O general da reserva Joaquim Silva e Luna foi apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro como alguém que iria "surpreender positivamente" no comando da Petrobras. Primeiro militar a comandar o ministério da Defesa — durante o governo Michel Temer —, Silva e Luna deixou a diretoria-geral da usina hidrelétrica de Itaipu para assumir uma das maiores petroleiras do mundo.
Um ano depois de encarar essa missão, o general "surpreendeu negativamente" Bolsonaro ao não ceder a pressões políticas para reduzir o preço de combustível em um ano eleitoral. Demitido, Silva e Luna revela ao GLOBO uma mágoa com a sua fritura e com a forma como foi defenestrado do cargo.
Entre no canal do Brasil Econômico no Telegram e fique por dentro de todas as notícias do dia
"O que afeta a biografia, o que afeta a reputação, são valores sagrados a nós. Eu confesso que fiquei apreensivo com isso. Alguns amigos militares também fizeram contato, alguns de mais alto nível das Forças Armadas, de ex-comandantes de Força. Houve uma compreensão, com expressões do tipo “está saindo melhor que entrou”. Eu tinha essa preocupação. Leva-se muitos anos para construir uma biografia e depois ver rasgada de forma que não é responsável é ruim. Isso foi a única coisa que me incomodou, porque considero isso um bem sagrado meu", desabafou.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o senhor avalia a sua demissão?
Vai havendo um desgaste. Eu coloco isso aí dentro de um contexto. Estamos tendo um ano político. A pessoa está no governo e quer ter a oportunidade de prosseguir o mandato. Tivemos três conflitos (no setor de petróleo). O primeiro gerado pela Covid, que reprimiu a demanda por um período e depois voltou muito rápido, encarecendo tudo.
Depois, no caso do Brasil, tivemos a crise hídrica. A Petrobras saiu de 40 navios para 120 navios (de gás natural). Isso encareceu o preço de tudo. E quando a gente imaginava que as coisas iam começar a se estabelecer veio a crise no Leste Europeu, com impacto violento.
O senhor saiu após um reajuste de 18% na gasolina e de 25% no diesel, há três semanas. Havia risco de desabastecimento de combustíveis caso não houvesse o reajuste?
Seguramos (os aumento) por 57 dias, com a sensibilidade máxima possível. Tive que conversar com diretores, conselheiros, eles entenderam que precisa esperar e não passar a volatilidade. Acabou que não tinha mais como segurar, porque, qual era o risco? De desabastecimento.
Esse alerta foi feito ao governo?
Na época eu dei um alerta ao Ministério de Minas e Energia. Eu disse “olha, estamos correndo risco de desabastecimento”. Porque tinha feito contato com as grandes empresas que importam (combustíveis).
A resposta na época foi que os contratos de março estavam tudo ok mas, para abril, estariam com dificuldade, porque iriam comprar muito mais caro para vender mais barato. Eles disseram que sem ajuste de preço não tinha como importar.
Esse foi o ponto de decisão. Fizemos aquele aumento que, na época, correspondia a 50% do valor da nossa política de paridade de importação. Então, gerou esse desgaste. Estava havendo um desgaste.
A empresa segue quatro normas. Um deles é o artigo 173 da Constituição, que prevê que se comporte como empresa privada. Depois a Lei das Estatais, a Lei do Petróleo e a Lei das Sociedades Anônimas.
Como a empresa tem 63% do seu capital privado, é preciso seguir a lei do mercado. Como não era possível segurar os preços… Até tivemos um cuidado monstruoso de manter o nível mais baixo possível, e acabou gerando esse desgaste.
A sua demissão da Petrobras não foi decorrente desse cenário externo, mas sim uma decisão pessoal do presidente Bolsonaro…
É isso. Uma decisão pessoal do presidente. Esse cenário gera uma necessidade, talvez, de explicar para a sociedade que o preço está elevado, que não tem culpa dele. Escolheram a Petrobras como culpada, e não é. Mostramos isso várias vezes, que a Petrobras é um terço do valor do combustível, que a Petrobras não é monopolista. Em termos de gasolina, por exemplo, é em torno de 42%, porque tem o álcool, o etanol (na mistura), importação.
