Terreno transformado após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão
Foto: Eduarda Esteves
Terreno transformado após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão

Passado um ano do maior acidente de trabalho do País, que causou 270 mortes, entre funcionários da Vale e de empresas terceirizadas; moradores do município e visitantes, a investigação do caso Brumadinho também corre internacionalmente.

O Ministério Público de Munique abriu um inquérito, em dezembro de 2019, para apurar se os funcionários da empresa de inspeções e certificação alemã Tüv Süd contribuíram para a ocorrência do crime ao certificar a estabilidade da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em setembro de 2018.

Um dos pontapés iniciais para a internacionalização do caso ocorreu em outubro de 2019, quando familiares das vítimas, advogados e ativistas viajaram à Europa para denunciar a empresa certificadora alemã Tüv Süd, responsável por atestar a segurança da barragem de rejeitos.

A queixa criminal é uma tentativa de colocar pressão sobre a Vale e a certificadora para impedir novas tragédias no setor mundial da mineração.

Na viagem à Europa, o grupo se reuniu com investidores, políticos e representantes de organismos internacionais em sete países diferentes, Espanha, Suíça, Alemanha, Holanda, França, Itália e Bélgica.

Em entrevista ao iG, Carolina de Moura Campos, coordenadora geral da Associação Comunitária da Jangada  e integrante da Articulação Internacional de Atingidas e Atingidos pela Vale explicou que a jornada internacional foi muito importante para chamar atenção de outros países e cobrar as responsabilidades de atores internacionais. Carolina esteve acompanhada de duas familiares de vítimas fatais, Marcela Rodrigues (filha de Denilson Rodrigues) e Amanda Andrade (irmã de Natália Andrade), além do advogado Danilo Chammas, que colaborou na elaboração da queixa e segue atuando no caso.

Manifestação internacional por Brumadinho
Foto: Arquivo Pessoal
Manifestação internacional por Brumadinho

“A gente quis ir até a matriz da Tüv Süd, porque muitas vezes, o que acontece é que a empresa no Brasil é muito menor e o efeito não é tão grande. Mas a matriz sabia o que estava acontecendo e permitiram essa relação criminosa com a Vale”, diz Carolina.

Para a ativista e agricultora, se as duas empresas tivessem dito a verdade, a barragem até poderia romper, mas as pessoas conseguiriam ter saído do local em segurança .

“Exigimos a responsabilização da companhia matriz e de um de seus managers pelos crimes de homicídio, corrupção e dano ambiental ”, frisou.

A denúncia que deu início ao inquérito criminal na Alemanha não tem relação direta com a investigação no Brasil.

“A nossa denúncia na Alemanha não exime a Vale, que é uma empresa brasileira, da responsabilidade. Pelo contrário, é uma forma de pressionar a Justiça do País para acelerar o processo que já dura um ano sem ninguém ser preso”, complementa.

A ação ocorreu em conjunto com a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidos pela Vale, com a Associação Comunitária da Jangada, em coalizão com o European Centre for Constitutional and Human Rights (ECCHR) e Misereor.

A Agenda incluiu reuniões com relatorias especiais da ONU, audiências com membros do Parlamento Europeu e do parlamento alemão, representantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com investidores da Vale e de empresas compradoras dos minérios extraídos no Brasil, além de debates públicos e manifestações públicas. 

Segundo os advogados que representam os atingidos, a alemã Claudia Muller-Hoff, a francesa Cannelle Lavite e o brasileiro Danilo Chammas, além de responsabilizar os atores alemães implicados no rompimento da barragem, essas iniciativas têm como objetivo tornar as leis mais rígidas para esse tipo de crime

Mineradora Vale volta a lucrar nove meses após Brumadinho

A queixa

A queixa apresentada à Justiça Alemã aponta que a Declaração de Estabilidade foi concedida mesmo com a barragem apresentando índice de Fator de Segurança menor do que o previsto em normas internacionais.

