Na última sexta-feira, dia 3, São Paulo foi atingida por uma tempestade que derrubou inúmeras árvores e deixou milhões de pessoas sem luz . Vários bairros foram atingidos e, até o exato momento em que escrevo este texto, há ainda milhões que continuam sem acesso à energia.
Nos últimos dias, tenho lido vários textos procurando culpados para o fato em si e apontando o dedo apenas para a empresa concessionária de energia da cidade. Li até um articulista que buscou associar diretamente a tempestade ao aquecimento global, sem se lembrar de que estamos em um ano de “El Niño” ou que já tivemos em vários anos tempestades com essas características, principalmente durante o verão.
Fato é que a cidade ficou um caos e o custo para toda a sociedade paulistana será realmente elevado, tanto para pessoas físicas como para pessoas jurídicas. Só que mais importante do que debatermos a quem caberá arcar com esse prejuízo (que não deixa de ser importante), é questionarmos o que poderíamos fazer para minimizar o risco de passarmos pela mesma situação no futuro.
E, nesse aspecto, tenho me feito várias perguntas. A primeira delas é qual o limite para o crescimento vertical da cidade e qual o custo social desse processo. Não desconsidero que temos um déficit habitacional grave na cidade e ausência de transporte público de qualidade.
Mas a questão que me vem é se, ao permitirmos a construção de prédios cada vez mais elevados e com maior número de moradores (conforme Novo Plano Diretor, por exemplo), estaríamos solucionando, de fato, um problema, ou criando outro maior no futuro.
No fundo, as mudanças sequenciais em planos diretores na cidade têm facilitado o processo de verticalização e de adensamento populacional em áreas sem infraestrutura para dar conta de tanta gente, em benefício das grandes incorporadoras. E pior, em vez de buscamos criar mais áreas verdes, tornamos a cidade mais impermeável, com novas estruturas de concreto que acabam, inclusive, por enfraquecer as árvores já existentes.
E aí me ocorre uma segunda pergunta: qual a responsabilidade da Prefeitura nesse processo? Quem andou pela cidade nos últimos dias observou uma quantidade imensa de árvores caídas, muitas delas sobre fiações elétricas. E quem já tentou pedir uma poda de árvore por razões de segurança sabe quão lenta é a Prefeitura para resolver problemas desse tipo.
Ou seja, objetivamente, não faltou prevenção? A Prefeitura de São Paulo não tem se mostrado ineficiente no cuidado e na poda de árvores e, neste aspecto, seria corresponsável pela falta de luz? Se, por um lado, devemos sim questionar a concessionária de luz, também devemos cobrar aqueles agentes públicos que não cumpriram seu papel.
Há ainda um terceiro aspecto que tem sido levantado. De longa data, há um debate técnico sobre implementar redes subterrâneas, abrangendo tanto a parte elétrica como a de cabos de telefonia e TV. Para além de questões estéticas, colocar em prática essa mudança evitaria problemas de descarga na rede elétrica, diminuindo os apagões nos bairros e reduzindo, inclusive, os custos de manutenção para as concessionárias.
O grande problema, entretanto, é que a instalação de uma rede desse tipo em São Paulo não é algo trivial, que se faça de uma hora para outra, e sem gerar transtornos de toda ordem na cidade durante o seu processo de construção. Ademais, o investimento necessário é bem elevado e, por óbvio, deverá ser arcado pelos consumidores, para se manter o equilíbrio econômico-financeiro das empresas.
Em áreas greenfield (quando ainda não existe infraestrutura) ou de elevada densidade de carga (como a região da Avenida Paulista), até pode ser uma boa estratégia. Mas estender isso para o resto da cidade dependeria, no mínimo, de uma avaliação da relação custo/benefício para toda a sociedade paulistana e de um debate transparente sobre os efeitos dessa decisão.
A verdade é que o evento climático que aconteceu na última semana é algo que poderá se repetir. Sendo assim, devemos obviamente questionar se a concessionária de luz e a Prefeitura têm feito todo o possível para prevenir os efeitos derivados dessas tempestades e se contam com estrutura suficiente para, o mais rapidamente possível, restabelecer a situação de normalidade na cidade.
Mas, mais do que isso, devemos questionar se as políticas públicas de longo prazo que têm sido escolhidas para as cidades também consideram o risco de eventos climáticos desse tipo e seus efeitos sobre todos nós ou se representam apenas interesses de determinados grupos privados setoriais.
Sob o ponto de vista técnico, o correto seria colocar todas as opções sobre a mesa e escolher aquela que representa a melhor relação custo-benefício (ou custo-efetividade) para toda a sociedade. Assim, teríamos, inclusive, clareza de quem seriam ganhadores e perdedores associados a cada possível escolha.
Se isso acontecesse, desconfio que chegaríamos à conclusão que há muito espaço para melhorar no desenho de Planos Diretores para as grandes cidades (na esfera municipal) e na escolha de políticas de financiamento para o setor habitacional (na esfera federal).