A privatização da Eletrobras deixará impactos no longo prazo para os consumidores de energia de todo país. De um lado, os recursos obtidos com a venda da estatal serão injetados em um fundo que alivia a conta de luz. Por outro, "jabutis" (trecho sem relação com projeto original) inseridos pelo Congresso Nacional na lei que trata da privatização da empresa podem, na avaliação de algumas pessoas do setor, anular ou reduzir esse efeito sobre as tarifas.
A Eletrobras vai usar o dinheiro da capitalização (que diluiu a participação da União na companhia) para pagar pela renovação do contrato de usinas hidrelétricas que hoje operam no regime de contas.
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Esse regime prevê um pagamento fixo pela energia, a preço de custo. Essas usinas passarão a operar pelos valores de mercado. Para amenizar os efeitos disso nas contas de luz, a Eletrobras irá injetar, por uma década, recursos em um fundo do setor elétrico.
Esse fundo, chamado de Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), é abastecido hoje com recursos das contas de luz. Por isso, uma outra fonte de receita reduz a pressão sobre as tarifas.
No total, a CDE receberá R$ 32 bilhões. Apenas neste ano, serão R$ 5 bilhões. O governo conta com esse dinheiro para segurar os aumentos nas contas de luz. A Agência Nacional de Energia Elétrica, por exemplo, já adiou por duas vezes o aumento nas contas da Cemig (de Minas Gerais) à espera da privatização da Eletrobras.
Além disso, os consumidores pagam hoje pelo risco hidrológico (o risco de faltar água para geração) das usinas que estão cotizadas. Esse risco passará para a empresa com a mudança dos contratos.
O Ministério de Minas e Energia afirma que haverá um impacto positivo de 2,43% nas contas de luz deste ano, por conta dos repasses à CDE.
Essa obrigação foi inserida no mesmo parágrafo da autorização para a venda da estatal, impedindo um veto e dificultando mudanças na lei. De tão extenso, o artigo parece ter sido inspirado na obra do escritor José Saramago, conhecido por parágrafos sem hora para acabar.
Durante a tramitação da privatização da Eletrobras no Congresso, os parlamentares ainda inseriram uma obrigação para o governo contratar 8 mil megawatts de usinas termelétricas a gás. A contratação precisa ser feita em leilão, não necessariamente construídas pela própria Eletrobras, e vai depender da demanda de investidores.
Essas termelétricas são uma interferência do Congresso no planejamento energético. Grande parte delas deverão ser construídas em locais sem gás natural. Por isso, será necessário construir gasodutos para transportar o insumo.
Especialistas temem que o valor do gasoduto seja transferido para as tarifas de energia, encarecendo ainda mais as contas de luz. Além disso, a construção de termelétricas a gás pode reduzir a demanda por outras fontes, como a energia eólica.
A obrigação de construir termelétricas foi classificada como um "jabuti", quando os parlamentares inserem num projeto algo sem relação com o conteúdo original da proposta. Por outro lado, foi fundamental para garantir o apoio especialmente no Senado, onde havia muita resistência à privatização.
O governo defende a construção das usinas argumentando que elas têm preço-teto — portanto sem impactos significativos sobre as contas de luz — e também diz que essas estruturas vão substituir termelétricas a óleo (mais caras e mais poluentes).