Para barragens a montante, como a do Córrego do Feijão, o valor mínimo que o "fator de segurança" pode alcançar é entre 1,25 e 1,5, quando passa a apresentar risco de liquefação.

Vale ignorou plano de emergência que poderia ter evitado 270 mortes

Desde março de 2018, a barragem apresentava "fator de segurança" de 1,09, com diversos problemas de drenagem .

Os cálculos, segundo os denunciantes, foram feitos pela própria Tüv Süd e apresentados no Relatório de Revisão de Segurança, datado de 3 de Setembro de 2018.

Para os denunciantes, a Declaração de Estabilidade foi decisiva para que não fossem tomadas medidas de emergência necessárias para melhorar a segurança da barragem, situação que perdurou até que ela se rompesse.

No Brasil, denúncia foi aceita às vésperas do caso completar um ano

Região atingida pelo rompimento da barragem de Brumadinho – MG
Foto: Isac Nóbrega/PR
Região atingida pelo rompimento da barragem de Brumadinho – MG

Coincidência ou não, semanas após o MP alemão aceitar a denúncia e anunciar que vai investigar o caso brasileiro, às vésperas de completar um ano da tragédia, as investigações realizadas pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela Polícia Civil (PCMG) andaram.

De acordo com o documento,  divulgado na última terça-feira (21), os órgãos concluíram que a empresa de mineração Vale e a consultoria Tüv Süv omitiram do Poder Público, dos acionistas, dos investidores e da sociedade a verdadeira situação de insegurança de diversas das barragens de mineração mantidas pela Vale. 

Na denúncia do MP, é citado o ex-CEO da Vale, Fábio Schvartsman, que na época ocupava cargo na empresa e outros 11 funcionários da mineradora que trabalhavam nas áreas de gerência da geotecnia e de engenharia, além de outros cinco especialistas e consultores da Tüv Süd de homicídio doloso duplamente qualificados por todas as vítimas.

Eles também responderão pela prática de crimes contra a fauna, contra a flora e por crime de poluição. 

Segundo as duas instituições, a conclusão das investigações demonstra a existência de uma promíscua relação entre as duas corporações denunciadas, no sentido de esconder a inaceitável situação de segurança de várias das barragens de mineração mantidas pela Vale.

“Além dos sistemas computacionais e seus subprodutos, as análises, os parâmetros, os resultados e as recomendações dos especialistas internacionais e nacionais, feitas durante os painéis internos realizados periodicamente pela Vale (PIESEMs), também não eram compartilhados com o poder público”, afirma trecho da denúncia. 

A partir dessas omissões, a empresa conseguia evitar impactos negativos na reputação.

“Com o apoio da Tüv Süd, a Vale operava uma caixa-preta com o objetivo de manter uma falsa imagem de segurança da empresa de mineração, que buscava, a qualquer custo, evitar impactos a sua reputação e, consequentemente, alcançar a liderança mundial em valor de mercado”, afirma o Ministério. 

Conforme o MPMG, todos os crimes serão processados e julgados pela Justiça Estadual, em Brumadinho. Além da oferecer denúncia, o MPMG encaminhou à Justiça pedidos cautelares de prisão do gerente-geral da Tüv Süd alemã, Chris-Peter Meier. Confira aqui os nomes dos indiciados e denunciados e a denúncia completa. 

Como Brumadinho pode se tornar um exemplo para o mundo 

Grupo no Parlamento Alemão
Foto: Arquivo Pessoal/Carolina de Moura
Grupo no Parlamento Alemão

Durante coletiva de imprensa, realizada na última terça, a presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão Brumadinho, Josiana Melo, contou que a queixas e divulgação do caso na Alemanha não foram tão simples porque as pessoas não tinham muitas informações do que tinha acontecido no Brasil.

Josi, como é conhecida, era engenheira civil da Vale e perdeu a irmã Eliane, que estava grávida de cinco meses. 

