Durante a pandemia de Covid-19, Lay (40) tem trabalhado conforme as restrições de circulação permitem. Nas fases mais restritivas, vai até a casa de suas clientes
Guilherme Naldis
Durante a pandemia de Covid-19, Lay (40) tem trabalhado conforme as restrições de circulação permitem. Nas fases mais restritivas, vai até a casa de suas clientes


Lay Oliveira, de 40 anos, é cabeleireira há 22. Ela não pensa em trabalhar com outra coisa senão cortar, tingir e escovar. Talvez, não haja outra coisa mesmo. Há sete anos, ela realizou seu sonho profissional: abrir seu próprio salão, na laje da sua casa, em Itapecerica da Serra, Grande São Paulo. Pôde se livrar das donas de ateliê folgadas e gananciosas que cobravam taxas de serviço abusivas.

Rapidamente, o salão se tornou popular no bairro, na cidade, na região, e ela começou a se expandir. Roubou algumas funcionárias insatisfeitas da sua ex-patroa no centro da cidade. Em menos de cinco anos, o salão na periferia do município já não comportava a demanda de clientes. Lay planejou expandir. No ano em que o espaço deixaria de ser uma “salãozinho” para se tornar um “beauty space”, as clientes deixaram de frequentar o cabeleireiro. 

Em 2020, a cabeleireira estima que a pandemia reduziu seu faturamento em 80%. Até fevereiro de 2020, operava de segunda a sexta, das 8h às 21h. Dificilmente havia um horário para encaixe. A pandemia zero a receita mensal. Março foi mês de baixa porque, apesar de não receber, o aluguel foi cobrado da mesma forma. Em abril, uma esperança: o auxílio emergencial. 

Lay mora em uma casa pequena com seu marido, os dois filhos, a irmã e os sobrinhos. Era ela quem mantinha as contas da casa. O marido é pedreiro e a irmã já estava desempregada, e vendia bombons. Das crianças, a mais velha tem 8 anos. Todos ficaram sem trabalhar. “Não era o bastante para manter a vida que nós tínhamos, né? Mas sem ele [o auxílio], ia ser pior. Pelo menos não fiquei sem pagar as contas ou colocar comida na mesa”, conta a cabeleireira. 

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Em 9 de março, o Ministério da Cidadania divulgou um relatório que mostrava o perfil dos beneficiários do auxílio emergencial. 67,9 milhões de brasileiros receberam o Auxílio Emergencial, e representam 1/3 da população total, estimada em 211,75 milhões de habitantes para 2020, de acordo com o IBGE. Destas pessoas, 55% eram mulheres. 

Nos meses seguintes, Lay trabalhou conforme as restrições da cidade. Como parte da região metropolitana de São Paulo , Itapecerica da Serra seguiu as mesmas fases de contenção do vírus que a capital. Nos meses de queda nos índices de internação, pôde abrir o salão com restrições de horário e permanência. Nos meses mais rigorosos, atendeu as clientes à domicílio. 

“E mesmo assim, mesmo indo na casa delas e levando tudo, o dinheiro que entrou não deu nem para despesas”, conta. Ela também diz que ninguém da sua casa se infectou, mas um caso próximo a assusta até hoje. “Depois que fui fazer um corte em uma moça daqui do bairro, a mãe dela pegou Covid-19 e ficou mal. Acharam que fui eu quem trouxe”. 

Itapecerica da Serra tem 50 leitos de UTI, dos quais 10 foram criados para atender as demandas da pandemia. São Lourenço da Serra, Juquitiba e Embu-Guaçu, que são cidades vizinhas, não tem nenhum, e os pacientes em estados mais graves de Covid-19 eram levados para Itapecerica. 



Outros sonhos


Pedro Ferrarezi tem 21 anos e hoje mora com a mãe. Até março de 2020, vivia espremido com o namorado, Victor, no bairro da Bela Vista, no centro de São Paulo. Apesar do aluguel caríssimo, o apartamento tinha três cômodos que o casal dividia com mais três meninos gays e uma moça trans em cerca de 50 m². 

Pode não parecer confortável, mas era a melhor opção. Pedro teve que largar a faculdade quando assumiu o namoro com Victor, há três anos. A mãe não o aceitara, e se recusou a continuar pagando o curso de moda. “Era climão todo dia, não estava aguentando mais, juro”, desabafa sobre a relação com a mãe. Pouco depois, conseguiu um emprego em uma lojinha no centro que seria o bastante para alugar um quarto com Victor. Pegou suas coisas e foi. 

Foi difícil no começo, mas este ano seria diferente. No primeiro mês de 2020, Pedro conseguiu um emprego em uma loja de roupas caras, num desses shoppings caros em Higienópolis.  O plano era se mudar para a Vila Buarque. Não tão caro, perto do trabalho, mais espaçoso e mais privativo. Seriam só os dois.

Em abril, Pedro foi demitido, e tiveram que refazer os planos. Com os dois desempregados, só haviam duas opções: ou se separavam, com Pedro voltando para a mãe, ou o casal iria para Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, onde mora a família de Victor. A avó Maria os receberia bem, disse Victor. Pegaram as coisas e foram, novamente. 

Na ilha, o casal foi contratado por um bar para serem garçons e bartenders. Apesar das restrições de circulação, o espaço continuou aberto. O salário foi complementado pelo auxílio. “Ajudava a pagar as contas e comprar comida, coisa pra casa… Em alguns meses, até sobrava um pouco pra mim, sabe? Pra comprar roupas novas ou guardar pra voltar pra SP”.

Além do casal e da dona da casa, Maria, moravam também a tia de Victor, Iraídes, e um primo delas, tio Dedeu. Os três idosos recebia aposentadoria, mas somente Maria recebeu o auxílio emergencial. 

novo auxílio será dividido por “perfil” de beneficiário, ou seja - pessoas diferentes receberão mais ou menos dinheiro, a depender da avaliação do governo. Pedro se enquadraria na parcela de pessoas que receberia, somente, R$150. “Pra ser sincero, eu nem estava sabendo que teria mais uma rodada”.


Brasil


No total, o Auxílio Emergencial destinou cerca de R$ 294 bilhões para socorrer os brasileiros mais necessitados. O benefício é tido como um dos fatores que contribuiu para o déficit orçamentário de 2020,  que foi maior que a somatória dos últimos seis ano .

Além dele, outras medidas econômicas foram tomadas pelo governo federal para refrear a pandemia e seus descobramentos sociais. O economista Douglas Gaspar, entretanto, aponta que o auxílio previniu um dano ainda maior:  "No curto prazo o auxilio se faz necessário para não aumentar os impactos sociais e econômicos gerados pela pandemia, garantindo a dignidade dos cidadãos em um cenário de pandemia".

No longo prazo, ele pondera, "a responsabilidade fiscal (equilíbrio entre receita e despesa) deve ser controlada, uma vez que os impactos na vida da população podem ser tão fortes a ponto de refletirem em consequências piores do que se não fosse adotado o auxilio emergencial". 

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