Governo queria concretizar venda da estatal até 13 de maio
Felipe Moreno
Governo queria concretizar venda da estatal até 13 de maio

O Tribunal de Contas da União (TCU) adiou por pelo menos 20 dias a decisão final sobre a privatização da Eletrobras, num ato que mexe nos planos do governo de desestatizar a empresa no primeiro semestre. Para integrantes do Excutivo, o adiamento dificulta a privatização em 2022.

Técnicos do governo ainda não descartam totalmente a privatização. Mas a decisão do TCU afasta a chance da privatização da empresa no primeiro semestre deste ano, deixando a operação para o fiim de julho ou início de agosto.

No Ministério da Economia e no BNDES, porém, a avaliação é que a operação nesse período será bastante complexa. Por isso, o governo vinha dizendo que a última janela para capitalização era o dia 13 de maio.

O fim de julho e começo de agosto é um período muito próximo das eleições presidenciais, tradicionalmente marcado por forte volatilidade no mercado de ações. Além disso, grandes fundos internacionais não costumam fazer aportes em capitalizações no segundo semestre, quando é férias no Hemisfério Norte.

O adiamento ocorre mesmo já havendo uma sinalização favorável à privatização. Além do relator, Aroldo Cedraz, os ministros Jorge Oliveira, Benjamin Zymler, Antônio Anastasia e Walton Alencar sinalizaram votos a favor da operação. Isso já forma maioria porque oito ministros podem votar nesse processo — a presidente Ana Arraes só vota em caso de empate.

Primeiro, o TCU avaliou a precificação das usinas hidrelétricas da Eletrobras. Agora, a corte analisava a operação em si, como o preço mínimo das ações. O pedido de vista foi feito pelo ministro Vital do Rêgo, como ele mesmo já havia anunciado.

Vital chegou a pedir uma vista de 60 dias, mas esse prazo foi reduzido para 20. Com isso, o processo só volta para a pauta do TCU na sessão do dia 11 de maio.

O governo trabalhou por dias para evitar que o pedido de vista de Vital do Rêgo durasse mais que uma semana, com o objetivo de encerrar o assunto no TCU no dia 27 de abril, data-limite colocada pelo governo para dar tempo de privatizar a empresa até maio.

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Próximo ao presidente Jair Bolsonaro, o ministro Jorge Oliveira pediu para que o prazo de vista durasse apenas sete dias. Mas o pedido não foi aceito. A presidente do TCU, ministra Ana Arraes, então, concedeu um prazo de 20 dias.

"Concedo o prazo regimental de 20 dias para a vista coletiva", disse.

Jorge Oliveira disse que uma postergação da decisão pelo TCU teria impacto direto no cronograma do governo.

"A postergação da manifestação do tribunal vai impactar diretamente num cronograma, numa janela de oportunidades, para que esse negócios seja viabilizado. É algo que foi proposto pelo Executivo e aprovado pelo Parlamento", disse.

O ministro Walton Alencar foi claro ao dizer que um prazo de vista longo inviabiliza a privatização.

"Existe uma incapacidade do estado de realizar investimentos para manter a capacidade de geração da Eletrobras. Estamos a decidir se a Eletrobras será privatizada ou não. Um pedido de vista de 60 dias significa uma tomada de decisão de que a Eletrobras não será privatizada. A partir do deferimento de um pedido de vista de 60 dias, vai implicar simplesmente a não privatização da entidade", disse.

O ministro Bruno Dantas rechaçou, porém, que o atraso na decisão do TCU inviabilize a privatização neste ano, como argumenta o governo. Ele falou em discurso "ad terrorem" sobre o tribunal, sem citara nomes.

"Nem de longo uma concessão de prazo de 20 ou 30 dias a um ministro da Corte poderá inviabilizar essa capitalização. Eu tenho absoluta certeza que, se não for aproveitada essa janela de oportunidade de 13 de maio, essa janela de oportunidade vai para meados de julho. Esse parece um argumento traçado para jogar sobre o tribunal o peso do mercado no sentido de mostrar que ou é agora ou nunca e nos contrangere a tomar uma decisão", afirmou Bruno Dantas.

