A indicação do quarto presidente da Petrobras no governo de Jair Bolsonaro corre o risco de parar na Justiça. Sem experiência no setor, analistas avaliam que Caio Paes de Andrade não preencheria os requisitos para o comando da empresa de acordo com as disposições da Lei das Estatais.
O nome do executivo precisa ser submetido ao Comitê de Pessoas da petroleira, que pode referendar ou não a nomeação, e, em seguida, ser analisado pelo Conselho de Administração da companhia. Um grupo de minoritários já se articula para entrar na Justiça caso ele obtenha a aprovação.
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O artigo 17 da Lei das Estatais exige experiência profissional mínima de dez anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa, ou quatro anos ocupando cargo de diretoria em empresa de porte similar, cargo público de confiança em nível superior (DAS-4) ou ainda cargo de docência ou pesquisa na área de atuação da empresa.
Uma alínea, porém, menciona a possibilidade de experiência em área conexa, o que poderia servir de argumento ao governo.
Uso político
Segundo especialistas, porém, essa justificativa pode não ser acolhida por órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União, ou pelo próprio Conselho da petroleira. Em seu currículo, Paes de Andrade se apresenta como especialista em fusões e aquisições, mercado imobiliário e transformação digital. Ele estudou na Duke University e em Harvard.
Paes de Andrade era o nome indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, desde a demissão de Joaquim Silva e Luna do comando da empresa, no fim de março. Seu nome ganhou destaque com a implementação da plataforma digital gov.br.
Paes de Andrade foi secretário de Desburocratização de Guedes e tinha bom relacionamento com o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida. A indicação marca o aumento da influência de Guedes no setor de energia.
O Estatuto da Petrobras exige da diretoria executiva ao menos dez anos de experiência em liderança, preferencialmente na área de energia.
O advogado Bruno Furiati, sócio do escritório Sampaio Ferraz, diz que o conselho pode até não levar em conta as restrições na hora de aprovar o nome, mas precisará de fundamentação. E lembra que conselheiros podem responder judicialmente pela decisão.
Segundo Furiati, caso seja comprovado que a nomeação não preenche requisitos da Lei das Estatais e do Estatuto Social da Petrobras, acionistas minoritários ou órgãos de controle podem pedir que a indicação não tenha efeito por representar, em tese, um abuso do governo na sua posição de controlador da Petrobras.
"Qualquer aprovação não unânime do nome de Paes de Andrade fortaleceria uma ação judicial contra a nomeação", afirmou.
Para o advogado André de Almeida — um dos idealizadores da class action (ação coletiva movida por minoritários) contra a Petrobras em 2014 e que levou a estatal a fazer um acordo de US$ 2,9 bilhões para encerrar a disputa judicial — o atual cenário já justifica questionamento judicial pelos acionistas:
"A nomeação de mais um novo presidente em 40 dias somente reforça a visão de que não existe separação societária entre a União e a Petrobras. Tivemos experiências com presidentes (da República) de esquerda e de direita que levam adiante projetos e medidas em benefício do controlador, e não da companhia. Isso é um desrespeito aos objetivos societários da Petrobras."
Ciro defende indicação
Para o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, com a troca no comando da estatal, Bolsonaro escancara o uso eleitoral da Petrobras:
"O presidente quer ser reeleito e quer usar os preços da Petrobras para isso, o que é um desastre. É evidente que a lógica da substituição do presidente da Petrobras é permitir manipulação de preços."
Nos bastidores, o governo já discute intervalo maior entre os reajustes, que poderia passar de cem dias. Um dos argumentos contra essa estratégia é o risco de desabastecimento, pois quando a empresa pratica preços abaixo dos cobrados no mercado internacional, os importadores suspendem a compra de combustível. E sem importações, não é possível atender integralmente o mercado.
Em Davos, Guedes afirmou que a diretoria da Petrobras é que fala de política de preços.
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, disse não esperar que haja novo aumento de preço de combustível antes da saída oficial de José Mauro Coelho, mas que isso é decisão da estatal. E defendeu a indicação de Paes de Andrade, em entrevista ao SBT:
"Isso eu não acredito (que não atende as exigências). É muita especulação. Tem muito agora expert em estatuto da Petrobras dando opinião. Beira o impossível um ministro indicar um nome que não esteja em condição de ser aprovado", afirmou, e acrescentou que Paes de Andrade foi bem-sucedido na iniciativa privada e tem competência.
Viu?: Mudança no comando da Petrobras pode levar mais de um mês
As ações da Petrobras no Brasil e nos EUA foram afetadas pela ação do governo. Os papéis ordinários (com voto) caíram 2,85% e os sem voto tiveram queda de 2,92%. No exterior, as ADRs (recibos de ações) fecharam em baixa de 3,8%, após tombarem mais de 12% na negociação pré-abertura do mercado.
Para o BTG Pactual, a nova mudança reforça a dificuldade do governo de encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses da União e os estatutos da companhia. O banco avalia que novos aumentos de combustíveis dificilmente serão aceitos, colocando em teste a política de preços.
“Tememos que o verdadeiro teste esteja por vir. Em última análise, achamos que o novo CEO enfrenta um dilema difícil: como preservar seu próprio emprego seguindo as políticas da empresa e sem comprometer a disponibilidade de combustível do Brasil?”, escreveram analistas do banco.
Para o Credit Suisse, as mudanças elevam a percepção de risco de investidores, mas a Lei das Estatais e o Estatuto poderiam blindar a petroleira e evitar subsídio de combustível como no passado.