Lira, Pacheco e Guedes entraram em divergências por repasses aos parlamentares
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Lira, Pacheco e Guedes entraram em divergências por repasses aos parlamentares

Nunca o país se viu às escuras economicamente como em 2021. E isso em meio ao aumento de casos de Covid-19 , hospitais precisando de leitos de UTI e os valores para os investimentos públicos travados no Palácio do Planalto .

A peça, aprovada pelo Congresso Nacional em março, chegou com alterações para o governo federal, o que não agradou o ministro da Economia, Paulo Guedes . A principal reclamação foi o aumento, de última hora, nas despesas com emendas parlamentares - gerando elevação de R$ 26 bilhões aos cofres públicos.

Para atender a congressistas, o relator da matéria no Legislativo, senador Márcio Bittar (MDB-AC), retirou gastos com seguro-desemprego (R$ 2,6 bilhões), abono salarial (R$ 7,4 bilhões) e de benefícios urbanos e rurais do Regime Geral da Previdência Social (R$ 13,5 bilhões) para aumentar os valores destinados aos parlamentares. A atitude é vista, pela equipe econômica, como jogo político para as eleições de 2022.

No entanto, os cortes de despesas obrigatórias – responsáveis por 95% do orçamento federal – inviabilizam os pagamentos obrigatórios da União. Essa é a justificativa de Guedes para avisar Bolsonaro sobre a possibilidade de crime de responsabilidade em caso de sanção do texto.

O advogado e professor do Ibmec-SP, Michel Haber Neto, explica que as emendas impostas pelo Legislativo foram acima do que o Ministério da Economia previa. Ele ainda lembra da possibilidade de congelamento de despesas caso os valores ultrapassem os limites judiciários.

"O que aconteceu, aparentemente, é que as emendas do congresso, vieram muito acima da expectativa de receita que a União Federal tinha. Ou seja, é como se estivesse aprovando uma peça orçamentária que não vai conseguir ser concretizada na prática", explica.

"Isso não significa que o ordenamento jurídico brasileiro não traga válvula de escape para resolver problemas como esse. Uma válvula de escape clássica para esses casos é o contingenciamento de despesas. Então, o governo pode, no meio do caminho, entender que a receita, trazida pelo orçamento público, não se concretizou. E aí, o que ele vai fazer? Em bom português, congelar as despesas públicas", ressalta Haber Neto.

O que é a LOA

A Lei Orçamentária Anual (LOA) é responsável por definir os direcionamentos dos gastos da União para o ano seguinte. A peça deve seguir alguns parâmetros, como o teto de gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal .

Os valores impostos pela LOA devem ser seguidos à risca pelo governo federal, mas há brechas para alterações por meio de projetos. O Orçamento é moldado pelo plano Plurianual, com duração de quatro anos, e pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, votada todos os anos - e que rege o teto dos valores da União.

Pela Constituição, o Congresso Nacional deve votar a LOA no ano anterior ao da vigência do orçamento
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Pela Constituição, o Congresso Nacional deve votar a LOA no ano anterior ao da vigência do orçamento

"Um plano plurianual que tem uma duração de quatro anos, que embasa a elaboração da lei de diretrizes orçamentárias, com validade de um ano e que, por sua vez, valida, ou serve de fundamento para elaboração da lei orçamentária anual", explica o advogado e professor do Ibmec-SP, Michel Haber Neto.

“A Lei Orçamentária é talvez a mais importante que existe no Brasil. A lei orçamentária anual é aquela lei que rege a vida financeira do país. Então, o papel dela é conectar receitas públicas a despesas públicas. E nós sabemos que o estado não consegue se mexer se ele não puder realizar despesas públicas”, afirma o especialista.

Os estudos para a LOA são divididos em três fases:

  1. Orçamento fiscal referente aos Poderes da União, ou seja, fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, fundações e estatais.
  2. Investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
  3. Seguridade social, abrangendo todos os setores do Poder Público, seja direta ou indireta, além de fundos mantidos pelo governo.

Após estudos do Ministério da Economia, a proposta passa por uma Comissão Mista de Orçamentos, com participação entre deputados e senadores, onde também é escolhido um relator para montar o orçamento da União em cima da proposta entregue pelo Palácio do Planalto.

