Brasil Econômico

Fernando Capez
Procon-SP
Fernando Capez, diretor executivo do Procon

Como não poderia deixar de ser, toda tutela jurisdicional advém de uma provocação feita ao Estado-Juiz para que exerça a “juris diccio” (dizer o Direito – me traga o problema que lhe dou a solução). De forma geral, as partes, em razão de um conflito colocado na vida real, não podendo exercer a autotutela, provocam o Poder Judiciário para que seja dada fim à lide. Desta forma depreendemos um dos conceitos mais básicos da Ciência Jurídica ; qual seja, da inércia do Estado-Juiz que somente agirá mediante provocação das partes.

Nas palavras de Chiovenda: “ jurisdição é a função estatal que tem por finalidade a atuação da vontade concreta da lei, substituindo a atividade do particular pela intervenção do Estado”. Tal entendimento reforça a concepção positivista da natureza jurídica da jurisdição; que para o autor consiste na aplicação da lei ao caso concreto, dando fim ao conflito; contraposta pela teoria da “ justa composição da lide ” de Carnelutti.

Nos dias atuais, há consenso na comunidade acadêmica que foi superada a ideia positivista de jurisdição, dando espaço ao conceito pós-positivista ou neoconstitucionlista. Para Luiz Guilherme Marinoni, o objetivo do exercício da jurisdição é a aplicação sistêmica dos princípios constitucionais na solução dos conflitos , devendo sempre o Estado-Juiz guiar-se pelos mandamentos de ordem constitucional.

Apontamos como características básicas da jurisdição a inércia , a substitutividade e a definitividade . Como já dito, a inércia nos mostra, como regra, a vedação da ação “ex officio” pelo juiz, manifestando-se apenas depois de provocado pela parte interessada, sendo que sua decisão deverá ater-se apenas aos fatos, causa de pedir e pedido constantes na inicial, do qual se extrai o princípio da adstrição (vinculação da decisão do juiz ao que foi pedido, não podendo agir extra petita, ultra petita ou citra petita – fora, além ou aquém do pedido). 

Por substitutividade entendemos a sobreposição da atuação do juiz às vontades das partes . Nosso ordenamento jurídico, via de regra, veda a autotutela na solução de conflitos, não sendo dado direito aos cidadãos de agirem por força e vontade próprias nas controvérsias da vida cotidiana, excepcionando tal regramento para situações pontuais, tal como o desforço pessoal nas questões possessórias e a legitima defesa na esfera penal. Nesse sentido, por não poder agir por si, os cidadãos substituem suas vontades pela decisão prolatada pelo juiz, devendo utilizarem-se das vias recursais necessárias para contestá-la.

Definitividade é a característica pela qual a jurisdição dá a última palavra ao conflito, dirimindo-o . Por óbvio que as partes poderão se utilizar de todos os meios recursais cabíveis para rever a decisão prolatada; porém, esgotados os graus recursais ou transitada em julgado a sentença ou acórdão, o que ali fora decidido reveste-se de imutabilidade.

Além das características da jurisdição, devemos abordar seus princípios fundantes, sem os quais seu exercício incorrerá em uma ilegalidade. De modo geral, citamos: investidura, territorialidade, indelegabilidade, indeclinabilidade, inafastabilidade e juiz natural.

Investidura refere-se ao modo pelo qual os juízes ganham legitimidade para exercer a jurisdição, sendo que para tal, faz-se necessária a aprovação em concurso público de provas e títulos, como bem nos mostra o art. 37, II, CF.

Territorialidade , por sua vez, é a delimitação geográfica imposta pela lei que sujeitará o local ao exercício da jurisdição de determinado juiz.

Indeclinabilidade , como já se pode deduzir de sua nomenclatura, diz respeito a impossibilidade do juiz negar-se a dizer o direito, dirimindo conflitos a ele apresentados. O brocardo romano “iura novit cura” (o juiz deve conhecer/conhece o Direito) nos mostra a pressuposição de que o Estado investiu determinada pessoa de legitimidade para aplicar as leis em razão de seu conhecimento jurídico. Na relação processual (autor – juiz – réu), o magistrado age em nome do Estado, não podendo omitir-se, tendo, portanto, o dever de decidir, independentemente de enfrentar o mérito da questão.

Do princípio acima decorre o da inafastabilidade , ou seja, salvo raras exceções (ex. art. 52, I e II, CF), não há matéria que não possa ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, como bem nos mostra o art. 5º, XXXV, CF.

Outro princípio decorrente da indeclinabilidade e inafastabilidade é o da indelegabilidade , consistindo na impossibilidade de se de delegar a outem a função jurisdicional.

Por fim, o princípio do juiz natural indica a necessidade de imparcialidade do julgador, não podendo este nutrir nenhum tipo de simpatia ou antipatia por quaisquer das partes( dever de agir com imparcialidade). Inclusive, para o fiel cumprimento desse princípio as partes poderão fazer uso dos instrumentos processuais da suspeição ou impedimento do juiz.

No que tange aos elementos da jurisdição , podemos dizer que estão presentes até os dias atuais os componentes trazidos pelo Direito Romano, quais sejam: cognitio, vocatio, coertio, juditio e executio. Tais elementos consistem na possibilidade do Estado/Juiz dar conhecimento ao processo mediante o preenchimento de seus requisitos legais (pressupostos processuais, condições da ação, legitimidade de partes); convocar pessoas para se manifestar no processo; determinar a adoção de medidas cautelares que visem resguardar o objeto da lide ou o fiel cumprimento de suas decisões; dirimir conflitos aplicando a norma ao caso concreto e determinar a execução do que fora decidido.

Quanto à pretensão ou natureza da norma que será aplicada ao caso concreto, a jurisdição pode ser cível ou criminal . Por sua vez, quanto ao momento em que é proferida, poderá ser de 1ª instância - inferior (sentença prolatada pelo magistrado que primeiro tomou ciência da demanda) ou superior – grau recursal (acórdão proferido pelo Tribunal que analisou o recurso).

Quanto ao órgão que exerce a jurisdição, poderá ser comum ou especial. A comum poderá ser exercida em âmbito estadual (ou distrital) ou federal, e a especial pelas justiças do Trabalho, Militar e Eleitoral. Por fim, lembremos que com o advento da L. 9.099/95, foram instituídos os JEC (Juizado Especial Cível) e JECRIM (Juizado Especial Criminal). Será de competência do JEC a apreciação de demandas de baixa complexidade, dando ao jurisdicionado solução ao conflito de forma célere, informal e pouco custosa. Por sua vez, será de competência do JECRIM o julgamento dos crimes de menor potencial ofensivo.

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