Aquela loja que ia abrir perto da sua casa, a caminho do seu trabalho, ou na sua cidade, provavelmente não vai sair neste ano. As novas contratações que viriam com a inauguração também foram adiadas. A esperança de melhora na economia fica para trás a cada indicador divulgado que reforça o cambaleante desempenho da atividade.
O sentimento de ano perdido se espalha e deflagra uma onda de revisões nas expectativas traçadas no início do ano. Nem todo mundo consegue perceber a real dimensão de um corte de 1,66 ponto percentual na previsão do PIB de 2019 no Boletim Focus do Banco Central, que reúne dados de 100 bancos e consultorias.
O número pode dar a impressão de que é pouco, mas quando a perspectiva cai de 2,53%, em janeiro, para 0,87%, em junho, o que se perde são milhares de empregos que seriam gerados, negócios que deixam de ser iniciados e produtos que não serão mais fabricados.
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Na onda de otimismo com o início do novo governo, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) estimava um crescimento de 6% no volume de vendas no varejo em 2019. Seria um desempenho suficiente para estimular os empresários a expandir suas redes e encorajar novos empreendedores a entrar no ramo. Se assim fosse, o País acabaria contando, em dezembro, 23,3 mil novas lojas e um adicional de 115,2 mil vagas no setor. Mas a previsão vem sendo frustrada por uma sequência tímida nos dados do comércio.
De janeiro a abril, o volume cresceu em média menos de 1% ao mês quando se consideram os veículos e materiais de construção. E já é possível saber que os números esperados em janeiro não serão atingidos. “A agenda de curto prazo está muito mais lenta do que gostaríamos”, afirma Fabio Bentes, economista-chefe da CNC.
“A engrenagem não está rodando muito azeitada.” Depois de quatro revisões, a entidade prevê agora um avanço de 4,5% nas vendas, a abertura de 6,8 mil lojas e a geração de 96,8 mil vagas. A euforia com os resultados das eleições estava embasada na perspectiva de que a nova equipe econômica conseguiria tocar uma agenda de reformas de forma veloz. Os planos, porém, esbarraram na inexperiência da administração Bolsonaro com a articulação política.
Derrotas no Congresso deixaram mais distantes a hipótese de uma aprovação rápida da reforma da Previdência, considerado o principal remédio para a fragilidade fiscal e uma alavanca para os investimentos.
A confiança se deteriorou e o novo presidente desperdiçou a “lua de mel” de início de gestão. “Tinha um clima pós-eleição de que as reformas passariam mais rapidamente e teria uma reversão de quadro”, afirma o vice-presidente de Economia do Sindicato da Indústria da Construção (SindusCon-SP), Eduardo Zaidan. “Já se passou meio ano e não aconteceu nada.” O PIB da construção foi revisado de 2%, em janeiro, para 0,5%. Na prática, 85 mil das 100 mil novas vagas previstas não serão geradas, segundo cálculos do SindusCon-SP.
Quando a engrenagem do crescimento econômico trava, gera-se um efeito em cascata em diversos atores na cadeia. No setor calçadista, a expectativa inicial de avanço de 2,3% nas vendas representava um adicional de 20 milhões de pares comercializados. Agora, se o ano fechar em estabilidade, já será uma vitória.
Nesse novo cenário, as fábricas deverão terminar no mesmo patamar do ano passado e não com um adicional no volume produzido de 32 milhões de pares, como previsto inicialmente. “Tínhamos uma avaliação de que as reformas estruturais, apoiadas pelo novo governo e boa parte do Congresso, seriam aprovadas com maior celeridade”, afirma Haroldo Ferreira, diretor-executivo da Associação dos Fabricantes de Calçados (Abicalçados). “Infelizmente, questões políticas acabaram interferindo e gerando uma frustração.”
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Ao lado da construção, a indústria é uma das principais vítimas do crescimento anêmico. A expectativa de avanço de 0,6% para o PIB industrial em 2019 apenas repete o desempenho pífio do ano passado e nem de longe repõe o período de perdas entre 2014 e 2017, quando a queda acumulada superou os 12%.
“As empresas estão sacrificadas. São cinco anos de crise”, afirma Fernando Pimentel, presidente a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). As novas previsões da associação indicam mais um ano de estabilidade no setor. Isso significa 124 milhões de peças de vestuário a menos do que a produção prevista no início do ano. “Houve ajustes de turno e no número de máquinas trabalhando.”
Com esse corte, desaparece a perspectiva de gerar 10 mil novas vagas em 2019. No auge da crise, foram fechadas 100 mil empregos na cadeia têxtil, número que dificilmente será recuperado no curto prazo.
RESISTÊNCIA
Embora sejam sempre números estimados, as projeções dos setores levam em conta uma série de componentes, como renda, crédito, indicadores de mercado de trabalho e o próprio dado de crescimento. As revisões do PIB, porém, não atingem de maneira uniforme os diferentes segmentos da economia.
Há algumas frentes de resistência que evitam uma piora ainda mais acentuada na atividade. O setor de shoppings centers comemorou um avanço de 8,1% nas vendas do primeiro quadrimestre, número que dá sustentação à projeção de avanço de 7% no ano. Também estão mantidas as 15 inaugurações estimadas em 2019, quatro delas já efetuadas.
Da mesma forma, os fabricantes de eletroeletrônicos (Eletros) acreditam ser possível alcançar a alta de 5% a 10% projetada em janeiro. Numa breve caminhada é possível perceber o grande número de lojas vazias e como os prognósticos mais otimistas são exceções.
Quando se olha a economia como um todo, o impacto do corte no PIB afeta outros indicadores ligados ao dia a dia dos brasileiros. O índice mais cruel é o nível de emprego. Dados do Itaú Unibanco mostram a taxa de desemprego encerrando em 11,9% na média deste ano. A expectativa é de uma geração de 270 mil vagas para um PIB de 0,8%. Em janeiro, quando o crescimento esperado ainda era de 2,5%, esses números eram 11,7% e 1,125 milhão de vagas.
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Para reverter esse quadro, os economistas destacam a aprovação da reforma da Previdência, a aceleração do processo de concessões e o encaminhamento da pauta para aumentar a produtividade – como a simplificação tributária, a abertura da economia e a revisão de marcos regulatórios em diferentes setores. O principal, porém, é que Brasília não pode atrapalhar o Brasil. “A fragilidade da situação política contaminando a economia não contribui em nada”, afirma Bentes.