Na última semana, a Petrobras aprovou o pagamento de dividendos aos acionistas
de R$ 215,7 bilhões referentes ao ano de 2022, valor recorde para a empresa. A notícia gerou críticas por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sinalizações por parte do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, de que a política de pagamento de dividendos pode mudar.
Mas, afinal, por que o governo critica os dividendos altos e como isso afeta os consumidores finais de combustíveis? A seguir, confira 5 pontos para entender a questão.
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1. Como a Petrobras paga dividendos tão altos?
Os dividendos pagos por uma empresa são a fatia do lucro que é compartilhada com os acionistas. No caso da Petrobras, existe uma regra de que a estatal precisa distribuir ao menos 25% do seu lucro líquido. Não há, porém, uma porcentagem máxima - no anúncio da semana passada, por exemplo, o valor dos dividendos superou o total do lucro, já que foram pagos também quantias referentes a sobra de caixa, rendimento de privatizações e vendas de artigos fixos, por exemplo. A escolha por compartilhar com os acionistas valores acima dos 25% é política.
Para ter dividendos altos, a Petrobras precisa ter lucros altos. E isso está acontecendo. Em 2022, a empresa registrou lucro líquido recorde de R$ 188,3 bilhões. Isso se dá pela soma de dois fatores: a empresa gasta pouco para produzir e recebe muito na hora de vender.
- Produção: se valendo dos investimentos feitos na época do Pré-sal, a Petrobras gasta pouco na extração, tendo um dos menores custos do mundo.
- Venda: como a Petrobras vende o petróleo pelo preço internacional, ela tem se beneficiado da alta do dólar e do contexto geopolítico internacional, que fez o preço do petróleo subir, sobretudo, por conta da guerra na Ucrânia.
"Essa diferença entre o custo e o que consegue se obter de receita permite uma geração de lucro extremamente elevado", comenta Julia de Medeiros Braga, professora associada da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF).
O lucro alto, porém, não explica o pagamento de dividendos no nível que tem sido observado nos últimos anos. Isso porque a Petrobras tem que pagar, por regra, 25% do lucro aos acionistas. Os outros 75% podem também ser compartilhados ou podem ser reinvestidos na empresa. E essa é uma decisão política.
"A decisão do governo Bolsonaro foi pegar esse lucro e não reinvestir. Então, a empresa não tem um plano sólido de investimentos", afirma Julia. Durante a gestão do ex-presidente, o investimento nominal da Petrobras foi abaixo da média dos últimos anos, mesmo com o aumento do lucro.
2. Quais são as críticas de Lula aos dividendos altos?
Na última semana, depois da divulgação dos dividendos recordes da Petrobras, o presidente Lula criticou a empresa por não investir no país, optando pagar mais aos acionistas.
"Nós não podemos aceitar a ideia da notícia de hoje, a Petrobras entregou de dividendos mais de R$ 215 bilhões, quando ela deveria ter investido metade no crescimento econômico deste país, na indústria brasileira, na indústria naval, na indústria de óleo e gás. A Petrobras, ao invés de investir, ela resolveu agraciar os acionistas minoritários com R$ 215 bilhões", disse Lula, no dia 2 de março.
Na mesma semana, em sua primeira entrevista coletiva como presidente da Petrobras, Prates defendeu uma "regra mais solta" para o pagamento de dividendos. "Quanto mais flexível, melhor. Tem trimestres que são diferentes dos outros. Uma regra dessas amarra para o bem e para o mal", afirmou.