“Percebemos que as pessoas pouco sabem sobre a responsabilidade da Tüv Süd no caso Brumadinho. Muito pouco é dito na mídia. Ela precisa ter sua imagem abalada, as pessoas precisam saber o que ela fez. Ela é a segunda maior empresa certificadora do mundo e essa imagem continua ainda intacta. Ela vende confiança, vende papel. As pessoas precisam saber que ela, pelo que tudo indica, certificou estabilidade de uma barragem que estava prestes a ruir", ressaltou.

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O diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Pesada de Minas Gerais (Siticop), Eduardo Armond, também esteve fora do Brasil para levar o caso Brumadinho à Justiça internacional, na Jamaica, nos Estados Unidos e na Alemanha.

Ele compara que na época da tragédia em Mariana, que também ocorreu em Minas Gerais, o sindicato ainda não tinha experiência com esses casos e até protocolaram uma denúncia na OCDE e um processo na Inglaterra para investigação da tragédia ambiental. Mas, as ações seguem até os dias de hoje sem resolução. 

Em 2015, a Vale esteve envolvida em um outro desastre, quando uma barragem da Samarco, joint venture da mineradora brasileira com a anglo-australiana BHP, rompeu-se e matou 19 pessoas, em Mariana, no que foi considerado a maior tragédia ambiental do Brasil.

No caso de Brumadinho, Armond destaca que conseguiu auxiliar na negociação, junto aos órgãos competentes e a Vale, as indenizações destinadas aos familiares dos mortos.

A Vale calcula em R$ 2,8 bilhões o total de indenizações e auxílios emergenciais pagos a vítimas e moradores da região afetados pela tragédia.

Armond conta que em parceria com associações de Brumadinho e alguns sindicatos alemães, conseguiu se reunir pela primeira vez  na sede da Tüv Süd, na Alemanha, com dirigentes da empresa, também em outubro de 2019.

Ele destaca que até abril deste ano, haverá um novo encontro para discutir a possibilidade de novas indenizações aos familiares dos mortos e aos trabalhadores da Vale e terceiros que foram atingidos, mas sobreviveram.

“A Vale já fechou acordos. Mas, com a empresa alemã, a ideia é abrir um canal de negociação direto e isso não impacta o processo criminal que corre na Alemanha, é uma conversa extraoficial”, diz. 

Vale assina o maior acordo trabalhista da história do Brasil

Antônio Paulorinho precisou se mudar para o centro de Brumadinho e hoje só consegue visitar a antiga casa
Foto: Eduarda Esteves
Antônio Paulorinho precisou se mudar para o centro de Brumadinho e hoje só consegue visitar a antiga casa

“Depois de um ano, a cada minuto que passa, a gente vai morrendo cada vez mais. Os nossos sonhos foram levados com a lama e destruídos por esse crime hediondo cometido pela Vale ”. O aposentado Antônio Paulorinho, 70, nasceu e morou por toda a vida no vilarejo Córrego do Feijão, localizado na área rural de Brumadinho, em Minas Gerais.

Mas, um ano atrás, no dia 25 de janeiro de 2019, o mar de lama invadiu parte da comunidade e ele precisou deixar sua casa e assistir a familiares e amigos perderem a vida. 

Antônio diz que não faltou a nenhuma audiência pública ou manifestação popular. O seu maior desejo é que os responsáveis pelo crime não saiam ilesos. Mas, até agora, ninguém foi preso. 

O Corpo de Bombeiros segue incessantemente na tarefa de buscar de 11 corpos que ainda estão desaparecidos. Danos ambientais, econômicos e à saúde pública são algumas das marcas deixadas nos sobreviventes.

Relações de trabalho e direitos humanos

Corpo de Bombeiros de MG
Foto: Corpo de Bombeiros/CBMG
Corpo de Bombeiros de MG

Na Suíça, o mesmo grupo de familiares e ativistas também participou da sessão do Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos da ONU e discutiu o Tratado Vinculante de Direitos Humanos para empresas transnacionais

“É importante que as empresas tenham que responder judicialmente por violações dos direitos humanos. Lá, nós apresentamos o caso de Brumadinho. Também apoiamos uma campanha para a criação de leis nacionais de devida diligência em direitos humanos”, pontua Carolina de Moura.

