Dmitry Peskov, porta-voz do governo russo
Divulgação/Kremlin
Dmitry Peskov, porta-voz do governo russo

A um dia do prazo estabelecido pelo governo russo para a apresentação de um novo modelo de pagamento, a ser feito em rublos, pelo gás do país, governos da Europa tentam montar estratégias de emergência para lidar com uma potencial falta do produto, ao mesmo tempo em que emitem sinais de que não devem aceitar as condições do Kremlin.

O impasse ocorre em meio a sanções extremas da União Europeia, dos EUA e de aliados contra a Rússia, como forma de pressionar Moscou a suspender a invasão da Ucrânia, diante das quais o gás surge como uma forma de contra-ataque russo.

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O caso mais emblemático é o da Alemanha, principal importador do gás russo, e cujo governo, após titubear inicialmente, adotou uma posição dura contra a invasão. Nesta quarta-feira, Berlim sinalizou que, por enquanto, o fornecimento está garantido, mas já deu o primeiro passo de um plano de emergência para gerenciar a oferta do produto, que pode incluir um eventual racionamento.

O anúncio na semana passada de que o pagamento terá que ser feito em rublos — forma encontrada pela Rússia de sustentar o valor de sua moeda e retaliar as sanções que congelaram suas reservas em euros e dólares depositadas no exterior —  levou a uma alta de 15% dos já elevados preços do gás na Europa. No entanto, o próprio Kremlin afirmou nesta quarta que a mudança de moeda de pagamento não será imediata, abrindo espaço para negociações.

— Como discutimos anteriormente, pagamentos e entrega são um processo que demanda tempo. Isso não significa que as entregas de amanhã [quinta-feira] já deverão ser feitas em rublos. De um ponto de vista técnico, este é um processo mais demorado — afirmou o secretário de Imprensa do Kremlin, Dmitry Peskov.

Em conversa telefônica com o chanceler alemão, Olaf Scholz, o presidente Vladimir Putin reiterou o desejo de cumprir os contratos vigentes, e disse que a decisão de modificar o modelo de pagamento pelo gás deve ser discutida por especialistas alemães e russos, de acordo com um comunicado do Kremlin.

Pela versão, alemã, o porta-voz do governo, Steffen Hebestreit, afirmou que o líder russo deu sinal verde para que os pagamentos de abril sejam feitos em euros, e mais tarde convertidos em rublos pelo Sberbank, não afetado pelas sanções. Scholz não pareceu estar de acordo.

— Scholz nao concordou com os procedimentos apresentados, mas pediu que fossem enviadas informações para entender melhor o mecanismo — disse Hebestreit.

Ainda nesta quarta, Putin russo conversou por telefone com o premier italiano Mario Draghi, líder de um país que também depende das importações de gás russo: segundo o Kremlin, o presidente deu detalhes sobre o novo formato de pagamento, anteriormente rejeitado por Roma. Desta vez, não foi divulgada a resposta de Draghi.

Neste cenário, o vice-ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Ryabkov, declarou que o país pretende continuar a fornecer gás, mas destacou que as circunstâncias mudaram nas últimas semanas. Hoje, 41% de todo o gás consumido na Europa vem da Rússia, segundo a a Direção-Geral de Enegia da União Europeia. 

— Espero que não enfrentemos a continuação de uma guerra econômica desesperada. Apelo ao bom senso de todos que podem tomar decisões nos dias de hoje na Europa . A Rússia sempre foi um fornecedor confiável de energia e continuará a fazê-lo, mas nossos interesses e demandas devem ser respeitados — afirmou Ryabkov, em entrevista à RT. — Espero que mudem de ideia, usem o tempo restante para encontrar uma solução criativa para esta situação.

Mudanças políticas

Anunciada no dia 23 de março por Putin, a mudança no sistema de pagamentos pelo gás russo atinge o que Moscou considera "países hostis", nações que adotaram as sanções que restringiram drasticamente o acesso da Rússia aos mercados financeiros internacionais.

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— A Rússia, é claro, vai continuar a fornecer gás natural, de acordo com os volumes e preços acertados em contratos previamente concluídos — disse Putin, ao anunciar a decisão. — As mudanças apenas afetarão a moeda de pagamento, que passará a ser o rublo russo.

Segundo especialistas, a medida ajudará a impulsionar o rublo, que já dá sinais de recuperação depois de fortes perdas logo depois do anúncio das sanções: esta semana, a cotação do dólar esta abaixo de 90 rublos — há pouco mais de 20 dias, o valor chegou a 139 rublos por dólar. 

Nenhum país até o momento sinalizou que aceitaria as novas condições, elevando o alerta de um potencial corte no fornecimento, no momento em que os estoques da União Europeia estão em apenas 26% da capacidade máxima, bem abaixo da média. Por isso, alguns governos, seguindo os passos da Alemanha, adotaram planos de contingência

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Na França, onde o presidente Emmanuel Macron disse pessoalmente a Putin que não faria pagamentos em rublos, o chefe da agência reguladora de energia declarou que o país não deve ter problemas, uma vez sua matriz energética, baseada em usinas nucleares, o torna menos dependente do gás russo do que vizinhos como a Alemanha.

A Grécia anunciou uma reunião de emergência para discutir o impacto de uma eventual paralisação no fornecimento, e o governo da Holanda lançará uma campanha para incentivar a redução no consumo.

O impasse também aumenta a discussão sobre a redução da dependência europeia do gás russo, uma bandeira levantada por nações do Leste Europeu e pelos EUA antes mesmo de o conflito começar. No caso americano, foi assinado um acordo, na sexta-feira da semana passada, para incrementar os envios de gás natural liquefeito (GNL) já este ano, e acelerar os envios até 2030. 

No passado, a pressão de Washington para vender mais gás à Europa atrasou a conclusão de um novo gasoduto russo para o continente, o Nord Stream 2, que embora esteja concluído, agora não tem mais data para entrar em funcionamento, e ainda não se sabe se ele será utilizado no futuro.

Nesta quarta-feira, a Polônia anunciou que vai suspender todas as compras de insumos energéticos vindos da Rússia até o fim do ano, incluindo gás, carvão e petróleo.

— Quando outros na Europa olhavam para a Rússia como um parceiro de negócios, sabíamos que a Rússia estava usando principalmente o gás como instrumento de chantagem — disse, em entrevista coletiva, o premier Mateus Morawiecki. — Pedimos a todos na Europa que sigam os nossos passos.

Segundo o centro de estudos Forum Energii, a Polônia importa 46% de seu gás, 64% de seu petróleo e 15% de seu carvão da Rússia. As autoridades locais dizem que não será um processo simples, mas que ele será concluído no prazo.

*Com agências internacionais

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