No dia 1º de setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para recriar a lógica do imposto sindical obrigatório (extinto em 2017 com a Reforma Trabalhista) por meio, agora, da cobrança compulsória de uma contribuição assistencial.
Com isso, os sindicatos poderão convocar uma assembleia com qualquer número de trabalhadores presentes e definir o valor a ser cobrado, que deverá ser descontado pelas empresas da folha de pagamento dos seus empregados, mesmo que estes não sejam sindicalizados.
Para que isso não aconteça, cada trabalhador poderá comunicar seu empregador que não deseja pagar tal contribuição. No entanto, a decisão do Supremo não esclarece como isso se dará, abrindo portas para gerar todo tipo de ônus para os trabalhadores que não quiserem arcar com esse custo, além de estimular um comportamento passado ruim por parte dos sindicatos.
Há dois aspectos que devem ser considerados para se entender o efeito da decisão do Supremo. O primeiro, de ordem legal, está relacionado ao quanto estipulado no artigo 8º da Constituição Federal, que define o monopólio da negociação coletiva e da representação dos sindicatos, além da impossibilidade de qualquer tipo de interferência ou intervenção governamental, sendo que não há previsão para controle privado.
Em outras palavras, o monopólio sindical tem o poder de cobrar o valor que bem entender de seus representados, sem a obrigação de prestar contas de seus atos. Vale lembrar que houve uma tentativa de minimizar esse problema em 2008. Quando da aprovação da Lei 11.648/2008, o Congresso buscou condicionar os recursos das centrais sindicais à apreciação de suas contas pelo Tribunal de Contas da União, mas o respectivo artigo foi vetado pelo então presidente Lula.
Já o segundo aspecto envolve lógica econômica e pode ser compreendido a partir do que se conhece, em modelos de governança, por problema de Agente-Principal. A ideia é relativamente simples de ser entendida a partir de uma análise sequencial.
Inicialmente, podemos entender os trabalhadores como um grupo (aqui denominado de “Principal”) que delega aos sindicatos (seus “Agentes”) a missão de negociar com as empresas melhores salários e condições de trabalho, por exemplo. Ou seja, haveria um mandato a ser cumprido pelos sindicatos.
Entretanto, pode ser que aqueles que recebem esse mandato (sindicalistas) tenham outros interesses, tais como político-partidários, e passem a direcionar os recursos arrecadados para eleger seus correligionários ou se contraporem a adversários políticos. Aliás, há muitos que consideram que várias entidades se tornaram braços sindicais de determinados partidos políticos.
Nesse contexto, teríamos os “incentivos desalinhados” entre o Principal (grupo de empregados) e o Agente (sindicatos), sendo que o segundo deixaria de cumprir o mandato recebido do primeiro para atender aos próprios interesses.
E isso tende a ser tão mais provável quanto maior for o nível de assimetria informacional vigente nessa relação. E aqui se forma mais um elo da cadeia. Na medida em que os sindicatos não são submetidos a auditorias independentes e não prestam informações adequadas aos trabalhadores, mais fácil será se desviar do mandato recebido e direcionar recursos financeiros e esforços para outras ações que não aquelas esperadas pelos trabalhadores.
Esse processo pode envolver gastos que atendam a interesses político-partidários específicos, inchaço da máquina sindical, desvio de verbas para “prestadores de serviços”, corrupção, dentre tantas outras coisas. Claro que alguém poderia alegar que os empregados sempre podem pedir informações sobre a atuação dos sindicatos, mas, quem já tentou abrir essa caixa preta, seja por via administrativa ou judiciária, sabe que é praticamente uma luta inglória.
Na realidade, o custo de transação para quem trabalha é muito elevado, ainda mais porque os ganhos dos desvios são concentrados em poucos (nos sindicalistas) e as perdas acabam por se diluir entre vários (empregados), não gerando incentivo para que esse tipo de questionamento ocorra e, se ocorrer, seja efetivo para tornar a atuação sindical eficiente.
Fato é que essa lógica perversa só será quebrada quando os nossos legisladores acabarem de vez com o monopólio no sindicalismo e a obrigatoriedade de pagamento de contribuições. Isso porque a possibilidade de haver competição entre sindicatos fará com que os trabalhadores procurem aqueles que estiverem, de fato, alinhados com seus interesses, que cobrem menores valores de contribuição e que estejam dispostos a dar mais transparência na sua atuação.
Note-se que não estou aqui discutindo a importância que os sindicatos possam ter no processo de negociação de salários e outros termos no mercado de trabalho. Eles, de fato, podem estabelecer um equilíbrio mais equânime e estável entre as forças demandantes (empregadores) e ofertantes (empregados) de mão-de-obra. Mas, para isso, precisam voltar a ter os interesses alinhados com seus representados e serem mais eficientes.
Entretanto, o que o Supremo decidiu na última semana foi diametralmente oposto a essa lógica. Os incentivos criados foram os piores possíveis, estimulando um comportamento ineficiente e sem qualquer compromisso com as melhores práticas de boa governança por parte dos sindicatos.