O acordo que está sendo costurado entre governo e Congresso para a resolução dos precatórios — decisões judiciais contra a União sem possibilidade de recurso que somarão R$ 89,1 bilhões em 2022 — tende a priorizar os credores de pequeno valor, com valores a receber de até R$ 66 mil, que serão sempre pagos dentro do novo limite do teto para esta despesa, de R$ 39,9 bilhões. Essa solução estará no debate da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que o governo enviou à Câmara dos Deputados.
Esse corte respeita o limite da Requisição de Pequeno Valor (RPV), que equivale a 60 salários mínimos. Segundo integrantes do governo, os credores de menor valor representam cerca de 70% do total. A maior parte desses precatórios são relacionados a questões previdenciárias ou trabalhistas. Este grupo seria sempre pago no ano em que seu crédito for previsto no orçamento, seguindo as regras atuais.
A proposta também prevê que os credores de maior valor vão obedecer a uma lista cronológica para recebimento. Até o limite do novo subteto que está sendo criado — que será de R$ 39,9 bilhões, o que equivale aos gastos com precatórios em 2016, quando foi criado o teto dos gastos, corrigido pela inflação — o pagamento será integral, sem desconto. Entretanto, a partir deste valor, o credor, automaticamente, entrará na fila para os próximos anos, sempre respeitando o novo subteto. Mas, para atendê-los, o acordo pode ter até sete alternativas.
A primeira alternativa é o uso dos precatórios para quitação de débitos, tanto de empresas como de entes públicos. Em um encontro de contas, por exemplo, poderia ser zerado cerca de R$ 10 bilhões de precatório com estado, indicam interlocutores. A segunda opção é usar o crédito para comprar imóveis públicos e, a terceira, para o pagamento de outorgas e concessões.
O texto que está sendo costurado ainda prevê que o precatório pode ser utilizado para a aquisição acionária, ou seja, privatização. O governo espera vender nos próximos meses os controles dos Correios e da Eletrobras, e seria uma forma de reduzir o estoque de precatórios e incentivar estas privatizações.
A quinta alternativa seria a antecipação de valores de ativos da Pré-Sal Petróleo (PPSA), ou seja, contratos baseados em barris de petróleo do pré-sal. Seria uma forma de antecipar esses recebíveis da União, que somam cerca de R$ 400 bilhões.
Além disso, o texto negociado, deve permitir o pagamento fora da fila, e acima do subteto, se o credor aceitar um desconto que pode chegar a 40% do valor do precatório. Outra opção seria "furar a fila" em um parcelamento com descontos menores. Esses dois pontos, contudo, ainda não estão fechados: além de depender de negociação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), encontra resistências, por serem vistos como um tipo de calote.
Caso o credor de maior valor que não estiver com seu pagamento dentro do subteto do ano não aceitar nenhuma das alternativas que estão sendo criadas, ele seguirá na fila para recebimento, com os precatórios sendo corrigidos pela taxa Selic , acrescida de 2% ano ano. A PEC pretende reduzir essa correção apenas para a taxa Selic, sem o prêmio.
Todas essas alternativas seriam definitivas, ou seja, não funcionariam apenas para 2022, quando o total dos precatórios cresceu 62% sobre 2022, em movimento classificado como "meteoro" pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
Esta solução, segundo pessoas a par das negociações, resolveria vários pontos para o governo: criar uma regra de longo prazo que dê previsibilidade aos gastos com precatórios, que seguiria a mesma regra do teto dos gastos. Abriria o espaço fiscal, em 2022, para o Auxílio Brasil — o novo Bolsa Família, que prevê ampliar o benefício de R$ 192, hoje pago a 14,6 milhões de famílias, para R$ 300 a 17 milhões de famílias a partir de novembro. Outra vantagem é que será um incentivo para privatizações e concessões. E, por último, respeita o teto de gastos.
Governo, Congresso e Judiciário chegaram a pensar na possibilidade de em 2022 pagar a integralidade dos precatórios fora do teto, de maneira excepcional, mas essa solução não é bem vista por integrantes da equipe econômica e pelo mercado financeiro.
A solução dos precatórios em 2022 é o primeiro passo para o Auxílio Brasil. O governo ainda precisa, depois de conseguir "espaço no teto para o programa", garantir a fonte de receita para o programa. Para isso, espera a aprovação da reforma do Imposto de Renda, projeto que corrige a tabela para as pessoas físicas e cria a tributação de dividendos no país. O projeto já foi aprovado na Câmara, e está no Senado, evoluindo de forma lenta.
Integrantes do governo acreditam que é preciso resolver a questão dos precatórios e aprovar a reforma do Imposto de Renda em até 30 dias, para que o Auxílio Brasil comece a funcionar. Se isso não ocorrer, o governo não poderá criar o programa social no próximo ano, por questão das leis eleitorais.
Ainda há o risco, segundo interlocutores, de crescer a pressão para uma solução "sem controle", como a extensão do Auxílio Emergencial, criado para atender a população mais vulnerável pela pandemia, em valores mensais de até R$ 600, talvez de forma desordenada, inclusive com a possibilidade de que essa despesa fique "fora"do teto.
Resolvida a questão do Auxílio Brasil, contudo, o governo deverá pensar em outros programas sociais. Não está descartado algum tipo de benefício para o gás, que teve seus preços elevados em 40% neste ano, e uma alternativa para as famílias que perderão o Auxílio Emergencial, mas não se enquadrarão no Auxílio Brasil. Mas isso só tende a avançar com mais velocidade, após a garantia de que o principal programa social do governo, umas das vitrines eleitorais de 2022, saia de fato do papel.