A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou nesta terça-feira um projeto de lei que trata das operações com moedas virtuais, os criptoativos. O texto estabelece algumas regras e determina que o governo regulamente o uso das criptomoedas.
Como o projeto é terminativo, ele só precisará passar pelo plenário da Casa caso haja um recurso nesse sentido. Caso contrário, segue direto para análise dos deputados.
As criptomoedas já ultrapassaram a marca dos R$ 10,2 trilhões em valor de mercado e têm ganho cada vez mais espaço no mundo dos negócios e na carteira dos investidores.
No entanto, as empresas negociadoras de criptomoedas não estão expressamente sujeitas à regulamentação, seja do BC ou da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Um dos pontos principais do projeto de lei é a determinação de que o governo estabeleça regras e trabalhe na regulamentação.
O relator do projeto, senador Irajá (PSD-TO), disse que o relatório aprovado foi construído junto com o Banco Central (BC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e com a Receita Federal.
"Nosso objetivo é estimular o ambiente de negócio, mas criando mecanismos que possam proteger os investidores, as pessoas físicas, jurídicas, profissionais liberais, autônomos que enxergam dentro desse ambiente uma oportunidade de investimentos", disse durante a sessão.
Segundo o texto, o governo deverá publicar um ato definindo qual órgão ou entidade pública federal ficará responsável por estabelecer quais ativos financeiros serão regulados. Além disso, o governo também deverá indicar qual órgão poderá autorizar a realização de serviços de ativos virtuais.
O projeto de lei já define que instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central poderão prestar "exclusivamente" esse serviço de criptomoedas ou acumulá-lo com outras atividades. A forma como isso será feito ainda deverá ser decidida pelo governo, prevê o texto.
"Uma das inovações nesse marco regulatório é a admissão do próprio Banco Central como instituição autorizada a credenciar essas corretoras ou fintechs que são intermediários na venda dos criptoativos. Esse é um dos elementos importantes para garantir a segurança e credibilidade desse mecanismo de investimentos", disse o relator do projeto.
Além disso, o texto ainda prevê isenção de alguns impostos, como IPI e Imposto de Importação, para compra de máquinas e softwares. Essa isenção só valerá para as empresas que utilizarem energia 100% renovável em suas operações e neutralizem 100% das emissões de gases efeito estufa.
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A mineração de moedas virtuais como o bitcoin são reconhecidas por gastarem muita energia. O bitcoin, por exemplo, usou 66 vezes mais eletricidade em 2021 do que em 2015.
Seis meses para se adequar
As empresas que já atuam nesse mercado terão até seis meses para se adequar às regras após a sanção da lei. O texto determina que o órgão federal responsável por essa regulação determinará condições e prazos inferiores a seis meses para essa adaptação.
Diversos países pelo mundo estão implementando ou debatendo normas para os criptoativos. A Índia, por exemplo, está debatendo a criação de um tributo específico para as moedas virtuais.
O grande objetivo destas regulamentações, até o momento, é afastar o risco de fraudes. Com normas semelhantes a outros investimentos, as pessoas que aplicarem em moedas digitais conseguem ter mais segurança. As criptomoedas — a bitcoin é a mais famosa delas — são muito voláteis e a possibilidade de lucros rápidos atraem pessoas e favorecem golpes.
O projeto aprovado prevê reclusão de quatro a oito anos e multa em caso de fraude na prestação desses serviços. A proposta inclui no Código Penal essa penalização quando alguém “Organizar, gerar, ofertar carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio”.
Regulamentação divide especialistas
Integrantes da equipe econômica querem que a regulamentação trate das criptomoedas como investimentos, não como meio de pagamentos.
As razões pelas quais a regulamentação do mercado de criptoativos deve ser feita divide os especialistas ouvidos pelo GLOBO. Na avaliação de Virgílio Lage, especialista em criptoativos da Valor Investimentos, é preciso fazer isso para evitar crimes e para dar mais confiança ao investidor.
"O ideal é regulamentar para evitar golpes, lavagem de dinheiro e uso indevido de ativos digitais. Além de que a regulamentação aumenta o nível de confiança do investidor em um novo produto, que é mal regulado", avalia.
Para ele, o país está atrasado na discussão de regulação, sobretudo para punir quem comete golpes, mas adiantado na economia de criptomoeda. Ele avalia que o Brasil está à frente até mesmo dos Estados Unidos, porque a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já permitiu a negociação de criptomoedas na Bolsa, com o Fundo de Investimento em Índice de Mercado (ETF).