O responsável pela matéria pode realizar alterações por meio de emendas, que devem ser aprovadas pela ampla maioria dos parlamentares. Após passar pela CMO, o texto deverá ser votado no plenário do Congresso Nacional e seguir para sanção do presidente da república.

Apesar de ser obrigatório a definição da LOA até dezembro do ano anterior, a pandemia de Covid-19 e a disputa para as presidências da Câmara e do Senado atrasaram as discussões sobre orçamento, o que defasou os cofres públicos. No último mês, o ministério da Economia pediu ao Congresso a abertura de crédito especial para manter os salários dos servidores em dia.

O professor do Ibmec-SP lembra que as contas públicas deveriam ter sido votadas em 2020, mas a peça ficou paralisada no Congresso por pelo menos quatro meses. Na época, o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), justificou as atenções à pandemia para atrasar o Orçamento.

"A Lei Orçamentária Anual, como o próprio nome dela diz, é uma lei para valer durante o ano, que é de primeiro de janeiro a trinta e um de dezembro, que é o exercício financeiro. Então, a lei orçamentária de 2021, deveria ter sido aprovada até o último dia de 2020, para gente abrir a porta do ano, já com uma lei orçamentária. Acontece que, na prática, o Congresso não enviou esse projeto de lei para o Executivo no prazo adequado", afirma.

Sobre a possibilidade de veto de Jair Bolsonaro , Haber Neto lembra que os projetos voltam para a Câmara dos Deputados, que podem invalidar as decisões do Palácio do Planalto.  

"Se for vetada, nós temos uma particularidade os dispositivos vetados pelo Poder Executivo voltam para deliberação do Congresso Nacional. E nós estamos vivendo esse momento no Brasil", ressalta

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Lei de Responsabilidade Fiscal

Paulo Guedes alertou a Bolsonaro que a sanção do Orçamento da forma que foi aprovado no Congresso Nacional pode dar brecha para possível pedido de impeachment baseado na Lei de Responsabilidade Fiscal. A LRF obriga o governo a cumprir as despesas aprovadas e, em caso de ultrapassagem, o executivo pode ser penalizado. Essa é a mesma lei que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016.

"A lei de responsabilidade fiscal tem esse papel de garantir o ambiente de responsabilidade na condução das finanças públicas. Quando se aprova um orçamento, sanciona, mas não tem margem para ser concretizado na prática, você está incorrendo em um crime de responsabilidade", explica o advogado.  

As despesas cortadas pelo Congresso Nacional e liberar recursos para emendas parlamentares fazem parte da lista de gastos obrigatórios do governo federal. Haber Neto ressalta a pressão que o Palácio do Planalto terá se não cumprir com a parte obrigatória da LOA.  

"Existem algumas despesas no orçamento público, que são consideradas obrigatórias. O que isso significa dizer? Que o Poder Executivo não tem a opção de realiza ou não. Se ele, eventualmente, falhar na realização dessas despesas, ele está violando, não só a constituição, como a lei de responsabilidade fiscal. Da forma como veio o projeto de lei orçamentária do Congresso Nacional, pode gerar esse tipo de problema".

"Outro ponto é aquele de conseguir efetivamente dar vazão às despesas inseridas no orçamento público. Então, será gerir as finanças públicas de maneira desconectada daquela peça orçamentária que deveria reger a sua atividade financeira", completa Haber Neto.

O professor do Ibmec concorda com a possibilidade de crime fiscal caso as contas sejam aprovadas da forma que está.

"No meu entendimento é de que pode gerar algum tipo de problema com relação à Lei de Responsabilidade Fiscal, mas tudo ainda está em abstrato. Nós precisamos ver como o negócio vai caminhar para avaliar, com caso concreto, se houve ou não algum tipo de violação, a Lei de Responsabilidade Fiscal", afirma.  

Busca por soluções

Tanto o Congresso Nacional quanto o Palácio do Planalto buscam soluções para encerrar a discussão e sancionar o Orçamento para 2021. O relator da matéria no Legislativo, Márcio Bittar (MDB-AC), se ofereceu criar um projeto de lei reduzindo R$ 10 bilhões em emendas parlamentares, mas a iniciativa não agradou o Ministério da Economia. Guedes pede, pelo menos, R$ 13 bilhões a menos.

