Crise econômica do Brasil se enquadra em 'estagflação'? Entenda o fenômeno

Fenômeno, que é considerada uma anomalia na economia, dificulta saída da crise. Outros países enfrentam a mesma pressão

Fenômeno, que é considerada uma anomalia na economia, dificulta saída da crise. Outros países enfrentam a mesma pressão
Foto: O Antagonista
Fenômeno, que é considerada uma anomalia na economia, dificulta saída da crise. Outros países enfrentam a mesma pressão

A alta de preços no Brasil já supera os dois dígitos e comprime o orçamento das famílias. Ao mesmo tempo, a previsão para o crescimento da economia brasileira em 2022 está em apenas 1,57%. Diante desse quadro, surge o temor de que o país esteja entrando em estagflação. Mas, afinal, o que é este fenômeno e por que ele preocupa tanto?

Para destrinchar a estagflação, O GLOBO conversou com o professor de Economia da Escola Politécnica da UFRJ, Roberto Ivo da Rocha Lima; com o economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, André Braz; e com o economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes.

O que é a estagflação

A estagflação ocorre quando os preços estão em forte alta, mas a atividade econômica permanece estagnada. Ou seja, é um quadro de estagnação do PIB (Produto Interno Bruto, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) em meio a uma alta da inflação.

O quadro é preocupante porque o instrumento clássico que um governo dispõe para conter a alta dos preços é subir os juros. Quando a inflação sobe, os bancos centrais elevam as taxas de juros para encarecer os financiamentos. Compras parceladas ficam mais caras, desestimulando o consumo. Com menos vendas, os preços tendem a subir menos.

Por outro lado, quando o país está em recessão ou com fraca atividade econômica, os governos costumam dar estímulos ao crescimento. E o principal deles é justamente reduzir os juros, para incentivar o consumo.

Mas o que fazer quando há, simultaneamente, preços em alta e crescimento baixo?

Dificuldade para Banco Central

O fenômeno gera impasse para o Banco Central, responsável por operar com a Taxa Selic, a taxa básica de juros, que hoje está em 6,25% ao ano.

A meta de inflação com a qual o governo trabalha este ano é de 3,75%, com margem de tolerância para até 5,25%. Como os preços estão subindo bem acima disso, a previsão é de novas altas nas taxas de juros.

O economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, afirma que, mesmo com a atuação do BC, a queda da inflação vai ser mais demorada porque o Brasil vive uma alta de preços provocada por choques de oferta, e não por pressão de demanda. Energia mais cara, alta do dólar, do petróleo e de outras matérias primas estão pressionando a inflação.

"Por se tratar de uma inflação de custos, e não de demanda, o aumento da taxa de juros desestimula a demanda e o investimento das empresas", explica.

Perspectiva para o Brasil

Braz acredita que o Brasil deve enfrentar dificuldades de superar a estagflação até meados de 2022, tendo em vista o dólar alto e a tarifa de escassez hídrica, em vigor entre setembro de 2021 e abril de 2022, que pressiona a conta de luz. E país ainda deve enfrentar alguns anos de baixo crescimento econômico.

O professor de Economia da UFRJ Roberto Ivo da Rocha Lima segue a mesma linha de Braz, e acredita que o país só sairá do quadro de estagflação no fim do ano que vem, após a eleições presidenciais, que, segundo ele, podem gerar uma expectativa positiva no mercado para 2023, ano em que prevê uma real melhoria na economia, com baixa da inflação.

Por outro lado, o economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes, avalia que ainda é prematuro classificar como estagflação o momento atual da economia brasileira. Para ele, é preciso aguardar o comportamento dos preços e da atividade econômica nos próximos trimestres para fechar esse “diagnóstico”.

Impacto para a sociedade

O reflexo do cenário de estagflação para a sociedade é avaliado pelos economistas como “perverso e preocupante”, e começa nas compras do mercado, com aumento no valor dos alimentos, e também das tarifas. Ainda há a dificuldade de concessão de crédito a pessoas físicas e jurídicas e congelamento de investimentos, o que por sua vez diminui a compra de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos.

Por se tratar de um cenário instável na economia, investidores que desejarem adquirir ativos no Brasil vão exigir juros mais altos. A alta de taxas, por sua vez, pressiona as contas públicas, já que o governo terá que oferecer remuneração maior aos investidores para financiar seu endividamento.

Caso similar no Brasil

Também no exterior começam a surgir preocupações com um quadro de estagflação em países ricos. O choque no custo da energia global, com a alta na cotação do petróleo, e os desajustes na cadeia produtiva mundial provocados pela pandemia estão aumentando as expectativas de inflação em vários países, ao mesmo tempo em que há uma redução nas estimativas de crescimento econômico.