Com frequência assistimos a discursos inflamados de políticos de várias vertentes dizendo que as taxas de juros no Brasil são absurdas (para dizer o mínimo) e culpam os banqueiros (“gananciosos”) e até o presidente do Banco Central do Brasil (BACEN) por esse resultado. Em particular, até o presidente da República tem se esmerado em fazer tais afirmações .
O grande problema é que, seja por ignorância (no sentido estrito da palavra) ou por puro populismo, nenhum deles toca nos reais motivos pelos quais nossa taxa de juros é realmente elevada. Em verdade, para entender o problema, precisamos ter em mente ao menos três questões.
A primeira, que os bancos são intermediários financeiros que colocam poupadores em contato com quem necessita de crédito. Assim, tirando a parte do dinheiro que fica em suas respectivas tesourarias (dinheiro da própria instituição), todo o resto é recurso dos poupadores, que incluem pequenos investidores, pessoas da classe média e até mesmo fundos de pensão. Ou seja, a ideia de que só os ricos e banqueiros ganham com os juros elevados é um tanto quanto falaciosa.
A segunda questão a se entender é que os juros nada mais são do que o preço do dinheiro. Assim, se existe muita demanda para pouca oferta de crédito, a tendência é que esse preço suba e vice-versa. Ademais, se o risco de se emprestar se elevar, é natural que poupadores exijam remunerações mais elevadas (juros mais altos) para emprestar.
O terceiro ponto a ter-se em mente é que toda transação financeira envolve custos, tais como aqueles associados à parte operacional da instituição financeira, à captação do dinheiro, à inadimplência, à tributação, etc. É natural, portanto, que a instituição procure cobrir esses custos e receber um spread (lucro) no processo de intermediação, pois, do contrário, não teria sentido realizar empréstimos. Obviamente que quanto maior o nível de concorrência em cada segmento financeiro, menor será o spread bancário.
Mas, para além desses aspectos, é importante entender que o Estado é o maior responsável pelos juros elevados no país. Em primeiro lugar porque, ao gastar mais do que arrecada continuamente, acaba criando um excesso de demanda no mercado por bens e serviços na economia, o que implica gerar inflação.
E para corrigir esse processo, o Banco Central, por meio da política monetária, é obrigado a elevar os juros primários na economia (a taxa Selic), desestimulando o consumo dos demais agentes econômicos (inclusive com efeitos ruins sobre o nível de emprego e investimentos).
A permanência de déficits constantes, quando não cobertos por tributação adicional, também obriga o governo a ir ao mercado contrair empréstimos por meio de títulos públicos, elevando-se, assim, a demanda por crédito no mercado e, consequentemente o preço do dinheiro (juros).
Vejam que o aumento da dívida, ao longo do tempo, cria uma percepção ruim de que, no futuro, o governo possa não honrar esse compromisso. Em outras palavras, a percepção do risco de um calote futuro pode fazer com que os investidores (poupadores) exijam juros mais altos para financiar o Estado, o que também impacta negativamente todo o mercado de crédito.
Nessa mesma linha, devemos lembrar que o risco também se eleva quando o Legislativo resolve apresentar propostas esdrúxulas sobre controle de juros (como o recente aprovado Projeto de Lei do Desenrol a – PL 2.685/22) ou quando, no âmbito do Judiciário, temos decisões contraditórias e que, a pretexto de proteger o consumidor, criam uma enorme insegurança jurídica ou que caminham no sentido de dificultar a recuperação do crédito concedido. E, novamente, em um ambiente de risco mais elevado, os poupadores tendem a ofertar menos dinheiro ou exigir maiores taxas.
E tudo isso sem falar das distorções criadas pelo governo que, por exemplo, usa seus bancos públicos para fornecer juros subsidiados a setores privilegiados, inclusive com dinheiro do trabalhador e do contribuinte. Um bom exemplo é o caso do BNDES, que, durante anos, atuou dessa maneira, inibindo qualquer tentativa de se criar um mercado de crédito de mais longo prazo no país, que, ao longo do tempo, permitiria também baixar os juros neste segmento de mercado.
Então, diante desse quadro, qual seria a prescrição adequada para baixar os juros no país? Em primeiro lugar, o Estado deveria corrigir sua trajetória das contas públicas. Ao fazer isso, tornar-se-ia um componente a menos de pressão inflacionária, demandaria menos recursos no mercado financeiro e minimizaria a percepção de risco dos agentes econômicos.
Em segundo, deveria rever mecanismos de atuação no mercado financeiro que só geram distorções e passar a estimular a criação de um mercado de crédito de longo prazo, principalmente voltado à infraestrutura.
Em terceiro, trabalhar fortemente em legislações que favoreçam a recuperação do crédito e exercer um papel de advocacy (promotor de ideia racionais) junto ao Judiciário, no sentido de esclarecer o risco de decisões baseadas apenas em “argumentos consumeristas” (sem qualquer base econômica) se tornarem um tiro no pé do próprio consumidor. Mais do que isso, demonstrar que garantir a segurança jurídica é condição indispensável para se reduzir mais efetivamente os juros no país.
Em quarto lugar, ser mais ativo em áreas relacionadas à defesa da concorrência e concorrência regulatória, impedindo definitivamente concentrações excessivas e punindo com mais rapidez e rigor condutas anticompetitivas. Aqui cabe uma ação mais integrada entre CADE e BACEN.
Em quinto, investir mais na correção de assimetrias informacionais no mercado financeiro e, principalmente, em educação financeira, fazendo uso dos órgãos de defesa do consumidor e do próprio Bacen. Note-se que quanto mais informados e preparados estiverem os tomadores de crédito sobre a dívida que estão contraindo e sobre suas reais capacidades de pagamento, menor a chance de os bancos cobrarem juros mais elevados.
Claro que essas não são medidas de curto prazo, mas são aquelas que, no final do dia, resolverão de vez o problema do alto custo do dinheiro no país.