Já em campanha para se manter à frente do país até 2027, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou na terça-feira um plano de 30 bilhões de euros (R$ 190 bilhões) para revitalizar a indústria na França até 2030. O objetivo é reposicionar o país como uma liderança na inovação e na tecnologia de ponta.
A seis meses das eleições presidenciais de abril, Macron busca deixar para trás a crise pandêmica e olhar adiante. De olho na reeleição, prevê investimentos maciços em setores como energia nuclear, hidrogênio e agricultura limpos, além de biomedicamentos e na corrida espacial.
Ainda muita água para rolar até o primeiro turno do pleito, mas até agora o cenário é relativamente favorável ao presidente. Há motivos para alerta, como aumento do preço da energia, mas a economia deverá crescer mais de 6% neste ano e o desemprego está pequeno, por exemplo.
O plano do governo de controlar a pandemia e motivar a inoculação contra a Covid-19 com a implementação dos passaportes sanitários foi um sucesso, apesar dos protestos semanais em oposição à medida. Nas pesquisas, lidera com alguma comodidade, particularmente diante da divisão de votos da esquerda e da direita.
Há dias, a França, tanto no campo político quanto no midiático, discute identidade, imigração e uma retórica que fomenta o medo de uma queda meteórica. Por trás disso, em grande parte, está a nova estrela da extrema direita e provável candidato ao Eliseu, Éric Zemmour.
'Palavra final'
Zemmour acabou de publicar um livro chamado "La France n'a pas dit son dernier mot" (A França ainda não disse sua palavra final, em tradução livre) — a versão local do Make America Great Again (Faça os EUA novamente grande), o slogan do ex-presidente Donald Trump.
Uma de suas teses é que os imigrantes muçulmanos invadiram discretamente a França e que o país ressuscitará com uma política linha dura contra os estrangeiros. Com isso, retornará a um passado idealizado, do qual muitos setores conservadores da sociedade são saudosistas.
O plano de Macron, oficialmente chamado França 2030, é uma contraofensiva: diz que o país ainda não "falou sua última palavra". A decadência, no entanto, é econômica e industrial, e para resolvê-la são necessários mais aportes para inovar e modernizar a economia:
"Não estou falando de um sonho impossível", disse o presidente, ao lançar a iniciativa em um discurso de 90 minutos. "Estou falando de um sonho factível se nos equipararmos com os meios adequados."
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A agenda de Macron, contudo, não passou intacta pela pandemia. Até o fim do ano passado, ele promovia reformas que podiam ser consideradas liberais no contexto de um país com tradição de intervencionismo estatal: por exemplo, a redução de impostos, a flexibilização do mercado de trabalho e a reforma de ferrovias públicas.
Depois da crise sanitária, contudo, aquela que deveria ser a principal das reformas — a da Previdência —, foi arquivada. O Estado assumiu o controle com auxílios emergenciais e ajudas às empresas, medidas que ajudaram a conter os impactos econômicos da crise sanitária.
O acordo que Macron e a chanceler Angela Merkel foram essenciais para tecer, por sua vez, permitiu a aprovação do plano de recuperação econômico da UE. O slogan do presidente passou a ser "custe o que custar".
Legado histórico
Como resultado, os danos foram limitados e a economia vem reaquecendo, algo que não é exclusivo da França. Há uma faceta, contudo, que é mais particular do cenário francês: uma mudança da doutrina econômica.
Macron, que parecia ser um presidente liberal, se metamorfoseou em um presidente colbertista. Segue a tradição de Jean-Baptiste Colbert, o ministro de Luís XIV e fundador da economia francesa moderna, na qual um Estado forte comanda a atividade produtiva e protege a indústria nacional para reforçá-la diante da concorrência internacional.
O plano é essencialmente colbertista. O argumento é que a França errou anos atrás ao pensar que poderia continuar a ser líder em inovação mesmo fechando suas fábricas. Indústria e inovação andam de mãos dadas e, por isso, segundo o Macron, o Estado deve identificar os setores em que o país pode ser líder e investir em seu desenvolvimento.
Em contraste com o afastamento alemão da energia nuclear, o presidente francês anunciou o investimento de 1 bilhão de euros (R$ 6,42 bilhões) em minirreatores: a energia nuclear é o pilar da independência energética da França. Ele também almeja pôr o mais em uma posição de liderança no que diz respeito à produção de hidrogênio verde e construir o primeiro avião ecológico.
Outras medidas incluem 6 bilhões de euros (R$ 38,5 bilhões) para dobrar a produção eletrônica diante da escassez de semicondutores. A lista é ampla, mas há um denominador comum: resgatar o espírito do general Charles de Gaulle que, junto com outros líderes do pós-guerra, fez da França uma potência nuclear, civil e militar. Ou então do presidente Georges Pompidou, que impulsionou os trens de alta velocidade na década de 1970:
"A chave é nossa independência e a capacidade de retomar o controle do destino da França e da Europa", disse o presidente, um grande defensor do bloco europeu.