Em janeiro deste ano, um bitcoin valia cerca de US$ 1 mil. Em meados de julho e agosto, o valor quadruplicou. No último sábado (2), a moeda bateu a marca dos US$ 5 mil. De acordo com especialistas, o crescimento é explicado pelo fenômeno da bolha. Se é verdade ou não, há um aspecto importante a pontuar: a moeda virtual não precisa de intermediários para circular e quanto mais é utilizada, menos os bancos faturam. Estariam essas grandes instituições financeiras sendo ameaçadas pela moeda criptografada?
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Antes de responder a pergunta, é essencial compreender o contexto atual do bitcoin , como sua cotação funciona e quais são as questões ligadas ao estigma da moeda, que ficou conhecida como meio de pagamento no comércio ilegal da deep web . Mas por quê? Como as moedas criptografadas oferecem mais privacidade ao não demandarem intermediários entre o pagador e o receptor, o surgimento de transações ilegais foi estimulado.
Entre os itens vendidos, estão desde drogas e armas até o tráfico de pessoas. De acordo com o advogado especialista em Tecnologia da Informação, Ricardo Nicoletti, esse estigma tem sido quebrado, porque mais e mais usuários se conectam à rede a cada dia que passa. Além do mais, organizações e países têm incentivado o uso da moeda, fazendo com que seu reconhecimento e legitimidade cresçam gradualmente.
Regulamentação estatal
Recentemente, o primeiro-ministro do Vietnã, Nguyễn Xuân Phúc, afirmou que regulamentará o uso do bitcoin até 2019. A ação, no ponto de vista de Nicoletti, está essencialmente ligada à arrecadação de impostos e à insegurança em relação à privacidade dos usuários. Em relação a este segundo ponto, o advogado entende que a criptomoeda veio para ficar, já que se trata uma tecnologia segura e relativamente barata, que pode ser usada de forma simples e rápida pela maioria da população mundial.
Sobre a hipótese de um cenário apocalíptico para as moedas físicas e para os governos, Nicoletti avalia que, a princípio, esses elementos não estão sendo de fato ameaçados pois a diferença no número de transações entre as moedas físicas e virtuais é muito grande. Ainda assim, diante de um cenário essencialmente capitalista e de forte globalização, é provável que haja um impacto na arrecadação de impostos.
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O crescimento do bitcoin se torna benéfico para empreendedores que enxergam o sistema tributário brasileiro como problemático. Segundo Nicoletti, pequenas empresas já estão sendo construídas com o bitcoin como alicerce. "Assim, a nova tecnologia incentiva o desenvolvimento e a concorrência empresarial no mundo", explica.
No entanto, há outro ponto que deve ser avaliado. Ao mesmo tempo em que a cobrança de impostos é dificultada pelas moedas criptografadas, o aumento de sua circulação gera dificuldades para rastrear e punir determinados crimes financeiros. Isso acontece porque o sistema ponto a ponto (P2P) utilizado para realizar as transações funciona de modo que as informações das transações sejam espalhadas pelos computadores conectados à rede e dificulta a localização de um servidor central.
Supervalorização
Na última segunda-feira (4), a China barrou o bitcoin e fez a moeda ser desvalorizada em cerca de 20%, deixando a cotação US$ 4.319, marca equiparável à do final de agosto. O contexto é de baixa, mas ainda assim é inegável a supervalorização que a criptomoeda teve em 2017. Em janeiro, uma unidade dela valia US$ 1 mil, e em meados de julho e agosto o valor era quatro vezes maior. Seria esse o fenômeno da bolha?
Nicoletti avalia que é muito cedo para dizer com certeza que o bitcon é uma bolha. Aos desesperados com a possibilidade, o especialista dá certa tranquilidade. "Não parece ser tão somente mais uma bolha. A moeda tem um limite já fixado, alcançando seu número máximo no ano de 2140, isto é, a moeda não será mais gerada e não será colocado em circulação novos bitcoins. Desta forma, é bem provável que em algum momento seu uso, aceitação e compreensão como um todo estabilize a cotação".
Forma de investimento?
Criada em 2009 por um programador identificado como Satoshi Nakamoto em um artigo, o bitcoin foi consensualmente criado como uma nova forma de pagamento em que não admite intermediários. Porém, a supervalorização da moeda deixa até mesmo os mais leigos em investimento se questionando se é ou não um bom negócio investir na tecnologia.
A resposta de Nicoletti para essa indagação é que "apesar de alguns casos isolados, o bitcoin não pode ser considerado uma fonte de rendimento, mas sim (somente) uma forma de pagamento. Esse é o real objetivo que guiou sua criação desde o começo", avalia.
O educador financeiro do Blog de Valor, André Bona, tem uma opinião parecida e faz uma análise comparando a criptomoeda ao dólar. "O dólar por si só não gera juros em dólares e nem dividendos. Pode ser que ele vire mais ou menos reais, e então você tem um duplo prejuízo, mas ele não gera retorno sobre ele mesmo. Se você tem um dólar, sempre terá um dólar".
Para Bona, o mesmo acontece em relação ao bitcoin. Por conta disso ele não é caracterizado, conceitualmente, como um investimento. Contudo, o educador financeiro ressalta que o fato da moeda criptografada não se enquadrar como investimento, não quer dizer que é impossível ter lucros ou prejuízos com ela.
Já para o diretor de negócios da CryptoDoor, Rodrigo Celick, a potencialidade da moeda está diretamente ligada a sua utilização e ela é uma ótima opção para investidores. "Se pegarmos o histórico de cotação em relação ao dólar apenas neste ano, a valorização se aproxima dos 350%. A moeda começou o mês de setembro valendo aproximadamente US$ 4.718, sendo que a expectativa de valorização até o final desse ano ultrapasse os US$ 6 mil", afirma.
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O quadro, segundo Celick, se adequa à sua definição de bom investimento, ou seja, aquele que agrega valor ao investidor dentro de suas condições, habilidades e perfil. Além do mais, a seu ver, uma boa aplicação não é apenas caracterizada pela sua capacidade de retorno – rentabilidade – mas também pela segurança ao investidor e dentro da liquidez desejada.
Seria o Bitcoin uma moeda mundial?
Para Ricardo Nicoletti: sim. O que não significa que a tecnologia represente uma ameaça às moedas de outros países. No entanto, sua forma de transferir riquezas e fazer todo o sistema funcionar ameaça a forma, estrutura e estabilidade econômica como conhecemos e lidamos, que é baseada em valores e produção de bens.
Estariam então os bancos sendo ameaçados?
O fato é que quanto mais moedas criptografadas forem utilizadas, menos os bancos vão faturar. "Como a rede não depende de um centralizador, como necessita a rede de cartões de crédito e transferências financeiras, os bancos deixam de ganhar relevantes quantias que ganham atualmente com a movimentação tradicional de valores que temos no planeta", diz Nicoletti.
O especialista conta que, cientes dessa circunstância, diversos bancos já estudam e até mesmo investem na tecnologia de moedas criptografadas e na forma com que as informações e transações são registradas por meio do Blockchain.
Nicoletti deixa claro que não há uma batalha entre as instituições financeiras e o Bitcoin, mas que o novo sistema desenvolverá engenharias para contornar os bancos nos próximos anos. E se por ocasião, no futuro, a guerra entre os dois lados acontecer, os bancos poderão atuar com mecanismos que pressionem os governos ou que tragam grande instabilidade para a cotação da moeda.