O crescimento dos bancos nativos digitais e demais fintechs levou, rapidamente, ao acirramento da concorrência num mercado até então dominado por poucas instituições financeiras tradicionais. Surpreendidos pela velocidade das transformações digitais no setor, os grandes bancos empreendem uma verdadeira ofensiva para retomar fatias de mercado perdidas para os desafiantes. Aceleram a digitalização de suas operações, criam cartões e contas digitais sem taxas e até braços 100% on-line. Além disso, ampliam o portfólio de produtos, serviços e até de mimos como descontos em compras para disputar a atenção dos clientes no mundo digital.
Uma pesquisa sobre tecnologia bancária da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que reúne as instituições tradicionais, apontou um crescimento de 35%, nos últimos cinco anos, do orçamento voltado à inovação no setor bancário. Subiu de R$ 19 bilhões em 2017 para R$ 25,7 bilhões no ano passado, sendo R$ 8,9 bilhões investidos exclusivamente em tecnologia.
Mariana Pereira, analista sênior da Fitch Ratings, diz que é um engano pensar que os grandes bancos estão inertes diante da evolução das fintechs. Capitalizados, eles têm investido muito, por exemplo, em inteligência artificial para melhorar a experiência de atendimento digital. Segundo ela, os bancos estão adaptando suas operações, recalculando processos de rentabilidade e deixando para trás resistências que tinham a alguns tipos de produtos, como fundos de investimentos de terceiros, para estancar a perda de clientes para os concorrentes digitais.
Diferentemente das estruturas menores com atendimento próximo do personalizado das fintechs, o setor bancário tradicional tem gigantes com milhões de clientes. Na pandemia, o uso dos canais na internet se intensificaram, principalmente via celular, chegando a 98% das operações em algumas instituições.
Segundo Renato Mansur, diretor de Canais Digitais do Itaú, a pandemia acelerou o processo de digitalização dos grandes bancos brasileiros em pelo menos cinco anos. Em 18 meses, o Itaú incorporou mais de 100 funcionalidades ao app e, com isso, cerca de cinco milhões de clientes evitaram ir às agências, calcula o banco. O volume de produtos vendidos em meios digitais do Itaú, que há dois anos não passava de 30%, superou 60% em agosto.
"Até o fim do ano, devemos oferecer todos os produtos no mobile, como seguro odonto, cheque especial, seguro de cartão protegido, contratação de consórcio. Financiamento de veículo está entrando nos próximos dias", diz Mansur.
No Itaú, quase 28 milhões de clientes utilizam os canais digitais do banco, mas a instituição criou também o banco digital iti, que superou 9 milhões de contas em menos de dois anos em operação. E quer chegar a 15 milhões até dezembro. Além de gratuito, com conta e cartão de crédito sem anuidade, o iti promete eliminar a burocracia: diz que um novo cliente se cadastra pela internet em menos de quatro minutos.
O Bradesco, que tem 21,9 milhões de usuários de meios digitais, também criou, em 2017, um braço 100% digital, o Next, que tem gestão separada. O número de contas superou 7,5 milhões este ano e a expectativa é chegar a 10 milhões até o fim de 2021. No iti e no Next, cerca de 85% dos clientes não são correntistas das operações de Bradesco e Itaú.
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"A autonomia já estava no plano inicial. É importante para que a plataforma nativa digital tenha uma cultura própria. Não adianta ter jornada digital só para fora", diz Jeferson Honorato, diretor do Next.
Caio Ramalho, coordenador da Núcleo de Startups, Inovação, Venture Capital e Private Equity (Nest) da FGV, concorda que um dos principais desafios dos grandes bancos é acompanhar a velocidade das fintechs na mudança da experiência dos clientes:
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"É preciso quebrar barreiras internas. Inovação é arriscar, e as grandes corporações são avessas ao risco. A cultura organizacional é uma barreira."
Cerca de 3,5 milhões de produtos e serviços financeiros são contratados por mês na plataforma digital do Santander, que intensificou, por exemplo, o atendimento via WhatsApp. Geraldo Rodrigues Neto, diretor de Negócios Digitais do banco, vê um cliente mais “empoderado”, que demanda atendimento diferenciado. Mas isso não significa tomar café com gerente em agências.
"O desafio é estar muito conectado, escutando e entendendo as dores do consumidor. Se o cliente gasta mais do que ganha tenho de alertá-lo", diz Rodrigues Neto.
Uma das principais arrancadas digitais dos grandes bancos na pandemia foi a da Caixa Econômica. Ao centralizar o pagamento do auxílio emergencial, o banco estatal pôs no ar o aplicativo Caixa Tem e criou contas digitais vinculadas a ele para cada beneficiário do programa federal. O app também foi utilizado para o saque emergencial do FGTS, do seguro desemprego, Bolsa Família e outros benefícios.
Foram criadas mais de 106 milhões de contas digitais, o que, segundo a Caixa, deu a 35 milhões de brasileiros o primeiro acesso a um banco. Ao dissociar a data do depósito do benefício na conta do dia do saque em espécie, a Caixa inseriu uma nova forma de pagamentos pelo app. Nesta semana, anunciou empréstimos por meio do aplicativo.
A Caixa sofreu muitas críticas no processo de implantação do Caixa Tem, com falhas na segurança contra fraudes. Segundo o banco, “por se tratar de um processo emergencial, definido, desenvolvido e implantado em poucos dias, dada a sensibilidade do momento, era natural um tempo para sua estabilização”. A Caixa diz que priorizou os ajustes, com 22 atualizações do aplicativo.
Apesar dos números, Mariana Pereira, da Fitch, avalia que não há apetite entre os rivais para disputar o público do Caixa Tem, cuja restrição de renda se traduz em risco alto de inadimplência:
"Os bancos são conservadores".