Para ela, as empresas que financiam, asseguram e compram o minério de ferro da Vale também são parte do crime em Brumadinho. 

A lei obrigaria as empresas a checarem a origem das matérias-primas e produtos que compram de outros países e, em caso de uma análise insatisfatória, as compradoras seriam responsabilizadas legalmente.

Entre os maiores compradores do minério de ferro do Brasil estão França e Holanda, segundo dados do Ministério da Economia. A Vale, maior exportadora dessa matéria-prima no mundo, praticamente vende ao exterior toda a sua produção.

“A gente sabe que é o lucro que move essa empresa assassina. Na Europa a gente conseguiu mostrar o que aconteceu no Brasil, muitas pessoas não sabiam. Foi duro, mas precisamos mostrar imagens. A informação circulou bastante”, explica a  coordenadora geral da Associação Comunitária da Jangada.

No Vaticano, o grupo espalhou 270 fotografias no piso da igreja Traspontina. Também mostraram cartazes e ultrassonografias de bebês mortos na barriga das mães também foram expostas no local.

Para Carolina de Moura Brumadinho pode se tornar um divisor águas no setor da mineração do mundo. Ela também afirma que  o modelo predatório  da mineradora não pode continuar.

“O impacto é enorme durante toda a cadeia produtiva, desde a extração, o beneficiamento e o transporte. A humanidade precisa rever a conduta de viver, o nosso planeta é limitado”, destaca.

Armond conta ainda que após o caso de Brumadinho, romperam barragens no Congo, na Inglaterra e na Colômbia .

“São casos que acontecem todos os anos, mas ficam isolados. A nossa esperança é que Brumadinho ensine ao mundo que é preciso mudar esse processo arcaico de mineração, não só no Brasil”, alerta.

Respostas

Por meio de nota enviada ao iG, a  Tüv Süd diz que continua profundamente consternada pelo trágico colapso da barragem em Brumadinho.

Mas, que enquanto o caso ainda estiver sendo apurado, não poderá esclarecer informações sobre indenizações ou sobre a denúncia do MP, na Alemanha e  no Brasil. 

Veja a íntegra da nota:

"Nossos pensamentos estão com as vítimas e suas famílias.  Um ano após o rompimento, suas causas ainda não foram esclarecidas de forma conclusiva.  Como era esperado, as investigações levam um tempo considerável: muitos dados de diferentes fontes precisam ser compilados, apurados e analisados. Por esse motivo, as investigações oficiais continuam. A Tüv Süd reitera seu compromisso em ver os fatos sobre o rompimento da barragem esclarecidos. Por isso, continuamos oferecendo nossa cooperação às autoridades e instituições no Brasil e na Alemanha no contexto das investigações em andamento.  Enquanto os processos legais e oficiais ainda estiverem em curso, e até que se apurem as reais causas do acidente de forma conclusiva, a Tüv Süd não poderá fornecer mais informações sobre o caso", diz nota da empresa.

Procurada pela reportagem para esclarecer questionamentos, a Vale não se pronunciou até o momento. Em seu site, a empresa divulgou um posicionamento oficial. 

Veja:

"A Vale informa que tomou conhecimento nesta data, 21 de janeiro de 2020, do oferecimento de denúncia pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) com relação ao rompimento da Barragem I, na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).

Sem prejuízo de se manifestar formalmente após analisar o inteiro teor da denúncia, a Vale desde logo expressa sua perplexidade ante as acusações de dolo. Importante lembrar que outros órgãos também investigam o caso, sendo prematuro apontar assunção de risco consciente para provocar uma deliberada ruptura da barragem.

A Vale confia no completo esclarecimento das causas da ruptura e reafirma seu compromisso de continuar contribuindo com as autoridades".

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