O corte drástico de quase R$ 1 bilhão no orçamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para este ano vai afetar o funcionamento de Agências da Previdência Social (APS), por conta de gastos com manutenção (luz, água, internet,por exemplo) e serviços de limpeza e segurança, que são terceirizados, além de fazer com que a fila virtual, que já soma mais de 1,8 milhão de pessoas, cresça ainda mais.
Outro impacto negativo, segundo fontes, é o risco de o INSS não ter recursos para pagamento de novas aposentadorias, pensões e auxílios. O relator da peça orçamentária, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), afirmou que vai levar o assunto para a Comissão Mista de Orçamento do Congresso para que os vetos do presidente Jair Bolsonaro (PL) sejam derrubados.
Moacir Lopes, diretor da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Previdência e Assistência Social (Fenasps), afirma que, na prática, o governo já está promovendo os cortes em benefícios previdenciários.
"Somente pelo fato de atrasar as análises dos requerimentos e barrar as concessões de benefícios, o governo já está impedindo o acesso do cidadão ao que é dele por direito", adverte o dirigente sindical.
Uma fonte de Brasília, que pediu para não ser identificada, avalia que a situação do INSS tende a se agravar com os vetos de Bolsonaro.
"No caso de uma autarquia complexa como o INSS, que tem reabilitação, perícia médica, e pagamentos das ações judiciais, ou seja, uma série de outras coisas além da verba de custeio para manutenção da própria estrutura, o impacto será muito grande", explica a fonte.
A presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, avalia que as principais áreas afetadas serão justamente a de gestão, estrutura e processamento de dados.
Adriane pontua que o INSS, além dos processos em análise, hoje conta com diversos postos de atendimento fechados e está com a estrutura defasada, sendo incapaz de fazer frente às necessidades dos cidadãos que necessitam dos serviços previdenciários.
Segundo ela, o corte coloca em risco a infraestrutura da rede de atendimento, o que pode ter efeito sobre a fila de espera, que tem pelo menos 1,3 milhão de pessoas aguardando há mais de 45 dias. O total da fila é de 1,8 milhão, segundo dados de novembro passado do INSS.
"O risco de morosidade nas respostas será ainda maior" avalia a advogada.
"Além de cuidar dos benefícios previdenciários e assistenciais, o INSS cuida do Regime Próprio dos servidores da União, por isso precisa de recursos para investir em tecnologia e em gente. O instituto não precisa de cortes, mas sim de investimentos", diz Adriane.
Atualmente, segundo a Fenasps, o INSS trabalha com um déficit de 23 mil servidores.
"Vamos procurar os órgãos de controle, o Congresso, as centrais sindicais para tentar reverter este corte no INSS, na educação e nos demais serviços essenciais para a população", afirma Lopes, da Fenasps.
O Sindicato Nacional dos Aposentados Pensionistas e Idosos (Sindinapi) também se mobiliza para reverter o corte no orçamento do INSS.
"Estamos enviando uma carta aberta a todos os deputados para tentar conscientizar sobre a necessidade de derrubar o veto. Nós entendemos que muitas pessoas serão prejudicadas. Não só os aposentados e pensionistas, mas também quem pretende se aposentar. Esse orçamento veio menor que o do ano passado, que já era insuficiente", diz Tonia Galetti, diretora do Sindinapi.
Procurado pelo EXTRA, o atual presidente do INSS, José Carlos de Oliveira, não comentou quais serão os impactos do corte de recursos no funcionamento da autarquia.
Corte maior em administração nacional
Cabe lembrar que o Congresso havia aprovado um orçamento de R$ 2,3 bilhões para gastos de custeio do INSS, inclusive com pagamento de aposentadorias, pensões e outros benefícios, além da despesa de manutenção dos postos. No entanto, o presidente Jair Bolsonaro (PL), vetou 41% dessa verba. Com isso o INSS ficou uma previsão orçamentária de R$ 1,4 bilhão para o ano.
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O INSS perdeu R$ 988 milhões, distribuídos em quatro áreas: A maior redução foi nos recursos para administração nacional, que minguaram em R$ 709,8 milhões. Os serviços de processamento de dados perderam R$ 180,6 milhões. Outros R$ 94,1 milhões foram retirados de um projeto de melhoria contínua e R$ 3,4 milhões da área de reconhecimento de direitos de benefícios previdenciários.
O deputado Hugo Leal mostrou preocupação com os vetos e sinalizou que defenderá no Congresso a derrubada desses cortes. A reunião deve ocorrer logo após 1º de fevereiro, quando acaba o recesso parlamentar.
"Os vetos a programas do INSS são muito preocupantes porque, nos dois anos de pandemia, os serviços para atender aposentadorias e outros benefícios foram muito afetados", escreveu no Twitter.
Deputado federal pelo PSB-RJ, Alessandro Molon, também criticou o corte no orçamento da pasta:
"Na próxima sessão do Congresso vamos lutar para derrubar os cortes no orçamento do INSS feitos por Bolsonaro. É inaceitável que depois de todas as crueldades feitas com nosso povo Bolsonaro ainda insista em retirar recursos da Previdência."
O advogado Marco Túlio Gomes Vicente prevê enxurrada de ações na Justiça por conta do não pagamento do benefício previdenciário.
"O não pagamento do benefício acarretará em várias ações, pois o direito é líquido e certo", avalia e pondera que pode caber uma futura ação de improbidade administrativa contra o presidente da República.
Impacto no funcionamento das agências
Para Viviane Peres, secretária de políticas sociais da diretoria colegiada da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde Trabalho e Previdência Social (Fenasps), a situação é preocupante:
"O impacto no funcionamento das agências vai ser extremamente relevante e avaliamos a possibilidade de não conseguir manter o funcionamento das agências. Temos contratos com empresas terceirizadas, que é pessoal da limpeza e vigilância. Sem esses profissionais, principalmente de limpeza nesse momento da pandemia, é impossível manter o atendimento."
Além da restrição no atendimento presencial, Viviane alerta para problemas de sucateamento enfrentados pelo INSS, como equipamentos e computadores antigos e problemas de conectividade, com internet em baixa velocidade.
"Precisava era de investimento no INSS para dar conta desse caos, com fila de 1,8 milhão de pedidos", pondera.
A Federação deve publicar nota pública ainda nesta terça-feira, alertando para os riscos do corte, e vai trabalhar com a sensibilização de parlamentares para tentar reverter a situação.
Poucos servidores
O vice-presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social (Anasp), Paulo César Régis, diz que o corte orçamentário vai afetar o funcionamento das agências, o que é agravado pela falta de servidores.
" Com esse corte vamos ter problemas de manutenção das agências, vai faltar de papel higiênico até o computador, além problemas nos estados e vamos continuar com os problemas de represamento de pedidos. E se não tem servidor para conceder aposentadoria, não tem o que fazer. É o pior corte que o governo pode fazer", lamenta.
Régis critica a falta de reposição de servidores do INSS. Dados do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do Ministério da Economia, mostram que o número de servidores na ativa do instituto encolheu 37,7% em dez anos. Em 2012, havia 36.417 servidores do INSS na ativa, número que minguou para 22.676 no ano passado.
Colaborou: Fernanda Trisotto