Cláusula anti-Lula

O relator do processo, ministro Aroldo Cedraz, chegou a sugerir alteração na cláusula "poison pill" (pílula de veneno), criada pelo BNDES e que impede a reestatização da Eletrobras. Essa cláusula foi chamada no mercado de "cláusula anti-Lula", que já falou em reestatizar a empresa caso venha a vencer as eleições de outubro.

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Ao apresentar seu voto, ele decidiu voltar atrás, após articulação do ministro Jorge Oliveira.  Além de tirar atratividade da empresa, a mudança obrigaria o governo a fazer uma nova assembleia de acionistas da empresa, atrasando o cronograma em 30 dias.

A lei de privatização impede que qualquer acionista detenha mais de 10% dos votos, de maneira a diluir o controle da empresa. A cláusula de "poison pill" diz que, se um acionista ultrapassar determinados limites de participação acionária, seria penalizado com a obrigação de realizar oferta pública para aquisição das quotas dos demais acionistas por valor até três vezes superior à maior cotação histórica das ações no mercado.

Essa cláusula foi usada, por exemplo, pelo Twitter, quando o bilionário Elon Musk tentou fechar o controle da empresa. Para Cedraz, porém, esse mecanismo é "desproporcional" ao poder público, porque impediria o governo de retomar o controle da empresa.

"Entendi inicialmente que o uso de cláusulas de poison pills não seria compatível com a Constituição. Entretanto, após analisar contribuições oferecidas pelo eminente ministro Jorge Oliveira, reconsiderei minha posição, motivo pelo qual deixo de apresentar qualquer proposta de deliberação específica em relação a este ponto, acompanhando a posição externada pela unidade técnica", disse o ministro.

O relator também sugeriu alteração no preço mínimo das ações. Esse ponto não gerou preocupações no governo, que acredita que isso acabará sendo decidido pelo mercado.

Cedraz também insistiu na precificação da capacidade completa das usinas da Eletrobras, assunto que já fora discutido pelo TCU. Além disso, o ministro propôs que seja determinado ao BNDES, como agente responsável pela modelagem do processo de capitalização, que utilize parâmetros “mais adequados” para estimativa de receitas, argumentando que esse insumo é essencial para o estabelecimento de valor justo para oferta das ações da Eletrobras ao mercado.

Corrida contra o tempo

O prazo da análise da privatização preocupava mais o governo do que a decisão em si. Técnicos do Ministério da Economia e do BNDES afirmam que o TCU precisa dar o aval à operação até o dia 27 deste mês para que a privatização ocorra em maio, sob pena da desestatização sequer ocorrer neste ano.

Com o aval do TCU até o dia 27, seria o tempo necessário para que o BNDES faça todo o trâmite e consiga realizar a capitalização na B3 e na Bolsa de Nova York até o dia 13 de maio.

Caso passe do dia 13 de maio, uma sexta-feira, não será mais possível, pelas regras da Securities Exchange Comission, órgão que regula o mercado de capitais dos EUA, usar como referência na operação o balanço financeiro da Eletrobras do último trimestre de 2021.

Seria assim, uma data muito próxima das eleições e com menos apetite no mercado de ações. As eleições presidenciais costumam ser marcadas por forte oscilação no mercado de capitais.

A visão de que o prazo limite para a privatização é 13 de maio não é compartilhada por ministros do TCU, que afirmam ser possível privatizar a empresa em julho ou agosto. Por isso, esses ministros decidiram dar mais tempo para analisar o caso.

Para integrantes da Corte, investidores interessados no processo colocariam dinheiro na capitalização a cinco meses ou a três meses das eleições.

Ministros do TCU dizem também que usar o balanço do primeiro trimestre de 2022 seria mais vantajoso porque o balanço de 2021 estaria impactado pela pandemia de Covid-19, baixando os valores dos ativos.

A privatização da empresa gerou uma série de divergências entre o TCU e o governo e entre os próprios ministros.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, se queixou publicamente de uma suposta interferência política no tribunal e insinuou pressão do PT junto ao TCU contra a privatização.

Membros do TCU rechaçam essa versão e dizem que um eventual atraso na privatização não seria culpa do tribunal.

O modelo da privatização prevê transformar a companhia em uma corporação, sem controlador definido, após uma oferta de ações que não será acompanhada pela União. Sem acompanhar a capitalização, o governo tem sua participação diluída para menos de 50% e perde o controle das empresas. No total, o governo calculou em R$ 67 bilhões os valores relacionados à privatização.

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