De forma silenciosa, deputados incluíram no projeto de lei do teto do ICMS para combustíveis, energia, telecom e transporte público um artigo que, na prática gera ainda mais perda de arrecadação aos estados. Além disso, acaba com toda a queda de braço provocada pela lei do diesel, sancionada em março, que levou o presidente Jair Bolsonaro a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra os estados e conseguir uma liminar do ministro André Mendonça derrubando a alíquota única do diesel, com possibilidade de descontos para estados.
O relator do projeto, o deputado Elmar Nascimento (União-BA), incluiu um dispositivo que determina nova regra para a redução da tributação do diesel neste ano.
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O parlamentar força uma mudança na norma que rege a cobrança do ICMS sobre o diesel e uniformizou a alíquota no país.
O texto fixou uma regra para, na prática, forçar uma revisão do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que fixou uma alíquota maior para o combustível, com possibilidade de os estados darem descontos.
Agora, eles serão obrigados a considerarem a média móvel dos preços médios praticados nos 60 meses anteriores, ignorando o período de congelamento do preço de cálculo do tributo. Essa média de 60 meses abarca períodos em que o diesel estava muito barato, como no começo da pandemia, quando muitos países paralisaram, reduzindo a demanda e o preço do combustível.
Para o advogado Alexandre Salles Steil, sócio do escritório Lavocat Advogados, o objetivo desse mecanismo é garantir, apesar da incerteza gerada anteriormente, que a regra de base de cálculo do imposto leve em considerações os preços médios dos últimos 60 meses.
O tributarista Willliam do Val D. Júnior observa que essa mudança proposta pela Câmara vai alterar os efeitos da lei do diesel, tirando a competência da regulamentação dos estados:
"A mudança proposta altera diretamente o período de efeitos da lei, uma vez que desvincula seu início do convênio Confaz."
Na avaliação de interlocutores ligados aos estados, essa alteração quer obrigar a adoção da média do diesel a todo custo, como um período de transição forçado, e que gera dúvidas sobre a constitucionalidade.
Disputa com os estados
As discussões envolvendo o ICMS são mais um capítulo na queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores, que se arrasta desde o início da pandemia. Bolsonaro atribui o preço alto dos combustíveis ao tributo estadual. Já os governadores dizem que estão fazendo sua parte, e que o problema é a política de preços da Petrobras.
O embate começou ainda em 2021, quando Bolsonaro enviou um projeto de lei para alterar a cobrança do ICMS dos combustíveis para tentar acalmar os ânimos dos caminhoneiros, apoiadores do presidente e insatisfeitos com as recorrentes altas no diesel.
Esse texto estabelecia um valor fixo e único do tributo dos combustíveis para todos os estados. Já naquela época, o presidente afirmou que não acreditava que a proposta prosperaria e que recorreria ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar mudar as regras do tributo.
Como o texto não avançou, na época, a pressão sobre os governadores cresceu. Por isso, desde novembro de 2021, os estados decidiram congelar o valor do ICMS que incide sobre combustíveis, por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Os governadores cogitaram acabar com a medida após o anúncio de mais um reajuste de preços da Petrobras. Acabaram voltando atrás, temendo um desgaste político. Desde então, já prorrogaram o congelamento mais duas vezes. Agora, ela vai até o final de junho, e há possibilidade de extensão até o final do ano. Estados estimam que deixarão de arrecadar R$ 37,1 bilhões com a medida caso ela vá até dezembro de 2022.
Mas com as altas recorrentes no preço dos combustíveis o Congresso voltou a atuar na questão. Foi em março, após um novo aumento dos combustíveis anunciado pela Petrobras, que o Legislativo aprovou projeto que alterou a sistemática de cobrança do ICMS, com definição de uma alíquota única, aplicado com um valor fixo em reais sobre o litro do combustível e com cobrança em uma única etapa.
Essa mudança foi definida no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O mesmo texto zerou as contribuições do PIS e Cofins, tributos federais, sobre diesel e querosene de aviação até o final de 2022, com impacto estimado de R$ 20 bilhões.
A lei previa um período de transição, até o fim do ano, em que a alíquota do ICMS consideraria a média de preço dos últimos 60 meses, o que representaria queda na carga tributária. É essa regra de transição que se tornará obrigatória, caso o projeto do teto do ICMS seja aprovado no Senado.
O Confaz estabeleceu uma alíquota única de R$ 1,006 por litro, liberando cada estado para dar um desconto para chegar à alíquota atual. Isso passaria a valer a partir de julho e, na prática, não traria mudanças em relação ao que já era cobrado.
Esse movimento foi visto como uma tentativa de burlar a decisão do Congresso e foi questionada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em resposta, o Ministério da Economia disse que foi a decisão dos estados impediu redução do ICMS do diesel.
Diante de uma nova alta anunciada pela Petrobras e após trocar o ministro de Minas e Energia, o presidente Jair Bolsonaro prometeu em live que acionaria o STF para que os estados cumprissem a nova lei. A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com ação contra a política de ICMS definida pelos estados. Um dia após, o relator sorteado para o caso, o ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro, concedeu liminar suspendendo trechos do convênio definido pelos estados com a nova sistemática de cobrança do ICMS.
Apesar de não ter efeitos imediatos, já que as mudanças valeriam a partir de julho, os estados decidiram recorrer. Sem decisão sobre o tema, o governo decidiu apoiar o projeto que limita a alíquota que pode ser cobrada para o ICMS que incide sobre combustíveis, energia, telecom e transporte coletivo. E foi nesse texto que apareceu o dispositivo que obriga os estados a fazerem o que o governo queria.