Não é só a falta de chuvas que explica a disparada nas contas de luz que pesa no bolso dos brasileiros — as contas de luz da Light, por exemplo, podem subir 18% neste ano. Gargalos crônicos do setor elétrico impedem que a energia fique mais barata. Um exemplo gritante disso é o fato de que os consumidores de energia de todo o país poderão pagar, até 2025, pelo menos R$ 128 milhões por mês a mais pela energia gerada em três termelétricas por falta de linhas de transmissão de eletricidade.
A mesma quantidade de energia produzida nessas usinas poderia ser gerada por outras termelétricas mais baratas, de acordo com documentos do ONS e da Aneel aos quais o GLOBO teve acesso. A situação ocorre porque não há linhas de transmissão de energia suficientes para todas as usinas.
O problema começou quando o governo federal realizou em outubro do ano passado um leilão de emergência — chamado de “Processo de Contratação Simplificado”, ou PCS — para contratar usinas termelétricas entre maio de 2022 e dezembro de 2025. O objetivo foi garantir segurança ao sistema elétrico nos próximos anos, depois da da crise hídrica que assolou o país em 2021, a mais severa em 91 anos.
Parte das usinas contratadas, porém, estão instaladas em locais onde não há linhas de transmissão de energia suficientes para escoar toda a geração.
Como mais geração que capacidade de transmissão, a solução técnica seria reduzir a geração de termelétricas mais baratas e privilegiar as mais caras, conforme mostram os documentos. A situação foi indicada ao Ministério de Minas e Energia pela Aneel e o ONS, já que essas usinas ainda não entraram no sistema.
“As questões apontadas pelo Operador (ONS) indicam que determinados projetos contratados no PCS não atendem ao objetivo fim da contratação, qual seja, adição de recursos de geração, com intuito de garantir a segurança do suprimento até 2025”, afirma um ofício assinado por quatro superintendentes da Aneel dirigido ao MME.
O custo extra de R$ 128 milhões por mês foi calculado pelo ONS considerando que as usinas são “inflexíveis” por contrato, ou seja, não desligam, mesmo tendo custos mais altos. Para chegar a esse valor, o operador calculou o custo fixo e o custo variável das usinas contratadas de maneira emergencial.
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Depois, descontou desse número o preço das usinas que terão a geração reduzida. A diferença é de cerca de R$ 41 milhões por usina ao mês. Tudo isso é pago pelos consumidores por meio das contas de luz.
As usinas contratadas no processo de contratação de emergência identificadas pelo ONS estão instaladas no Espírito Santo: UTE Viana 1, UTE Povoação I e UTE Luiz Oscar Rodrigues de Melo.
No caso da UTE Viana 1, a análise do ONS identificou o “esgotamento, em regime normal de operação, da capacidade” da linha de transmissão que atende a região. Esse cenário se repete nas demais usinas listadas pelo ONS. Segundo o documento do operador do sistema, isso ocorreria principalmente durante o período de seca na região Sudeste, quando é necessário gerar mais energia no Nordeste.O ONS também relatou que não há capacidade suficiente para transmitir a energia gerada por outra termelétrica contratada no leilão do ano passado, esta instalada em Mato Grosso do Sul. Nesse caso, porém, fica inviabilizada a geração de uma usina mais cara — portanto, não haveria sobrecusto para os consumidores.
O governo fez em outubro do ano passado um leilão para contratar usinas de forma emergencial. No total, foram contratados 17 empreendimentos em diversas regiões do país. Essas usinas foram contratadas para gerar energia entre maio deste ano e dezembro de 2025.
São duas usinas solares fotovoltaicas, uma termelétrica a cavaco de madeira e 14 termelétricas a gás natural. Conforme projetos cadastrados, as usinas vencedoras serão instaladas nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia.
A situação dessas três termelétricas listadas pelo ONS é mais uma evidência dos gargalos no escoamento da energia produzida no Brasil. O GLOBO mostrou no mês passado que hidrelétricas do Norte e Nordeste estavam jogando água fora porque não havia capacidade para escoar toda a capacidade de produção — enquanto isso, o ONS mantinha a geração por termelétricas mais caras. O caso levou a Aneel a pedir para o ONS a privilegiar a geração pelas hidrelétricas.
Procurado para comentar a situação, o Ministério de Minas e Energia não respondeu.