A reforma da Previdência, que fez dois anos em novembro, trouxe profundas mudanças nas regras previdenciárias para os brasileiros, como criação de idade mínima para aposentar, regras de transição, limitação da pensão por morte e alteração no cálculo da aposentadoria, além de aumento do tempo de contribuição. No entanto, a aposentadoria especial foi o benefício mais prejudicado com as alterações promovidas, alerta o advogado João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
Segundo ele, aposentadoria "é uma proteção social para o trabalhador que expõe diariamente a sua saúde em risco". Tem direito a esse benefício o segurado que trabalha, por exemplo, exposto a frio, calor, ruído, agentes biológicos (como vírus e bactérias), como frentistas, motoristas de caminhões-tanque, trabalhadores que lidam com eletricidade, entre outros.
O segurado que trabalhou por 15, 20 ou 25 anos em condições especiais poderia se aposentar com menos tempo de atividade, independentemente de sua idade. O número de anos exigidos variavam de acordo com a exposição e a atividade exercida. Mas agora, pelas regras impostas com a reforma, os trabalhadores que entraram jovens nesses ramos de atividade especiais terão de contribuir por até uma década a mais.
Segundo Badari, a reforma deixou a aposentadoria mais difícil para o segurado especial porque agora é preciso cumprir uma idade mínima.
"Já imaginou, além de trabalhar por 25 anos exposto a ruído, ter que cumprir uma idade mínima? Isso vai tornar a saúde do trabalhador ainda mais debilitada em sua velhice", alerta o advogado.
E como ficou essa divisão? Há três tipos de atividades consideradas para a aposentadoria especial: risco baixo, que exige 25 anos de contribuição exposto a condições de perigo ou prejudiciais à saúde; risco médio, que requer 20 anos de trabalho e recolhimento nestas situações; e risco alto, com exigência de 15 anos de contribuição.
A reforma estabeleceu ainda uma idade mínima de 60 anos para o segurado especial do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de risco baixo, 58 anos para o de risco médio e 55 anos para o de risco alto.
"Um metalúrgico exposto ao ruído (risco baixo), por exemplo, que começou a trabalhar com 20 anos de idade poderia se aposentar com 45 anos (antes das mudanças nas regras), por ter completado 25 anos de atividade especial. Mas, com a reforma da Previdência, precisará ter pelo menos 60 anos de idade. Logo, seriam necessários mais 15 anos de contribuição para ter direito à aposentadoria especial", exemplifica o especialista.
Idade mínima exigida
- 55 anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 anos de contribuição;
- 58 anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 anos de contribuição;
- 60 anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 anos de contribuição.
Regra de transição cria sistema de pontos
Para o segurado especial, a Emenda Constitucional (EC) 103 — reforma da Previdência — garantiu apenas uma regra de transição, com o intuito de prejudicar menos quem já estava no mercado de trabalho. O texto criou um sistema de pontos — equivalente à soma do tempo de contribuição com a idade do trabalhador —, segundo o grau de periculosidade.
O segurado pode se aposentar ao alcançar 86 pontos, caso seja atividade especial de risco baixo; 76 pontos, se for risco médio; e 66 pontos, se for risco alto. Nas três situações, são exigidos tempos de contribuição mínimos de 25, 20 e 15 anos, respectivamente.
Dessa forma, um trabalhador (risco baixo) de 54 anos de idade que contribuiu por 36 anos não precisará esperar chegar aos 60 anos de idade para se aposentar, como pede o texto da nova Previdência. Mas isso só vale para quem já estava trabalhando antes da reforma, promulgada em novembro de 2019.
"Um enfermeiro que começou a trabalhar aos 20 anos de idade, antes da reforma da Previdência, se aposentaria aos 45 anos de idade e 25 anos de tempo de contribuição em condições especiais. Caso não tenha alcançado essa regra antes da vigência da reforma, ele vai precisar do mínimo de 86 pontos. Ou seja, a soma da idade dele com o tempo precisa alcançar 86 pontos, que são 25 anos de tempo especial somados a 61 anos de idade", exemplifica Jeanne Vargas, do escritório Vargas Farias Advocacia.
A advogada explica que o trabalhador pode alcançar os 25 anos de tempo especial, mas não conseguir se aposentar porque precisa chegar à pontuação mínima.
"A lei, que antes antecipava a aposentadoria desse enfermeiro para retirá-lo da exposição a agentes nocivos à sua saúde, o obriga a continuar trabalhando para completar a soma de 86 pontos", conclui.
Novo cálculo de benefício
O cálculo do valor do benefício a ser pago ao segurado especial também foi alterado com a reforma. Antes de novembro de 2019, o valor do benefício da aposentadoria especial consistia em 100% (não era aplicado qualquer redutor, como o fator previdenciário) da média dos 80% maiores salários do contribuinte recebidos após 1994. Ele era integral, sem redutor.
Mas agora a aposentadoria especial do INSS passa a ter um novo formato de cálculo. O valor do benefício equivale a 60% da média de todos os salários, mais dois pontos percentuais a cada ano que exceder 20 anos de tempo de contribuição para homens e 15 anos de contribuição para mulheres.
A regra vale para os graus baixo e médio de periculosidade. Por sua vez, no caso dos trabalhadores que atuam em atividade de risco alto, são acrescidos dois pontos percentuais a cada ano que exceder 15 anos de tempo de contribuição.
Trabalhador pode ter direito adquirido
O advogado João Badari chama a atenção para o direito adquirido:
"Caso o trabalhador tenha cumprido os requisitos antes de 13 de novembro de 2019 (data em que as mudanças entrarem em vigor) e não tenha pedido até hoje a sua aposentadoria, ele poderá utilizar as regras anteriores à reforma. É um direito adquirido do trabalhador, mesmo que ainda não tenha exercido esse direito", explica.
