Orçamento Secreto vira protagonista em ano que Planalto dependeu do Congresso

Orçamento Secreto foi usado para angariar votos em pautas de interesse do governo; emendas não possuem carimbo, ou seja, não há transparência sobre os recursos

Presidente da Câmara, Arthur Lira foi o principal articulador do orçamento secreto neste ano
Foto: Pablo Valadares/ Câmara dos Deputados
Presidente da Câmara, Arthur Lira foi o principal articulador do orçamento secreto neste ano

Recheado de polêmicas, mudanças e divergências, o ano de 2021 resolveu jogar um pouco mais de lenha na fogueira na economia do país neste fim de ano. Precisando aprovar pautas ideológicas e convencer parlamentares a apoiar as ações governistas, o Palácio do Planalto resolveu distribuir o principal desejo de deputados e senadores: o dinheiro.

Sem ter grande apreço no Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro, então sem partido, quebrou sua promessa de campanha e passou a se alinhar com o centrão — grupo político de maioria no Congresso que troca apoio ao governo por cargos. Entre as negociações, o governo sugeriu apoiar o nome de Arthur Lira (Progressistas-AL) para assumir a presidência da Câmara dos Deputados. Um aliado que se tornaria peça-chave das pautas governistas em 2021.

No começo da disputa pela presidência da Câmara, Lira estava atrás do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), nome indicado pelo ex-presidente da Casa, Rodrigo Maia. Em meio aos acordos, o deputado de Alagoas passou de coadjuvante a protagonista e mudou o jogo a seu favor.

Eleito, Lira passou a negociar com Bolsonaro e seus ministros as prioridades para o ano. Ouviu do Planalto que a economia seria fundamental para recuperar o crescimento do país após um ano conturbado como o de 2020, marcado pelo início da pandemia de Covid-19 e o estado de calamidade pública.

O primeiro desafio foi a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, que prevê gastos da União para o ano. Segundo a Constituição, a matéria deveria ser votada em dezembro do ano anterior, mas as divergências entre Maia e Bolsonaro, além do pico de casos de Covid-19 no país, atrasaram os planos.

A polêmica no texto ficou por conta de diversas alterações em valores destinados aos ministérios feitas pelo relator da matéria, senador Márcio Bittar (MDB-AC). As verbas seriam destinadas para emendas parlamentares, o que aumentou ainda mais as desconfianças sobre o texto. Embora as divergências tenham sido muitas, o governo conseguiu a aprovação do texto.

Se não tem voto, use o dinheiro

O ano correu conforme esperado pelo governo. Apoiado pela maioria do Congresso, vendo as pautas do interesse serem discutidas com maior agilidade e aquelas não tão importantes para a ala política sendo jogadas para escanteio.

Mesmo com Bolsonaro rechaçando a possibilidade, os congressistas pressionaram o governo a renovar o auxílio emergencial até o fim deste ano. Esse foi o menor dos pesares para o Planalto.

As falas antidemocráticas de Bolsonaro, os ataques contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e as disputas sobre textos do Congresso fizeram deputados e senadores se afastarem do presidente. A perda de apoio no Legislativo foi sentida pelo Planalto, que logo tratou de reconquistar os votos necessários.

Lira e Bolsonaro, então, encontraram uma solução: as emendas de relator, mais conhecidas como Orçamento Secreto. O dispositivo libera emendas parlamentares sem carimbo, ou seja, sem fiscalização para onde o dinheiro vai.

Essa emenda permite que o nome do deputado responsável pela indicação do destino da verba fique oculto e a finalidade seja definida pelo relator do Orçamento, que muda ano a ano. Em 2021, por exemplo, a maioria das verbas foram destinadas para compra de equipamentos de obras, como tratores.

Lira também foi beneficiado. A cidade de Barra de São Miguel (AL), por exemplo, governada por Benedito de Lira, pai do presidente da Câmara, recebeu R$ 3,8 milhões provenientes de emendas do relator.

Ao cobrar uma tramitação mais ágil das reformas administrativa e tributária, o Ministério da Economia ouviu que os textos traziam inconsistências e as divergências sobre as propostas eram muitas. Precisando, pelo menos, da reforma do Imposto de Renda para dar uma folga no Orçamento do próximo ano, o governo partiu para o ataque. Ofereceu as emendas de relator para deputados que votassem a favor das pautas governistas, em uma espécie de "Mensalão", mas sem pagamento mensal.

Deputados viram nessa oportunidade uma forma de angariar votos para 2022  e conseguir apoios de prefeitos e vereadores de seus redutos eleitorais.

Com essa "arma", Lira, enfim, resolveu pautar a reforma do IR e conseguiu a aprovação. A vitória deu uma sensação ao Planalto de que tinha o Congresso na mão. No Senado, porém, o texto não avançou.

Resistência na PEC dos Precatórios, mas solução a vista

Em meio a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro e a necessidade de alavancar a aprovação do governo para as eleições de 2022, o Palácio do Planalto passou a concentrar seus esforços em um novo programa social para substituir o Bolsa Família. A intenção era tirar a vinculação da imagem do programa ao ex-presidente Lula (PT), seu principal adversário no próximo pleito.

A criação do Auxílio Brasil, no entanto, enfrentou problemas devido ao orçamento enxuto da União para 2022. O Ministério da Economia encontrou na PEC dos Precatórios uma forma de viabilizar os pagamentos.

A proposta sofreu forte resistência de deputados e, até o dia da votação em plenário, tinha chances de ser reprovada pela Câmara. Arthur Lira tomou frente das negociações e passou a oferecer emendas para aprovação da matéria.

Entre manobras e diversas discussões, o texto foi aprovado, com 5 votos a mais do que o mínimo necessário (308 votos). Ao chegar no Senado, mais resistência, mas os acordos feitos com o centrão  fizeram o governo vencer mais uma no Congresso Nacional.

Rosa Weber: a pedra no sapato do Planalto

Em meio as discussões sobre a PEC dos Precatórios no Legislativo, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, colocou um tempero salgado no jantar dos congressistas. Em decisão monocrática, ela proibiu o uso das emendas de relator por tempo indeterminado. A matéria foi para discussão no plenário da Corte,  onde a maioria concordou com a liminar da ministra.

Arthur Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), logo trataram de reagir contra a determinação do STF e conversaram com os ministros sobre a importância da emenda. Eles justificaram que a RP-9 — nome oficial da emenda — "muda a vida dos brasileiros" .

Entre uma reunião e outra, Lira e Pacheco conseguiram convencer os magistrados e Rosa Weber liberou o uso das emendas. A proposta voltou para a discussão do plenário do STF,  que seguiu a decisão da ministra.

Previsão para 2022

As polêmicas sobre a destinação de recursos do orçamento secreto fizeram os congressistas acenderem o alerta nos corredores do Legislativo. A LOA de 2022 já estava em discussão quando deputados e senadores decidiram alterar algumas regras.

A proposta aumenta a transparência das emendas a partir de 2022. Além do valor, cidade e para qual projeto o dinheiro foi destinado, a União também deverá informar o nome do parlamentar que recebeu a emenda. A medida, entretanto, não valerá para as verbas distribuídas entre 2020 e 2021.

Segundo o projeto, o valor destinado para o orçamento secreto de 2022 não poderá passar a soma das emendas individuais e de bancada. A previsão é que o  valor destinado para a RP-9 se aproxime de R$ 17 bilhões.