
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou, nesta terça-feira (1º), que ainda não conseguiu conversar com o presidente da Câmara, Hugo Motta(Republicanos), sobre a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derrubou o reajuste do Imposto sobre Operações Financeiras ( IOF), proposto pelo governo.
Segundo ele, uma tentativa de contato foi feita na semana passada, mas até o momento não houve retorno. Haddad disse aguardar a ligação do deputado para entender os motivos que levaram à votação da medida.
“Eu estou aguardando o retorno de uma ligação que eu fiz para ele na semana passada. Tem que ficar à vontade também, né?”, revelou o ministro a jornalistas, na portaria do Bloco P do ministério. Ao ser perguntado sobre como está a relação com Motta, Haddad respondeu que o presidente da Câmara tem “livre trânsito” para fazer contato.
“O presidente Hugo Motta frequentou o Ministério da Fazenda como poucos parlamentares. Ele é uma pessoa que é considerada amiga do Ministério da Fazenda, de todos aqui, não é só de mim. E sabe que tem livre trânsito comigo. Da minha parte, não tem nenhuma dificuldade”, ressaltou.
Haddad ainda comentou sobre a declaração que Motta publicou em suas redes sociais, na segunda-feira (30), em que negou ter traído o governo ao pautar a votação do PDL do IOF. Na avaliação do ministro, o termo “traição” não é apropriado para um debate entre Poderes.
“Esse tipo de expressão não cabe numa relação institucional”, opinou. “Nós não sabemos a razão pela qual mudou o encaminhamento que tinha sido anunciado no domingo. Mas isso, o fato de desconhecermos a razão, significa que vamos manter o diálogo para entender melhor o que se passou”, garantiu Haddad.
O encaminhamento citado por Haddad refere-se ao acordo firmado entre o Executivo e o Congresso em uma reunião realizada no dia 8 de junho, com a presença dos presidentes da Câmara e do Senado, além de líderes partidários. Na ocasião, ficou acertado que o governo editaria um novo decreto reduzindo as alíquotas do IOF, que haviam sido elevadas anteriormente, e encaminharia uma Medida Provisória (MP) propondo a revisão de outros tributos como forma de compensar a perda de arrecadação
Com isso, o governo acreditava ter pacificado o debate acerca do IOF. Entretanto, duas semanas depois, o presidente da Câmara anunciou, por meio das redes sociais, a votação do PDL que anulou os efeitos dos dois decretos publicados pelo Executivo em relação ao IOF. A iniciativa pegou o Planalto de surpresa e gerou rumores de desgaste entre Haddad e Motta.
O presidente da Câmara, entretanto, negou que tenha surpreendido o governo com a decisão de pautar o PDL. Ele garantiu que avisou o Executivo e alertou sobre a dificuldade de aprovação, por parte do Congresso, de medidas que aumentam tributos. “Capitão que vê o barco indo em direção ao iceberg e não avisa, não é leal, é cúmplice”, disse Motta em vídeo publicado em seu perfil do Instagram.
Haddad, por outro lado, reafirmou que espera a oportunidade de conversar com Motta e com o presidente Davi Alcolumbre, do Senado. Segundo o ministro, quando esse diálogo ocorrer, ficará mais fácil “nós afunilarmos essa questão”.
STF deverá decidir sobre decreto do IOF
Após a derrubada do decreto que aumentou o IOF, o governo acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir sobre a constitucionalidade da iniciativa do Congresso Nacional. Nesta terça-feira (1º), a Advocacia-Geral da União ( AGU) emitiu parecer e recomendou que a Suprema Corte considere constitucional a medida de reajuste do imposto.
"A medida adotada pelo Congresso Nacional acabou por violar o princípio da separação de poderes. Qual a medida que adotamos? A AGU apresentou uma ação declaratória de constitucionalidade para que o STF possa apreciar a correção, a adequação, do ato do chefe do poder Executivo", disse o advogado-geral da União Jorge Messias.
Sobre isso, Haddad tentou afastar o debate político da decisão da AGU de entrar com a ação no STF. O ministro afirmou que cabe unicamente à Advocacia-Geral definir sobre a judicialização do tema. “É uma decisão jurídica. Não tem nada a ver com política, não tem nada a ver com a economia, tem a ver com Estado de Direito, com a Constituição ”, ressaltou.
“O advogado-geral da União está tratando desse assunto em termos técnicos. Não está tratando politicamente desse assunto”, defendeu Haddad. “Um presidente tem que preservar suas prerrogativas constitucionais, que ele jurou defender. Então, o advogado-geral da União foi incumbido pelo presidente de saber se atravessaram os limites estabelecidos pela Constituição. Se sim, é natural que o presidente busque o reparo. Se não, as negociações vão continuar”, assegurou o ministro.
Haddad ainda destacou que o país está apresentando bons resultados e que não há motivos para estragar isso anulando medidas do governo para equilibrar as contas públicas. “Nós estamos num momento em que a economia brasileira está gerando emprego. Estamos com a menor taxa de desemprego da história, distribuição de renda melhorando, aumento real da renda acima da inflação de alimentos. A previsão do PIB foi revista para cima. Por que a gente vai estragar isso? Qual é o sentido de fazer isso?”, indagou.
