Bolsonaro emplaca PEC para conquistar votos, mas Poder Judiciário poderá intervir, acredita especialista
Clauber Cleber Caetano/PR
Bolsonaro emplaca PEC para conquistar votos, mas Poder Judiciário poderá intervir, acredita especialista

A aprovação da PEC das Bondades pelo Senado na quinta-feira (30) foi vista com alívio nos corredores do Palácio do Planalto. O texto altera o Auxílio Brasil, cria o voucher caminhoneiro e virou o último suspiro do presidente Jair Bolsonaro (PL) em busca da reeleição.

A proposta prevê o reajuste do benefício social de R$ 400 para R$ 600 até o fim deste ano, além de reajustar o vale-gás para um botijão de 13 kg a cada dois meses. Já o "auxílio-diesel" saiu dos R$ 400 inicialmente oferecidos para R$ 1 mil até dezembro de 2022.

Nos corredores do Planalto, do Congresso e na ala política, as medidas sugeridas pelo governo refletem a preocupação de Bolsonaro com a reprovação de seu governo. Pesquisas de opinião divulgadas nas últimas semanas colocam o atual mandatário na segunda colocação, podendo até perder a eleição no primeiro turno para seu principal rival, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O pacotão de bondades deverá custar R$ 38 bilhões aos cofres públicos, valor autorizado pelo Ministério da Economia. O ministro Paulo Guedes, que já declarou o orçamento apertado e rechaçou sair da regra do Teto de Gastos, recuou, e agora defende a PEC usando valores pagos por dividendos da Petrobras e da arrecadação com a privatização da Eletrobras.

Embora o mercado financeiro recebeu com receio as notícias de Brasília, especialistas acreditam que a injeção de dinheiro na economia do país pode reduzir a inflação e segurar as altas nos preços do alimento e combustíveis nos próximos meses.

"É uma mudança que vai gerar uma injeção de dinheiro na economia. Isso dá um certo alívio em relação à inflação e, claro, cria expectativa de melhora na renda do brasileiro e recuperação na aprovação do governo perante à população", afirma Alexandre Pires, professor de economia do Ibmec-SP.  

"O mercado vê com receio devido à saída do valor da regra do teto de gastos. Vejo, porém, um reboliço muito menor que outras oportunidades. Isso mostra que o governo aprendeu como usar o dispositivo. Era muito difícil para o governo usar valores fora do teto sem causar um tremor enorme no mercado financeiro", completou.

Pires vê uma leve recuperação econômica do país e acredita que Guedes tenha usado isso para aliviar as pressões sobre ele por não atender a ala política.

"Estamos em uma pequena recuperação econômica para compensar os últimos anos de pandemia. O governo apresentou alta na arrecadação e acabou mais tranquilo para adotar medidas que possam aliviar a crise e reduzir a inflação", disse.

A questão problemática da proposta, segundo o especialista, ficará para o futuro. A saída do teto de gastos e o aumento das despesas poderá custar caro à população caso a inflação resista às medidas.

"Repique dessa conta virá com uma certa persistência da inflação. Estamos com os juros elevados, perdendo o poder de força econômico para segurar a inflação. Se não der certo, os brasileiros pagarão uma conta alta após o fim do ano com o pacotaço de bondades", explica.

Impacto eleitoral

A criação da PEC das Bondades, segundo interlocutores e parlamentares ouvidos pela reportagem, tem objetivo eleitoreiro. A ala política e ideologia aliada ao Bolsonaro passou a ver com grande preocupação as últimas pesquisas eleitorais.

O último levantamento, divulgado pelo Datafolha, aponta Bolsonaro com 32% das intenções de voto, excluindo os votos em branco e nulos. Já seu principal adversário, o ex-presidente Lula (PT), conta com 53% dos votos válidos.

Na visão do cientista político José Elias Domingues, a PEC pode render alguns votos para Bolsonaro, mas não o esperado pela ala política. O especialista ainda lembra que os votos de outros adversários dificilmente serão transferidos ao atual mandatário em um eventual segundo turno.

“Com certeza terá um aumento de votos, mas não vejo uma alta significativa. As pesquisas mostram um percentual muito fiel ao Bolsonaro e muito fiel ao Lula. Se ambos forem para o segundo turno, será mais complicado os votos dos outros candidatos se transferirem para o Bolsonaro”, explica.

