A decisão do governo de mudar, pouco antes da votação final nesta quinta-feira, o texto da medida provisória que cria o novo Auxílio Brasil, criou uma brecha para a volta da fila de espera pelo benefício , o deve deixar cerca de 4 milhões de brasileiros no limbo.
Durante toda a discussão do projeto, o governo alegava que iria cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de não deixar ninguém à espera de uma renda básica de cidadania.
Parlamentares da base do governo e os técnicos que comandaram a discussão informavam que o Cadastro Único, que lista as famílias com direito ao benefício, teria atualização dinâmica. Mas, em cima da hora, uma emenda do relator da MP, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), criou a brecha para a manutenção das filas.
O governo afirma que vai atender 17 milhões de beneficiários com o novo programa. Mas o próprio relator da medida na Câmara, deputado Marcelo Aros (PP-MG) citava como até 21 milhões o número de beneficiários que poderiam ser contemplados antes da reviravolta do texto no Senado.
A disparidade dos números reflete o improviso do governo, que precisou correr contra o tempo para aprovar a MP em tempo hábil este ano, e a falta de transparência sobre os dados do Cadastro Único.
Atualmente, há 14,5 milhões de famílias que recebiam Bolsa Família e, por isso, estão automaticamente aptas ao novo Auxílio Brasil. O último dado disponível do Cadastro Único, de abril de 2021, mostra ainda outra 1,2 milhão de famílias cadastradas mas que não recebiam o Bolsa Família. Seriam, portanto, ao menos 15,7 milhões de beneficiários.
O governo não informa o número atualizado de listados no Cadastro Único que estariam na fila e diz apenas que atenderá 17 milhões de famílias. Mas especialistas como a ONG Rede Brasileira de Renda Básica estima que a fila hoje seria bem maior do que o 1,2 milhão reportados em abril.
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Estima o número em 5,3 milhões. Somados aos 14,5 milhões das famílias que recebiam o Bolsa Família antes de a pandemia impor a criação do Auxílio Emergencial, no total o novo Auxílio Brasil precisaria atender ao menos 19,8 milhões.
Para complicar essas contas que não fecham, houve uma mudança na linha de pobreza que garante o direito a receber o Auxílio Brasil. Antes, os domicílios com renda per capita de até R$ 178 tinham direito ao Bolsa Família. Este valor foi elevado para R$ 210 no Auxílio Brasil. Ou seja, mais famílias terão direito ao benefício — mas ninguém sabe o tamanho desse novo universo de beneficiários.
O aumento da linha da pobreza era um dos motivos citados pelo relator na Câmara, Marcelo Aras, estimar em 21 milhões o total de famílias que seriam atendidas pelo novo programa. Mas a reviravolta no Senado deixará muitos no limbo.
Uma emenda do relator da MP no Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), condicionou o atendimento das famílias à disponibilidade de recursos financeiros. Ao mesmo tempo em que o texto determina que o governo tenha dotação orçamentária para atender a todas as famílias elegíveis ao programa, ele também pondera que a inclusão estará sujeita ao limite do Orçamento.
Emenda pode gerar ainda um nó jurídico, por ter sido tratada como ajuste de redação, embora tenha alterado o mérito da proposta. E ainda cria uma controvérsia com a determinação do STF, decidida em julgamento no mês passado, de que o governo garantisse no Orçamento uma renda de cidadania a todos os brasileiros elegíveis ao benefício.
O governo alega que cumprirá a decisão do STF porque os 17 milhões que serão atendidos em 2022, seguindo os parâmetros que estarão previstos no Orçamento, representam o universo atual de brasileiros com direito ao benefício. E que uma nova ampliação do número de atendidos terá que ser contemplada no Orçamento de 2023.