Leia Também
Houve pressão para segurar o preço do combustível?
Contatos para no sentido de segurar preço aconteceram, mas isso nunca aconteceu (segurar os preços). Porque nós temos regras muito bem definidas, a política de governança da empresa é muito bem estabelecida. Esse tipo de conversa e tentativa não afeta nada. Não afeta nem o meu humor e nem o meu sono. Porque eu não posso fazer. A gente manteve uma equipe muito serena.
A pressão aparentemente não vinha só do presidente. Houve pressão também de parlamentares?
A mim diretamente, não. Mas, publicamente, sim. A gente explica que não pode fazer, que é preciso seguir leis de mercado, que a empresa não é um monopólio. Eu não sei se as pessoas não entendem isso ou não querem entender. E depois volta querendo que segure os preços. Não pode. Até porque seria uma irresponsabilidade gerar um desabastecimento no país. E não vejo outra pessoa sentando aqui e podendo fazer diferente. Sinceramente, não vejo.
Admitindo que foi pressionado para segurar preços dos combustíveis
O senhor acha que o próximo presidente da Petrobras conseguirá conter essa pressão do presidente em um ano eleitoral?
Mantendo, o que está aí, não. As soluções que estão sendo postas, o Congresso está participando disso, é encontrar um subsídio. O mundo inteiro está fazendo isso. Nós estamos vivendo um período de guerra, em que as soluções precisam ser diferentes.
Tem teto de gastos (limite de despesas), tem limite, tem, mas é possível criar um crédito extraordinário (fora do teto), é questão de vontade. A Petrobras coloca bilhões de reais no governo. A Petrobras não pode fazer política pública, mas ela entrega o dinheiro que pode fazer.
O senhor recebeu pedidos para nomeação de cargos na Petrobras?
Indicações sempre aparecem. Mas todas as minhas indicações foram técnicas. Eu usei pratas da casa, diretores que estavam há mais de 30 anos na casa, gente que viveu todas as experiências ruins. Eu não aceitei nenhuma indicação que não fosse aquela que eu não tinha direito de escolher.
Quem foram os responsável por essas indicações?
Houve indicações, eu até gostaria de não citar nomes. Mas houve indicações, mas não me estressei com isso. Acabei não cedendo a isso nem trouxe esse assunto para dentro da empresa.
De que forma a sua demissão respinga na imagem das Forças Armadas?
Eu não tenho condições de fazer essa avaliação. Mas eu recebi, ouvi mensagens, até do próprio vice-presidente (Hamilton Mourão), de alguns companheiros, que manifestaram isso.
Realmente isso é uma preocupação minha, porque tem algumas coisas que são sagradas para nós. O que afeta a biografia, o que afeta a reputação, são valores sagrados a nós. Eu confesso que fiquei apreensivo com isso. Mas recebi (acompanhamento) da minha família.
Alguns amigos militares também fizeram contato, alguns de mais alto nível das Forças Armadas. De ex-comandantes de Força, de tudo isso. Houve uma compreensão. Com expressões do tipo “está saindo melhor que entrou”.
Eu tinha essa preocupação. Levam-se muitos anos para construir uma biografia e depois ver rasgada de forma que não é responsável é ruim. Isso foi a única coisa que me incomodou, porque considero isso um bem sagrado meu.
O presidente ligou para o senhor?
Não. O contato quem me fez foi o ministro de Minas e Energia. Foi uma conversa muito rápida. Apenas meu nome estava na lista de conselheiros e saiu. Como o presidente precisa ser conselheiro, está fora. Isso é um direito do acionista escolher quem ele quer.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende a privatização da Petrobras. O senhor acha que essa seria uma solução para conter as interferências políticas na companhia?
Eu diria que ela ganharia muito em valor. Todas as análises da Petrobras mostram que 80% dos indicadores são confiáveis, por governança etc. E em torno de 20% são neutros. E essa neutralidade inclui o risco de intervenção política na empresa. Então, se ela for privatizada, esse risco acaba. E, segundo, tira-se esse fardo do governo de ser responsável por aumentos de preço, como o pessoal pensa que é. Então eu acho que é um caminho.