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Já para Pablo Cerdeira, sócio do Galdino & Coelho Advogados, a regulação deve ser feita para dar mais segurança, especialmente para os investidores. Mas o especialista entende que o Brasil está mirando em questões erradas:
"Nos EUA o foco da regulação tem sido na manutenção do dólar como moeda de influência internacional. Na Suíça o foco tem sido em criar um modelo próprio de ativo. Na União Europeia, a atenção se volta para a classificação dos criptoativos e sua negociação. Já no Brasil a maior preocupação tem sido com a prática de crimes."
Para ele, o volume de criptoativos movimentado em golpes mostra que é um problema pequeno, e que é mais fácil detectar e parar esquemas de pirâmides ainda nas movimentações bancárias do que depois que há passaram para o blockchain.
Ele ainda avalia que mesmo uma eventual regulação deve provocar poucas mudanças para a maioria dos investidores, já que as corretoras nacionais ou do exterior já cumprem protocolos. As diferenças podem aparecer para investidores que usam ferramentas complexas, como robôs de automação de investimentos, com um possível aumento da complexidade das declarações de imposto de renda, e para as negociações em ambientes específicos, como entre pessoas físicas.
Veja os principais pontos da proposta:
Definição de moeda virtual
Apesar de deixar para o governo definir quais serão os ativos financeiros regulados, a proposta define que um “ativo virtual” é a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos, inclusive para realização de pagamentos e investimentos.
Essa definição exclui moedas emitidas por autoridades monetárias, instrumentos que deem acesso a produtos ou serviços especificados ou benefícios vindos desses produtos ou serviços, moedas eletrônicas ou ativos que já tenham previsão em lei.
Definição de prestadora de serviços
O projeto de lei também estabelece o que caracteriza uma empresa que trabalha com criptomoedas. De acordo com o texto, essas empresas precisam oferecer pelo menos um desses serviços:
- Troca entre ativos virtuais e moedas soberanas
- Troca entre um ou mais ativos virtuais
- Transferência de ativos virtuais
- Custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre esses ativos
- Participação ou prestação de serviços financeiros relacionados à oferta por emissor ou venda de ativos virtuais
Autorização para funcionamento
O projeto determina que empresas só poderão atuar no Brasil nesse setor mediante autorização de órgão da administração federal e listou algumas diretrizes para o provimento desse serviços que devem ser observadas na regulamentação a ser feita pelo governo, entre elas:
- Livre iniciativa e livre concorrência
- Controlar e manter de forma segregada os recursos aportados pelos clientes
- Boas práticas de governança e abordagem baseada em riscos
- Segurança da informação e proteção de dados pessoais
- Prevenção à lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores, combate à atuação de organizações criminosas, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento de proliferaçãod e armas de destruição em massa
Supervisão
Um órgão federal indicado pelo governo ficará responsável por disciplinar o funcionamento e a supervisão das empresas prestadoras de serviços de ativos virtuais. Esse regulador terá o poder de autorizar o funcionamento, transferências de controle, fusão ou cisão dessas empresas e mais:
- Estabelecer condições para o exercício de cargos e autorizar posse e exercício de pessoas para cargos de administração nas empresas
- Supervisionar e aplicar sanções em caso de descumprimento das regras previstas
- Cancelar as autorizações de funcionamento
- Determinar em quais hipóteses as operações serão incluídas no mercado de câmbio e em que serão submetidas à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e de capitais estrangeiros no país
- Punição por fraudes
- O projeto inclui no Código Penal a previsão de crime, com pena de reclusão por quatro a oito anos e multa, de fraude em prestação de serviços de ativos virtuais da seguinte forma:
“Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.
O texto também determina que as corretoras de moedas virtuais deverão identificar os clientes e manter registro de toda transação que ultrapasse o limite autorizado por autoridade competente, seja em moeda nacional ou estrangeira.
Se houver tranferênca acima desse limite, o Conselho de Controle de Atividade Financeiras (Coaf) deverá ser comunicado em até 24 horas, como já previsto na lei de lavagem de dinheiro.
As empresas que atuarem nesse mercado estarão sujeitas à lei de crimes financeiras e ao Código de Defesa do Consumidor.
Isenção de impostos
O texto prevê isenção de alguns impostos para compra, por empresas, de máquinas e programas (software) utilizados para processamento, mineração e preservação de ativos virtuais feitas até 31 de dezembro de 2029.
Essa isenção somente será concedida para as empresas que tiverem 100% de sua energia elétrica de fontes renováveis e que neutralizarem 100% das emissões de gases do efeito estufa com origem nessas atividades.
Em caso de importação, os impostos a serem zerados são: Contribuição para o PIS, Cofins importação, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente na importação e Imposto de Importação.
Se as máquinas ou programas forem adquiridos no mercado interno, os impostos zerados serão a contribuição para o PIS, Cofins e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).