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Confira profissões que dão direito à aposentadoria especial
1. Farmacêuticos
O profissional farmacêutico atua em ambientes com pacientes, medicamentos e produtos químicos para manipulação de remédios. Isso o qualifica para requerer acesso à aposentadoria especial junto ao INSS. Entretanto, é necessária a comprovação de 25 anos de contribuição, além da apresentação de provas sobre ter trabalhado permanentemente com agentes nocivos (físicos, químicos ou biológicos).
2. Dentistas
Semelhante ao que ocorre com os farmacêuticos, os dentistas estão em constante exposição a agentes nocivos. É necessário, também, comprovar a contribuição por 25 anos, além de mostrar evidências que atestem os fatos.
3. Médicos
O médico pode se aposentar com 25 anos de contribuição, se comprovada a efetiva exposição habitual a essas fontes danosas à saúde. De forma prática, o INSS costuma pedir uma prova documental anual.
4. Técnicos e especialistas em laboratórios
A grande maioria dos técnicos, auxiliares e especialistas em laboratórios não têm ideia de seus direitos, perante a legislação previdenciária, e não sabem o que é aposentadoria especial. Esses profissionais também estão qualificados para receber desde que comprovem com documentos e tenham contribuído por 25 anos.
5. Vigilantes não armados
Ser vigilante denota riscos à integridade física, independentemente da autorização para utilizar armas ou não. O STJ reconhece a profissão, quaisquer sejam os casos, como categorizada no rol de atividades que dão direito à aposentadoria especial. Entretanto, o INSS é muito mais duro neste sentido. Portanto, provavelmente o cidadão precisará entrar com recursos judiciais para ter acesso ao benefício.
6. Policiais
Federais, civis ou militares, os policiais são servidores públicos que trabalham diariamente em ambiente hostil, colocando a própria vida em risco em muitos momentos. Entretanto, apesar de haver previsão na legislação, a aposentadoria especial de policiais deve ser estudada caso a caso, para determinar a opção mais vantajosa.
7. Engenheiros
A categoria dos engenheiros é uma daquelas que, antes de abril de 1995, estava presente na tabela de profissões da aposentadoria especial e bastava apresentar a prova da atuação para ter o benefício especial concedido. Porém, desde então, o profissional precisa legitimar — seja com laudos, exames médicos, entre outros documentos — o contato com os agentes nocivos à saúde, para obter a aposentadoria diferenciada.
8. Eletricistas
Os eletricistas têm direito à aposentadoria especial. São profissionais com um expediente desafiador, que dependem de muita coragem e EPIs adequados para amenizar os riscos de trabalhar com redes de alta tensão. Seus direitos são legítimos e, embora existam as barreiras do INSS, não há o que contestar quando comprovada a atuação contínua. Isso vale tanto para CLT, quanto para profissionais autônomos.
9. Frentistas
Eles lidam com risco constante de acidentes durante o abastecimento de veículos, além de inalar gases tóxicos de forma incessante. Ainda assim, os frentistas dos postos de gasolina estão inconscientes de seus direitos na legislação previdenciária.
As condições insalubres são evidentes, portanto, não há o que o INSS contestar ou negar no momento da apresentação das devidas comprovações. Faltam apenas informações corretas para que os profissionais reivindiquem seus direitos.
10. Aeronautas
Comissários de bordo, pilotos, copilotos, mecânicos de voo, navegadores e radioperadores de voo. E não necessariamente de aviões comerciais. Isso quer dizer que pilotos empregados que atuam na aviação agrícola ou no serviço de táxi aéreo, por exemplo, também têm esse privilégio. Lembrando que não é necessário trabalhar a bordo para haver o entendimento dos riscos da atividade e, portanto, dos direitos à aposentadoria especial.
11. Mecânicos
Contato contínuo com combustíveis, solventes, graxas, óleos, calor e muito ruído. Há nesse conjunto, substâncias que são reconhecidamente cancerígenas, entre outras condições insalubres.
12. Servidores públicos
Servidores enfrentam grandes dificuldades para comprovar as atividades insalubres, e estão sob o guarda-chuva dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), e não do INSS. No entanto, o direito vale para qualquer atividade que comprove insalubridade, dentro das exigências que constam na legislação.
Tome nota
São documentos que comprovam a atividade especial: Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), Laudo de Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT) e Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), explica a advogada Cátia Vita.
"É importante destacar que, de todos os documentos mencionados, o PPP é o mais relevante, pois demonstra o histórico de atividades do trabalhador", diz.
Ainda que a empresa tenha aberto falência, a busca pela documentação necessária à concessão da aposentadoria especial não é excluída. Logo, ainda que mais dificultosa, a comprovação do período especial executado nas empresas em que trabalhou.
Muitos trabalhadores não sabem que poderiam pedir a aposentadoria por tempo de contribuição, utilizando na conta também o período trabalhado em condições especiais.E esse benefício pode ser concedido pela regra antiga. Isso pode aumentar muito o valor da aposentadoria em 2022 e até mesmo garantir ao trabalhador a antecipação do pedido.
Para solicitar o benefício, é preciso comprovar os períodos trabalhados e os efeitos das exposições aos agentes nocivos, por meio de documentação específica.
Neste contexto, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) será o documento oficialmente aceito pelo INSS emitido para comprovar a atividade especial exercida pelo trabalhador, e é o empregador quem deve fornecê-lo ao funcionário.