Um país endividado, mais pobre, com inflação, juros e desemprego elevados, baixo crescimento e queda de investimentos. Este é o cenário estimado para o Brasil após as eleições, traçado por economistas e ex-ministros da Fazenda brasileiros ouvidos pelo GLOBO. Entre os motivos para o quadro está a aprovação da PEC Eleitoral , com benefícios da ordem de R$ 41,2 bilhões até o fim deste ano.
"O governo Bolsonaro e seus aliados no Congresso entraram no modo desespero eleitoral e estão construindo uma herança terrível para o quadriênio 2023-2026", disse Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso.
A PEC Eleitoral foi aprovada nessa quarta-feira (14) pela Câmara
. A medida, além de ser um drible à lei eleitoral, abre um precedente perigoso e irreversível e afronta a Constituição, afirmam juristas. E, segundo economistas, a conta, no futuro, será paga justamente pelos mais pobres.
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Tanto Malan como os demais entrevistados reconhecem que parte dos problemas econômicos se devem a uma crise global causada, em um primeiro momento, pela pandemia de Covid-19, seguida pela guerra entre Rússia e Ucrânia, que ajudou a encarecer os preços dos alimentos e dos combustíveis. Porém, as mudanças nas regras fiscais, como o teto de gastos — dispositivo constitucional que proíbe despesas acima da inflação do ano anterior —que foi descumprido várias vezes, afetam a credibilidade do país.
Henrique Meirelles, ministro da Fazenda no governo Michel Temer, acredita que as mudanças nas normas fiscais terão efeitos eleitorais positivos para Bolsonaro. No entanto, haverá impacto negativo para a economia, com o aumento do dólar e o fortalecimento da inflação.
"Será criado um problema fiscal para 2023 e, talvez, além. Em resumo, por um benefício de curto prazo cria problemas de curto, médio e longo prazos", disse Meirelles.
Um dos problemas do descontrole fiscal é a pressão sobre o dólar, levando a altas maiores da inflação no futuro, o que, a médio e longo prazo, pode tornar inócuo o reajuste do auxílio.
Mailson da Nóbrega, ministro no governo José Sarney, afirma que o governo Jair Bolsonaro fragilizou a situação fiscal com a PEC dos precatórios e a PEC Eleitoral. Segundo ele, as duas propostas abriram espaço para ampliação de gastos, geralmente com objetivos eleitoreiros.
"Perdeu-se a âncora fiscal e foram criadas as emendas do relator, uma excrescência institucional sem paralelo no mundo. Elas possibilitaram um toma lá da cá da pior espécie nas negociações políticas. O governo deixou que o Centrão se apoderasse do Orçamento, em ações sem transparência nem justificativa técnica. O potencial de corrupção e o desperdício de recursos públicos aumentaram. A piora que essas ações impuseram ao quadro fiscal cobrará seu preço à economia brasileira nos anos vindouros", afirmou Mailson.
Uma das consequências da alta da inflação é o aumento de juros por parte do Banco Central. A desconfiança com a situação fiscal também eleva os juros. Os investidores pedem uma taxa maior para financiar a dívida do governo. Com dólar e juros em alta, sobe o custo das empresas, que deixam de investir para ampliar sua produção. O país cresce menos e são criados menos postos de trabalho.
Para o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, o legado a ser deixado para o próximo governo é o desequilíbrio nas forças políticas para decidir sobre os gastos públicos.
"Isso vai representar mais juros no futuro. Reverter esse cenário não será fácil", previu Mendes.
Mendes destacou que havia maior controle sobre o Orçamento e o processo decisório, funções que passaram a ser assumidas pelo Congresso, por meio de decretos legislativos, e aprovações açodadas de matérias que aumentam as despesas. Ao mesmo tempo, o Legislativo não assume o custo político reputacional, que são as consequências negativas de aumento da inflação, da valorização do dólar e do menor crescimento.
"Para os parlamentares, fica só o benefício da emenda parlamentar", disse, acrescentando que a dívida pública acumulada ao longo da pandemia de Covid-19 deveria estar sendo reduzida, e não aumentada.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, ressaltou que, no campo fiscal, o governo tem aumentado as despesas tanto discricionárias (em que há liberdade para decidir onde e como gastar), como as obrigatórias. Esse comportamento deixa o Orçamento mais engessado para os próximos anos, com a expansão do endividamento, e potencializa a inflação.
"No campo fiscal, há todo esse populismo que fica na herança para o ano que vem. Do lado da política monetária, o combate à inflação continua, porque a taxa ficará acima da meta (3,25% para 2023). O legado ruim será deixado para o próximo governo, qualquer que seja ele. Se Bolsonaro vencer, será um tiro no pé", afirmou Agostini.
Procurado, o Ministério da Economia informou que não iria se manifestar.