com a queda nas cotações. E isso causará uma grita de acionistas, que poderão trocar a diretoria dessas companhias. Portanto, atender bem o cliente, para essas concessionárias, é uma questão de sobrevivência.
É incompreensível que, em pleno século 21, ainda fiquemos debatendo se uma empresa pública, com servidores que gozam de estabilidade em seu emprego, forneceria melhores serviços que uma companhia privada, que pode demitir sem constrangimento os incompetentes e depende de sua capacidade para dar retorno aos acionistas através da valorização de seus papéis nos pregões.
A discussão ideológica, porém, nunca é racional. Não está na hora de pararmos de olhar fatos isolados e entender que o capital privado sempre será melhor para atender à população? Que o Brasil
precisa de eficiência em todos os setores estratégicos para gerar mais riqueza? Que necessitamos dessa riqueza para promover o progresso e diminuir as desigualdades sociais?
Neste debate, não podemos nem dizer que os néscios estão com uma visão ancorada no passado – uma vez que, em São Paulo, o passado era mais moderno do que o presente no qual vivemos.