Bolsa Família: como o programa foi essencial para tirar o Brasil do mapa da fome
Jefferson Rudy/ Agência Senado
Bolsa Família: como o programa foi essencial para tirar o Brasil do mapa da fome

Neste mês, o programa Bolsa Família completa duas décadas. Lançado em 2003 durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) , o programa consolidou quatro programas (Bolsa Escola, Vale Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação) de transferência de renda do governo Fernando Henrique Cardoso ( PSDB ) em um único benefício. Inicialmente, o programa estabeleceu um benefício básico de R$ 50 para famílias com renda per capita de até R$ 50, e um benefício variável de R$ 15 (também até o limite de R$ 45) para famílias com crianças cuja renda per capita fosse de até R$ 100.

Para Renata Bichir, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), o programa tem um impacto muito importante na dimensão da segurança alimentar da população por oferecer acesso a recursos monetários estáveis. E isso tem um efeito na no aumento de qualidade, quantidade, e diversidade da ingestão calórica e na qualidade dos alimentos ingeridos. “Um dos objetivos de curto prazo do programa é exatamente o alívio imediato da pobreza e das situações de insegurança alimentar”, pontua a docente.

Para receber o Bolsa Família,  a principal regra é que a família tenha renda mensal de até R$ 218 (duzentos e dezoito reais) por pessoa. Isso significa que toda a renda gerada pelas pessoas da família, por mês, dividida pelo número de pessoas da família, deve ser de, no máximo, R$ 218.

“Do ponto de vista macroeconômico, também temos estudos de pesquisadores e do governo mostrando impacto do programa.  Existe um estudo da FIPE que mostra que cada R$ 1 transferido pelo Bolsa Família gera feito de R$ 1,5 na economia”, defende a Renata. “Temos caso que mostram impactos na dinamização de economias locais, principalmente tratando-se de municípios de pequeno porte”, finaliza.

“Para combater pobreza e desigualdade no Brasil a gente precisa, além das políticas de transferência de renda, da articulação da transferência com outras políticas. Temos um importante eixo articulador dessa integração que é o cadastro único de programas sociais, criado em 2001 ainda na gestão FHC, e que vai sendo aprimorado ao longo do tempo”, defende. “É importante fazer um diagnóstico das famílias: quais são suas demandas e quais são as ofertas garantidas pelo Estado. O CadÚnico nos permite fazer essa radiografia”, defende .

O programa prevê a exigência de frequência escolar para crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos das famílias beneficiárias, o acompanhamento pré-natal para gestantes, o acompanhamento nutricional (peso e altura) das crianças até 6 anos e a manutenção do caderno de vacinação atualizado, com os imunizantes previstos no Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde.

“Não basta ter boa vontade política e orçamento: a gente precisa o tempo inteiro prestar atenção na implementação, ter metas mais ambiciosas de inclusão social e monitorar o que está acontecendo nos processos locais para saber se a gente tá indo na direção certa”, finaliza Renata.

Uma das críticas feitas ao Bolsa Família é de que ele criaria dependência para as famílias beneficiárias, o que não se sustenta na prática. A primeira geração de beneficiários, com idade entre 7 e 16 anos, ao alcançar a idade adulta, deixou de depender do programa, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas em parceria com o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social. A pesquisa analisou dados de 2005, mostrando que apenas 20% continuavam recebendo assistência em 2019.

O estudo, que examinou beneficiários de 7 a 16 anos em 2005, revelou que 64% deles, agora com idades entre 21 e 30 anos, não estavam mais registrados no Cadastro Único do governo para pessoas em situação de pobreza. Entre esses, 45% conseguiram emprego formal ao menos uma vez entre 2015 e 2019.

Do grupo que permaneceu no Cadastro Único, registro do governo das famílias de baixa renda no país, 20% continuaram recebendo o Bolsa Família ao entrarem na vida adulta. Outros 14% estavam no cadastro, mas não recebiam o benefício, indicando que estavam temporariamente acima da "linha de pobreza", mas ainda sob risco de retornar a ela a qualquer momento

Em maio, mesmo após a reformulação, o programa deixou 438 mil pessoas na fila de espera, ou seja, elas foram aprovadas nos critérios de quem está apto a ter o depósito, mas não receberam. A informação é da Folha de São Paulo. O governo, portanto, vai contra sua projeção de zerar a fila do benefício até dezembro, principalmente após conseguir aprovar a PEC de Transição no Congresso, que liberou R$ 70 bilhões no programa social para este ano, além dos R$ 105 bilhões já previstos inicialmente no Orçamento.

“O Bolsa Família insere-se em um conjunto de intervenções que compõe a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, foi uma das estratégias utilizadas para retirada do Brasil do Mapa da Fome da FAO, marco que conquistamos em 2014, articulada com uma política de valorização contínua do salário mínimo, e consequente ampliação dos níveis de renda e poder de compra da população”, declarou em entrevista para o Portal iG o professor José Anael Neves, da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

“O Bolsa Família é principal Programa de Transferência Condicionada de Renda do mundo e é modelo para outros países por ter entre seus pilares o componente das condicionalidades, que aqui no Brasil, não têm caráter punitivo, as condicionalidades, ou seja, o compromisso assumido pelas famílias que participam do programa, como a realização de consultas regulares nos serviços de atenção primária à saúde, atualização do calendário de vacinação e frequência e permanência da educação básica.“Essas medidas têm a função de ampliar a garantia de direitos junto a população mais vulnerável. E são muito bem executados pelos serviços de educação, saúde e assistência social por todo o Brasil”, defende o docente.

O presidente Lula (PT) lançou nesta em agosto o Plano Brasil Sem Fome em Teresina (PI), visando tirar o país do "Mapa da Fome" até 2030. O plano visa integrar os sistemas de segurança alimentar, assistência social e saúde para combater a fome de maneira abrangente. Os dados mais recentes apontam que cerca de 33 milhões de pessoas enfrentavam insegurança alimentar grave em 2022 no Brasil.

“Esse é o caminho aparentemente mais resolutivo para as políticas públicas que pretendem combater a pobreza pelo mundo. A natureza intersetorial do programa é um componente fundamental da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional que surge após início da implementação do Bolsa Família”, finaliza.

O Mapa da Fome, publicado pela Organização para a Alimentação e Agricultura, em inglês Food and Agriculture Organization (FAO), pertencente à  Organização das Nações Unidas (ONU), é divulgado anualmente no relatório "O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo". Este relatório detalha a situação da fome e insegurança alimentar globalmente, dividindo as informações por região e país. Um país é incluído no Mapa da Fome quando mais de 2,5% de sua população enfrenta carência crônica de alimentos. Esses dados são cruciais para identificar a prevalência da fome e insegurança alimentar, fornecendo informações essenciais para a formulação de políticas e estratégias de combate à fome.

O objetivo atual do Mapa é avaliar o acesso global à comida, indicando se as iniciativas da ONU , organizações internacionais e líderes políticos estão progredindo em direção ao objetivo de erradicar a fome e promover a agricultura sustentável. Além disso, o mapa avalia se as estratégias contra a fome são eficazes ou se necessitam de adaptações em resposta às mudanças políticas, econômicas e sociais.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!