3. Para que o dinheiro dos dividendos poderia ser usado?
Se não fosse pago aos acionistas, o valor dos dividendos poderia ser usado, como citou Lula, para investimentos da própria Petrobras. "Quando a Petrobras deixa de investir, ela deixa de cumprir um papel que cumpriu historicamente no Brasil", afirma Juliane Furno, doutora em desenvolvimento econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"Quando a Petrobras resolve investir menos, ela está contribuindo para enfraquecer setores econômicos da cadeia de petróleo e gás que são muito importantes. São importantes porque geram emprego e tecnologia, como a indústria naval, indústria metal-mecânica e a própria construção civil, que é muito ostensiva em trabalho. Então, ela enfraquece toda uma cadeia que é muito intensiva em geração de emprego, em geração de receita - inclusive tributária para o Estado -, e em capacidade tecnológica", completa a especialista.
Do lado dos investidores, é interessante aplicar em uma empresa que dá um grande retorno, como a Petrobras. Por isso, sob esse aspecto, a estatal fica bem vista pelo mercado - no dia em que os dividendos e lucro recordes foram anunciados, as ações da empresa subiram, por exemplo.
Por outro lado, o governo pressiona para que os investimentos aumentem. Isso porque eles têm mais potencial de impacto na economia como um todo do que a parcela de dividendos recebida pela União.
Para as economistas entrevistadas pelo portal iG, o pagamento de altos dividendos é, de toda forma, ruim para a saúde financeira da Petrobras no longo prazo.
"Se a empresa não faz investimentos hoje, ela não amplia a capacidade produtiva, portanto ela está decretando que, no futuro, vai lucrar menos", afirma Juliane. "Os dividendos são sintomas de saúde financeira no curto prazo ao mesmo tempo que são um sintoma de doença, vamos dizer assim, no longo prazo", completa.
4. Como tudo isso afeta o consumidor?
Dentro desses investimentos que poderiam ser feitos pela Petrobras, está a área do refino, o que poderia fazer com que os preços dos combustíveis diminuíssem, afirma Julia.
"Se você não investe, você cria gargalos em áreas como o refino, e o Brasil tem que importar os combustíveis refinados. O país é um grande exportador de óleo cru, mas não consegue ser autossuficiente naquilo que chega de fato ao consumidor, que é o combustível. Aí acaba que isso torna o país dependente de uma importação de combustíveis", explica a economista.
Além disso, Juliane afirma que a política de perseguir o lucro para distribuir mais dividendos também têm impacto para os consumidores, já que faz se manter os preços elevados no mercado interno, através do Preço de Paridade Internacional (PPI), política de preços adotada pela Petrobras e também criticada pelo governo .
5. O que o governo pode fazer?
Lula critica a política de dividendos da Petrobras mas, afinal, o que ele pode fazer para mudá-la? A principal aposta de um presidente da República para mudar políticas dentro da estatal é a escolha do presidente da empresa, no caso, Jean Paul Prates.
Com sua articulação política, o presidente da empresa tem grande influência em suas decisões. Mesmo assim, ele ainda precisa do apoio do Conselho de Administração da Petrobras, que também tem indicações do governo federal.
O Conselho deve trocar os representantes do governo em abril. A União tem seis dos 11 membros, ou seja, a maioria para tomar decisões importantes como mudanças nos dividendos e na política de preços da empresa. Neste momento, as indicações passam por conflitos políticos.
"Ao contrário de outros momentos, nos quais o Conselho de Administração da empresa foi muito alinhado com a Presidência da República, hoje o Brasil vive um conflito entre um presidente progressista na Petrobras [Jean Paul Prates] e um ministro de Minas e Energia [Alexandre Silveira] que faz pressão para que o Conselho seja composto por empresários ou investidores que mantenham uma lógica vinculada a uma empresa que foca nos interesses de curto prazo", analisa Juliane.
Até o momento, o governo federal já mudou duas vezes suas indicações para o Conselho. Após a primeira lista de indicados, enviada no final de fevereiro, o governo chegou a ser criticado. Na ocasião, o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, disse que alguns nomes eram ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao mercado financeiro, o que poderia "impor obstáculos para o cumprimento de programa do governo Lula".
Os nomes indicados pela União ainda precisam passar por testes de integridade e elegibilidade dentro da Petrobras, além de passarem por votação em assembleia.