A mesma sugestão deu o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que recusou uma contraproposta de Guedes em vetar os trechos polêmicos e alterar as finanças em novo projetos. Nos bastidores, o Congresso quer evitar o veto do Palácio do Planalto, visando as eleições de 2022 .

Guedes alertou Bolsonaro que sanção poderá acarretar em pedido de impeachment
Antonio Cruz/Agência Brasil
Guedes alertou Bolsonaro que sanção poderá acarretar em pedido de impeachment

O professor do Ibmec-SP afirma não ser novidade os embates políticos pelo Orçamento no Brasil. Ele ainda considera normal as divergências entre parlamentares e membros palacianos.

"Essa não é uma novidade no Brasil, né? Ano após ano, o orçamento vem sendo aprovado aos trancos e barrancos. Por que isso acontece na prática? Porque o orçamento acaba dizendo que tipo de modelo de país nós vamos ter. Se ela, por exemplo, destina mais receitas à educação, a gente tem um modelo de estado, para a saúde pública, a gente tem outro modelo de estado, se ela destina receitas para investimentos e obras públicas, outro modelo. E, obviamente, que todo mundo quer puxar a sardinha para sua brasa e acaba que esses embates políticos naturalmente acabam surgindo", avalia.

No meio do impasse, Guedes sugeriu o congelamento de R$ 30 bilhões em despesas para controlar os cofres públicos e não atingir o limite imposto pela LRF. Mas os congressistas não gostaram e ameaçam retaliações ao Palácio do Planalto em caso de alteração no texto.

"Quando eu aprovo um orçamento público irreal, e no meio do congelo despesas, eu frustro expectativas. E no final do dia, eu gero uma insegurança jurídica. Então, por exemplo, investidores que venham, que se interessem pelo Brasil, olhando par o nosso orçamento público. No meio do caminho, tem uma frustração de expectativa como essa, isso é algo muito para o ambiente de negócios. Então, acho que o governo, sem sombra de dúvidas, tem um grande problema nas mãos, a sociedade tem um baita problema nas mãos e o ordenamento jurídico como um todo, se vê extremamente fragilizado quando circunstâncias como essa surgem", ressalta Haber Neto.

Orçamento inviável

O ministro Paulo Guedes não está sozinho nas reclamações de inviabilidade do Orçamento. O advogado e professor do Ibmec-SP, Michel Haber Neto, afirma que a peça da forma que está poderá ser prejudicial ao governo e sociedade.

"Se já é difícil você gerir uma máquina, como poder executivo federal com o orçamento aprovado, afinal de contas, não é simplesmente porque eu tenho um orçamento que eu possa sair torrando todas as decisões, imagina a dificuldade a União Federal tem de gerir as contas públicas sem um orçamento aprova então, isso acaba virando também um instrumento de pressão política", completa.

Haber Neto faz uma comparação com os Estados Unidos, onde mantém a aprovação do orçamento vigente no ano anterior. Mas, se porventura não conseguir, parte dos serviços públicos deixam de funcionar, até a resolução do problema.

"Os americanos, por exemplo, se não aprovam um orçamento público ao longo do exercício financeiro anterior, eles desligam os serviços públicos por um motivo muito simples: é a peça orçamentária que conecta receitas e despesas", conta.

O especialista acredita que o Orçamento deveria ser estudado com mais calma e em cima das possibilidades de receita da União. Ele ainda ressalta a importância de manter o respeito a despesas obrigatórias.

"Deveria fazer respeitando todas as despesas obrigatórias e fixando se tivessem de fato aderência com a estimativa de arrecadação do Governo Federal. Não adianta não levar o orçamento a sério, elaborar um orçamento que preveja uma quantidade de despesas não compatíveis com a estimativa real de receita, é óbvio que ao longo do exercício financeiro, as circunstâncias vão acontecendo, que fazem com que a minha estimativa de receita não se verifique na prática", observa.

"É preciso ter essa responsabilidade, esse comprometimento de fixar o mais próximo possível dessas estimativas reais de receitas", conclui Haber Neto.

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