Domingues acredita que as medidas são de grande valia em meio à crise econômica e alertou para a possibilidade de terem sido votadas antes.

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"A gente precisa ver que essa iniciativa de bondade é ruim, certo? O aumento do Auxílio Brasil era necessário, visto o aumento da pobreza extrema no Brasil, além do auxílio-gás que se fez necessário para dar oportunidade de alimentação às famílias. A situação mais controversa fica no quesito dos combustíveis, por isso eles alteraram a proposta. A alíquota do ICMS não daria tanto efeito, já que dependemos da política internacional e do dólar, que está em alta nos últimos dias".

As mudanças no cenário político têm feito Bolsonaro buscar um realinhamento de sua imagem. O cientista político ressalta que Lula conseguiu juntar um grupo de esquerda e centro no mesmo projeto político, enquanto Bolsonaro encontra dificuldades para negociações fora de seu partido, Progressistas e legendas mais alinhadas à extrema-direita.

"As articulações que o Lula tem feito têm abrangido vários campos do espectro político. O Lula não tem conversado só com o pescoço da esquerda, ele tem conversado também com pessoas de direita, inclusive, e partidos vinculados ao próprio centrão", afirma.  

“O Bolsonaro nunca se dispôs a sair um pouco a furar a bolha daqueles simpatizantes, daqueles que são atrelados a sua imagem. Ele pouco se propôs a fazer isso. Eu acho que a população brasileira não vai se deixar enganar faltando três meses para eleição”, concluiu.

Interferência do TSE

As bondades propostas vão contra o que determina a lei eleitoral. Qualquer reajuste só poderá ser feito em programas já existentes e seguindo critérios específicos. Porém, a lei deixa brecha para situação de emergência e calamidade. 

O Planalto conseguiu emplacar a emergência, mesmo com forte resistência de alguns senadores. Entretanto, a mudança na regra eleitoral poderá esbarrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou no Supremo Tribunal Federal (STF).

“As normas atualmente existentes no reconhecimento do estado de calamidade dependem, inclusive, de verificação dos requisitos pelo próprio poder judiciário. O fato de se aprovar uma PEC não significa que o Poder Executivo pode quebrar a regra eleitoral. Aí pode ser que o Tribunal Superior Eleitoral, se provocar uma discussão, pode ser reservada para o momento posterior para, eventualmente, questionar o resultado das eleições por entender que esse tipo de conduta do Governo Federal, do atual presidente da república e seu grupo econômico, correu em abusos de poder político. Isso pode acontecer mesmo que haja uma emenda constitucional aprovada pelo parlamento”, afirma Luiz Eugênio Scarpino, advogado especialista em direito eleitoral.

“A PEC por si só não significa uma alforria, uma liberação para que abusos de poder político podem ser praticados. Quando se quebra a lei eleitoral, a disputa passa a não ser justa, além de trazer uma insegurança jurídica ao processo das eleições”, completa.

Scarpino também vê o texto como uma tentativa de burlar as regras eleitorais.

“Me parece que isso é uma tentativa de eliminar a vedação que nós temos na legislação eleitoral que impede que sejam feitos novos investimentos, investimentos que não tenham previsão do orçamento do ano anterior. Essa lei garante o equilíbrio da disputa entre os candidatos. as vai ter a disputa eleitoral que se avizinha, Me parece que aqui nós temos um desvio de finalidade e uma tentativa obtusa de dar uma vantagem, ainda que possa trazer benefícios a outrem, que não é própria no período eleitoral para aquele que está exercendo uma função de chefe executivo”.

Próximos passos da PEC

Aprovado pelo Senado, o texto irá para a Câmara dos Deputados, onde também deverá passar por votação em dois turnos. A data para análise dos deputados ainda não foi informada, mas há expectativa de que a matéria seja colocada em plenário na primeira quinzena de julho.

Para passar pela Casa, são necessários 308 votos a favor. O governo acredita que tenha esse número com folga, visto que, assim como no Senado, os deputados não devem arriscar a perda de votos nas eleições deste ano.

** João Vitor Revedilho é jornalista, com especialidade em política e economia. Trabalhou na TV Clube, afiliada da Rede Bandeirantes em Ribeirão Preto (SP), e na CBN Ribeirão. Se formou em cursos ligado à Rádio e TV, Políticas Públicas e Jornalismo Investigativo.

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