O número de mulheres que investem em ações vem aumentando, mas elas ainda estão bem atrás dos homens. Segundo levantamento da B3 , a Bolsa brasileira, em 2020 o número de investidoras pessoa física saltou 118%, passando de 847 mil. Mas elas ainda são 26% do total. Os homens somam 2,38 milhões.
Para Virginia Prestes, professora de Finanças da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) , as mulheres historicamente sempre foram mais cautelosas quando se trata de investir em Bolsa, mas as novas gerações estão em outro patamar.
"Estudos mostram que a mulher tem, de fato, este perfil mais conservador que o homem, daí essa disparidade", diz Virginia.
"Principalmente antes, quando a taxa de juros estava muito alta, a grande maioria das mulheres não investia em renda variável porque não via necessidade de migrar para essa modalidade", completa.
Apesar da melhora tímida no perfil das investidoras, a especialista, que também trabalha com renda variável e já foi chefe da mesa de operações do Banco Safra , lembra que no passado o número de clientes mulheres era praticamente inexistente.
"E, quando elas tinham conta, era o marido quem mexia em nome da esposa. Hoje as mulheres estão bem mais ativas na busca da renda variável. Acredito que, com um perfil mais igualitário entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com as gerações mais jovens aos poucos criando seu patrimônio, veremos essa porcentagem de investidoras aos poucos caminhando para os 50%", lembra.
Mas agora que a taxa básica de juros (Selic) está na mínima histórica de 2%, há um boom do número de investidores pessoa física (“explodiu nos últimos três anos”, diz Virginia) e, com isso, a presença feminina na B3 também saltou.
Roberta Santoro, diretora comercial da Inove Investimentos , lembra que, apesar da porcentagem baixa, o número de investidoras é um recorde histórico no país, provocado pela crise de 2020, que fez os investidores saírem de sua zona de conforto em busca de risco, e pelos juros baixos.
"Esse é um tema cultural, pois o brasileiro majoritariamente tem seu dinheiro aplicado em poupança", explica Roberta.
"Mas o que aconteceu em 2020? Todo mundo precisou ficar em casa, e muitos dos provedores, os homens, perderam seus empregos. As mulheres tiveram que contribuir mais em casa buscando uma fonte de renda alternativa", ressalta.
Dinheiro é tabu, sexo não
E, com o home office e a digitalização das atividades, elas viram a possibilidade de ter uma atividade remota sem precisar sair de casa, acrescenta a executiva. Com uma poupança forçada por conta da quarentena e o surgimento de influencers, youtubers e afins levantando a bandeira da educação financeira, as mulheres se aprofundaram no tema e avançaram nos ativos de risco.
"Segundo estudo da XP, deve haver um movimento de mais de R$ 1 trilhão em direção à renda variável nos próximos anos, o que deve estimular ainda mais as mulheres", diz Roberta.
Para estimular cada vez mais as mulheres a investir mais e dominar mais o assunto do mercado financeiro, diz a especialista, é preciso fortalecer cada vez mais nossa base de educação financeira e desmistificar a renda variável. A tendência é que elas busquem mais esse mercado, até porque percebem que é um investimento de longo prazo.
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"E mulher tende a pensar bem antes de tomar uma decisão, a gente acompanha e estuda bem, o que nem sempre os homens fazem ao abordarem o risco", afirma Roberta, acrescentando que ainda temos um longo caminho pela frente: apenas 3% dos brasileiros investem em renda variável, contra 50% nos EUA.
Segundo Francine Mendes, educadora financeira da Genial Investimentos , que é economista com mestrado em psicanálise do consumo, as novas gerações de mulheres já estão chegando ao mercado com mais sede de informação e deixando para trás décadas de dependência financeira em relação aos homens.
"Hoje as mulheres falam até de sexo, mas dinheiro continua sendo tabu", diz Francine.
"E essa dependência é uma questão social. A mulher brasileira só pôde abrir conta sua em banco a partir de 1962, e desde a infância a criação põe na cabeça da menina que ela é uma boa cuidadora, mais voltada para a área de Humanas, e os garotos são melhores com os números e as finanças, o provimento da casa", complementa.
É por aí que a educação financeira feminina tem de começar, explica Francine, que lembra que as mulheres são responsáveis por 75% do consumo no mundo e o influenciam bastante, mas esse não é o caso quando se trata de investimento em produtos de renda variável, para seu próprio benefício.
"Até os 15 anos de idade, os investimentos de meninos e meninas em Bolsa são mais ou menos equilibrados, só que os aportes deles, desde cedo, são seis vezes maiores que os delas", conta a especialista, cujos filhos (um menino e uma menina) já têm investimentos em ações.
Segundo Francine, agora as mulheres, com mais acesso à informação, já percebem que precisam tomar as rédeas de sua vida financeira, “até porque, de cada quatro mulheres, três serão pobres na velhice, segundo estatísticas que temos aqui”.
"Pelo menos 80% das mulheres vão precisar cuidar do seu dinheiro em algum momento de sua vida. E elas têm medo de investir errado, de se sentirem culpadas por alguma decisão... Há muitos fatores inconscientes que precisam ser abordados para desfazer essa construção social", lembra Mendes.
Tempo, o maior ativo
Desde jovens, portanto, elas devem ser ensinadas a lidar com dinheiro e ter independência financeira, e não a contar com um provedor.
"Embora sejam mais conservadoras por natureza, as mulheres, quando decidem investir, estão mais embasadas e não retrocedem. Portanto, é preciso vencer o medo do desconhecido", diz Francine.
Isso muda a relação com o consumo e com o próprio tempo disponível, “nosso maior ativo”.
"Por isso é preciso ter investimentos que trabalhem por você", afirma a especialista
Um dado interessante na pesquisa da B3 é que as faixas etárias com mais investidoras são entre 26 e 35 anos (280 mil) e entre 36 e 45 anos (208 mil) . Mas, em termos de valores, essas faixas respondem, respectivamente, por 17% e 18% do total investido por pessoas físicas, enquanto as faixas de 56 a 65 anos e acima de 66 anos (144 mil, somadas) respondem por 20% e 33%, respectivamente.
"A nova onda de juros baixos e educação financeira tem atraído as mais jovens, mas as mais velhas que estão em Bolsa provavelmente são aquelas que já tinham um perfil mais agressivo em renda variável mesmo", afirma Virginia, que vê a porcentagem de investidoras aos poucos caminhando para os 50%.