“O que aconteceu com o IOF em relação aos incentivos fiscais? Fica indo e voltando... não tem uma boa relação”, completou.
Governo não conseguirá cumprir meta fiscal sem o IOF
De acordo com Haddad, o aumento do IOF é uma das medidas para garantir o cumprimento da meta fiscal de 2026 e, sem o reajuste das alíquotas, o governo não conseguirá fechar as contas. Isso porque, segundo cálculos do Ministério da Fazenda, a decisão do Congresso de derrubar o decreto que aumentou o imposto deve causar uma redução de R$ 10 bilhões na arrecadação em 2025. Para o ano que vem, o impacto projetado é quatro vezes maior, chegando a R$ 40 bilhões.
As medidas para equilibrar as contas, segundo Haddad, incluem, além do aumento do IOF, um corte de R$ 15 bilhões em benefícios fiscais e a Medida Provisória (MP) 1.303/2025. Essa última, já foi editada pelo governo, o que significa que está em vigor, mas depende da aprovação do Congresso para se tornar permanente.
A MP promoveu mudanças na tributação de investimentos e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), elevou a carga sobre apostas esportivas e trouxe dispositivos para combater fraudes fiscais. Em relação ao IOF, o governo deve aguardar a decisão do STF e, caso seja mantida a derrubada do decreto, uma das saídas possíveis é fazer cortes em programas sociais como o Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida.
Sobre o corte fiscal de R$ 15 bilhões, Haddad confirmou que o governo deve apresentar uma nova proposta ao Congresso após o recesso parlamentar, levando em consideração as conversas já realizadas com líderes partidários.
O ministro adiantou que essa nova proposta não será uma emenda constitucional, porque os parlamentares pediram, em conversas mantidas com os líderes partidários, para preservar os benefícios constitucionais. Por isso, a Fazenda está elaborando um projeto preservando esses setores que têm proteção constitucional.
“Houve esse pedido para preservar os benefícios constitucionais e ficou a dúvida de como fazer — do ponto de vista técnico, da forma, não do conteúdo. Então tem uma equipe do ministério estudando a forma mais adequada de atender o Parlamento, para que não fira suscetibilidades, porque nós estamos querendo cumprir com aquilo que foi decidido em relação ao encaminhamento”, revelou Haddad.
O ministro afirmou que a nova proposta pode sugerir cortes imediatos de 10%, mas com aumento gradual. “Pode ser importante uma medida gradual, como nós fizemos com quase tudo. Tudo gradual, para que ninguém sinta, mas colocando o país num regime fiscal adequado e compatível com as nossas necessidades”, disse.
A justificativa para os cortes em benefícios fiscais é que, segundo o ministro, o país atingiu um patamar de mais de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em renúncias fiscais, enquanto a Constituição estabelece o limite de 2%. “Tem a Emenda Constitucional nº 109 que estabelece que nós temos que buscar chegar num patamar de 2%. Ou seja, está três vezes maior do que aquilo que se imaginava. Isso foi o próprio Congresso que decidiu, não foi este governo. A emenda 109 é lá de trás”, explicou.
Essas medidas, se aprovadas pelo Congresso, devem dar ao governo condições de manter o equilíbrio fiscal. Por isso, o Executivo não pensa ainda na possibilidade de alterar a meta. “Mais do que falar do futuro, eu estou falando do que eu já fiz como ministro da Fazenda em 2024. Nossas medidas não foram aprovadas, e ainda assim buscamos o melhor resultado possível para o país”, justificou Haddad ao ser questionado sobre a mudança.
Responsabilidade fiscal
As medidas pensadas pelo governo, inclusive a do corte de R$ 15 bilhões, pode não ser uma boa estratégia política visando as eleições de 2026. Apesar disso, Haddad garantiu que o Executivo não trabalha “fazendo conta eleitoral” e criticou a postura da gestão anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de conceder benefícios fiscais para conquistar votos.
“Nós não somos o governo Bolsonaro, a quem tudo foi permitido para ganhar a eleição. Não funciona assim conosco. Nós temos responsabilidade. O presidente Lula sabe da importância de fazer as coisas certas”, alegou.
O ministro argumentou que, se o governo pensasse unicamente nas eleições, não se preocuparia em manter a meta fiscal. “Se nós raciocinássemos dessa forma, tanto faz aprovar ou não aprovar [o IOF], estraga as contas e acabou o assunto”, disse.
“Mas não é isso que a gente quer. Não é isso que ninguém quer. E o país não precisa mais disso. Já passou por isso, e não sai da crise. Nós queremos indicar um outro caminho”, ponderou.
Essa postura, segundo Haddad, é devido ao compromisso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de equilibrar as contas e fazer o Brasil crescer. “O presidente Lula é o presidente da responsabilidade fiscal. Não tem outro campeão de responsabilidade fiscal”, concluiu.