Economista que previu estagflação em 2021 aponta caminhos para saída da crise

Alta na taxa de câmbio e fim do auxílio emergencial dificultam retomada no curto prazo

Julia Braga é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Pesquisadora na Associate Professor at Faculty of Economics
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Julia Braga é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Pesquisadora na Associate Professor at Faculty of Economics

Aos poucos se torna consenso entre os economistas que o Brasil passa por um cenário de  estagflação , ou seja, união de estagnação na atividade econômica com alta da inflação. A disparada da taxa de câmbio e do preço das commodities, somado à queda no rendimento das famílias fizeram com que a economista  Julia Braga  alertasse para o fenômeno ainda em abril. Hoje, ela vê dificuldades para sair desse cenário.

"Esse ano estamos crescendo, mas, na verdade, estamos recuperando o que caímos durante a pandemia de Covid-19. O crescimento interanual em 2021 ainda é muito baixo" diz.

Estagflação: inflação quente e economia fria

Julia lembra que o conceito de estagflação foi cunhado na década de 70 pelo economista Milton Friedman para explicar o cenário inflacionário da época. Naquele período, as causas da alta nos preços foram o aumento de salários e do investimento público.

A inflação brasileira, no entanto, não guarda relação com nenhum desses fatores. "Nosso mercado de trabalho está muito fragilizado, a taxa de desemprego muito alta e não há expansão fiscal, pelo contrário", explica. 

No Brasil a inflação é consequência de dois motores, o preço das commodities e da taxa de câmbio que, quando encarecem juntos, acabam "duplicando" o choque de custos. Os produtos de maior impacto são os influenciados pelo mercado internacional, como gêneros alimentícios e de energia.

Por conta disso, a economista não aposta num cenário duradouro de alta nos preços. "Não tem a ver com nosso mercado interno, nós incorporamos a inflação que vem de fora. Mesmo com a crise hídrica, que ocasionou esse pico inflacionário, esse movimento deve arrefecer, porque não tem mercado de trabalho aquecido, então não vamos ter uma inflação cada vez maior".

Já na ponta do esfriamento da atividade econômica, Julia culpa a política contracionista do Ministério da Economia. Como exemplo, cita o corte pela metade do auxílio emergencial antes do fim da pandemia.

"Muitas pessoas ainda estavam sem fonte de renda, principalmente associadas ao setor de serviços, isso diminui a renda das famílias, contribuindo para essa estagnação que vivemos" comenta.  

O benefício se mostrou o grande "amortecedor" da queda do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020. Os R$ 600 depositado a informais inscritos no CadÚnico permitiu que o tombo fosse de 4,1%. Segundo o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made-USP), se o valor fosse de R$ 200, como propôs o governo federal, a queda do indicador seria entre 8,4% e 14,8% .

Cenário atual preocupa

Em setembro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a variação dos preços para famílias que ganham até 5 salários mínimos, registrou alta de 10,78% nos últimos 12 meses . Em paralelo, a retomada da economia patina, as previsões de crescimento para 2022 caem desde março e agora estima-se que o PIB avance apenas 1,57% no ano que vem.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alerta para a necessidade de se pensar políticas que substituam o auxílio emergencial, previsto para cessar em novembro. O candidato a substituto, Auxílio Brasil, ainda não tem valor ou parâmetros definidos.

"As transferências emergenciais de dinheiro acabarão expirando e, na ausência de um fortalecimento permanente da rede de proteção social, a pobreza e a desigualdade podem se agravar", diz o FMI em nota .

Saídas para a crise

Como solução para a inflação, a principal arma do Banco Central (BC) é o aumento da taxa básica de juros Selic, que atualmente está em 6,25%, mas deve terminar o ano em 8,25%. Essa ferramenta, no entanto, desacelera ainda mais a economia.

"Estamos em um momento que obriga o Banco Central a adotar uma política monetária contracionista, o que piora o quadro de estagnação. Não tem jeito, tem que controlar a inflação, mas terá efeitos que agravam o quadro recessivo", alerta.

Como alternativas, Julia propõe apoio financeiro à agricultura familiar, para baratear os alimentos ofertados internamente e não só os que são exportados. Ao mesmo tempo, no setor de energia a solução seria a reavaliação das políticas de produção de petróleo e geração de energia elétrica. 

"Uma sugestão para a Petrobras é a recompra paulatina das ações. Pelo fato de ser empresa mista, acaba criando um conflito de interesses entre o que é melhor para a economia como um todo, ou o que é melhor para os acionistas", opina.

Em 2006, Julia trabalhou como Assessora Econômica no Ministério do Planejamento. Em 2019, a pasta foi anexada pelo "super Ministério da Economia", que unificou Fazenda, Planejamento e Indústria. Para ela, a  decisão foi "um erro" e pesa na hora de atacar a inflação.

"O Brasil precisa de planejamento econômico. É preciso repensar o papel dos setores de energia e alimentação. Além disso, para proteger o poder de compra das famílias mais pobres, a solução passa por programas de transferência de renda", finaliza.

"Infelizmente acertei"