O Brasil viu a inadimplência crescer no ano passado. Com aumento de 4,41% no número de contas em atraso, 62,6 milhões de pessoas encerraram 2018 no vermelho , segundo dados do indicador de Inadimplência da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). Unido ao crescimento do número de devedores, a quantidade de cobrança abusiva também tem aumentado.
Entre o número total de brasileiros adultos, 41% estavam com as contas em atraso e com o CPF restrito para contratar crédito ou fazer compras parceladas em 2018, sendo conhecidos popularmente por pessoas que tem o "nome sujo". Desses, é cada vez maior a parcela que reclama de estar sofrendo de um problema muito comum atualmente: a cobrança abusiva
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De acordo com o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, uma pessoa que tem contas em aberto não pode ser "exposta ao ridículo" ou submetida "a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça" quando está devendo a um pagador. Mesmo que a cobrança feita por ele seja legal permante a lei e legítima, é preciso que seja feita de modo respeitoso.
Não é o que tem acontecido atualmente, segundo informações da advogada Fernanda Saenger, responsável pelo escritório Saenger Advogados. Para ela, os métodos com que as cobranças tem sido feitas atualmente estão ficando cada vez mais abusivos. "É muito comum vermos empresas de telemarketing e de cobrança ligando para todos os números possíveis de um devedor. Eles encontram informações de alguém com nome sujo e, a partir daí, fazem ligações para parentes, amigos e até mesmo no emprego dessa pessoa", explica.
Esses telefonemas, feitos para pessoas encontradas nas linhas cadastradas do inadimplente, acabam por, além de constranger o dono da dívida , intimidar a pessoa que não tem nada a ver com aquele problema.
Além dessas ligações para conhecidos, que expõem o problema do devedor à terceiros, outros comportamentos comuns são ligações excessivas (mesmo que o inadimplente atenda aos telefonemas) e ameaças. "Eles dizem que vão antecipar o vencimento do contrato do devedor, intimidam a pessoa. Tudo isso, às vezes, com poucos dias de atraso", completa Saenger.
A advogada reitera que a prática abusiva com os devedores foi facilitada com a chegada da internet. "É um facilitador excessivo para essas empresas de cobrança ", diz. "Elas se utilizam de sites que fornecem dados pessoais e cadastros, invadem a vida dos devedores e os constrangem. São cobradores que perderam a noção do limite", termina.
O que devo fazer em caso de cobranças abusivas?
De acordo com Saenger, ao ser cobrado abusivamente, o inadimplente precisa recorrer não só ao artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor como também ao artigo 71. É este parágrafo que diz que quando uma empresa pratica, "na cobrança de dívidas, ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer", pode ser punida com detenção de três meses a um ano, além de receber uma multa.
Para conseguir entrar com esse tipo de ação, a advogada explica que é preciso juntar provas. "Depois que sofrer a prática abusiva, a pessoa precisa se dirigir até a delegacia mais próxima (esse tipo de Boletim de Ocorrência não pode ser feito online) e comunicar que está sofrendo um constrangimento", explica.
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Depois, já com o B.O. em mãos, também é recomendável tirar prints (fotos da tela) dos celulares com o número de ligações que tem sido recebidas, por exemplo, e para quantos números diferentes relacionados ao devedor elas estão sendo encaminhadas. "Melhor ainda se conseguir uma ou duas testemunhas do seu ambiente de trabalho ou lazer", informa Saenger.
Com esses documentos em mãos, já é possível processar um cobrador por danos morais. Segundo Fernanda Saenger, a probabilidade de ganhar a ação movida, nesses casos, é de quase 100%.
Como uma empresa pode, então, cobrar corretamente?
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Apesar da práticas de cobrança abusiva serem absolutamente proibidas, as pessoas físicas ou jurídicas que precisam receber valores de devedores devem, sim, exercer o direito de cobrar. Entre as formas lícitas de recuperar uma dívida, explica Saenger, a mais comum e relevante é mover uma demanda judicial (ou seja, fazer uma ação de cobrança formal) contra esse inadimplente.