A Justiça de Porto Alegre determinou, nesta quarta-feira, que o Carrefour pague o valor de R$ 3,5 milhões referente aos honorários dos advogados de movimentos sociais, que participaram das negociações da indenização no caso João Alberto Silveira Freitas, homem negro que foi espancado até a morte por seguranças de uma loja da rede. No mês passado, a empresa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no valor de R$ 115 milhões , beneficiando a Educafro e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo para ações de combate ao racismo. No início de junho, O TAC empacou devido a alterações nas cláusulas do contrato.
Segundo a decisão do juiz da 16ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, João Ricardo dos Santos Costa, o deferimento de honorários é a medida mais adequada para preservar a garantia da acessibilidade à justiça. "Notadamente em um litígio que coloca na pauta o racismo estrutural existente na sociedade brasileira e reconhecido no Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre as partes. Neste contexto, e pelo fato do Judiciário ser um espaço de resistência, a representação judicial adequada da população negra, o acesso é central ao processo de superação de uma chaga social histórica. Daí que a relutância das requeridas em incluírem os honorários no TAC, confronta com os propósitos externados na referida convenção".
No processo ficou estabelecido o percentual de 3% do valor total da TAC . Marlon Reis, que é um dos advogados que esteve à frente do caso, diz que apesar da decisão ter sido favorável, eles irão recorrer com base na lei que estabelece o valor mínimo dos honorários em 10%.
"Vamos recorrer dessa decisão. Essa sentença é muito bem fundamentada. Ele (juiz) entendeu corretamente a importância da ação porque tem que haver condenação e honorários. Apenas na hora de definir os valores, definiu abaixo do patamar legal. A lei estabelece o valor mínimo dos honorários em 10%. Mesmo assim, ele fixou em 3%. Embora a gente esteja muito feliz com a sentença que impõe uma condenação e sob excelentes fundamentos, entendemos que o valor tem que ser majorado" afirma Reis.
Para o representante da Educafro, Frei David Santos, ambas decisões da Justiça reforçam as lutas dos movimentos sociais. A instituição promove educação para negros e pobres, inclusão nas universidades e no serviço público, através da defesa de cotas, e de metas de inclusão nas empresas.
"Primeiro conseguimos a maior indenização coletiva, das três Américas, contra o racismo estrutural. Vitória inusitada e inovadora para as lutas dos movimentos sociais! Agora, a Educafro está inovando: é a primeira vez, que se tem notícia no Brasil, de que advogados que lutam ao lado do povo, passam a ganhar por seus trabalhos, numa ação coletiva!", afirma o Frei.
Segundo ele, a quantia será usada para investimentos de escritórios para atender o povo afro-brasileiro.
Você viu?
"Investiremos esse dinheiro para construirmos o primeiro de muitos escritórios afros, para atender as demandas do nosso sofrido povo afro-brasileiro. Estou feliz, muito feliz, como uma criança pobre que ganha sua primeira bola!."
Em nota, o Carrefour informou que irá analisar e que segue "comprometido com a luta antirracista que se materializa no maior investimento privado já feito para redução da desigualdade racial no Brasil". Além disso, a empresa ressaltou que "são valores que superam R$ 115 milhões e serão majoritariamente investidos em educação e geração de renda para a população negra".
Indenização
Em junho deste ano, o Carrefour assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no valor de R$ 115 milhões, relacionado à morte de João Alberto Silveira Freitas, homem negro assassinado em uma unidade da rede, em Porto Alegre, em novembro do ano passado.
Foram seis meses de negociações com os movimentos sociais representativos da população negra e demais entidades que assinam o TAC, de forma a construir um plano de atuação que dialogasse com as demandas sociais dos movimentos negros e para que o acordo, de fato, impactasse a sociedade e trouxesse pessoas pretas, pardas e indígenas para posições de liderança e de igualdade.
A ONG Educafro (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes) exigia o pagamento de honorários contratuais para os advogados que participaram do processo. Em contrapartida, a rede dizia que essa exigência não havia aparecido nas conversas nesses seis meses de negociações e, por isso, não constava no acordo.
No final de maio, a viúva de João Alberto aceitou a proposta de indenização feita pelo Carrefour. Segundo o advogado de Milena Borges Alves, o valor pago pelo hipermercado é superior a R$ 1 milhão. Milena estava com o marido no supermercado.
A empresa pagou outras oito indenizações aos demais familiares, entre eles o pai, os filhos e a enteada de João Alberto.