Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu por mais um corte na taxa de juros, de meio ponto percentual, levando a taxa Selic para 12,75% ao ano, conforme amplamente esperado por diversos agentes e já sinalizado pela entidade monetária. Na ata da reunião, o colegiado expôs não apenas os motivos da sua escolha, como de costume, mas também indicou que um novo corte na mesma magnitude deve ocorrer na próxima reunião. Como sabemos, o Banco Central não corta a taxa de juros de uma vez, optando por suavizar os movimentos .
Na discussão sobre o cenário macroeconômico e o balanço dos riscos envolvidos, o Banco Central trouxe a sua preocupação com as expectativas da inflação em relação à meta. Muitas vezes, quando a entidade monetária e os analistas utilizam essa expressão (ou essa variável em seus modelos) “expectativas”, baseiam-se na pesquisa semanal feita pelo Banco Central (cujos resultados são divulgados no Relatório Focus). Mas não são apenas bancos, corretoras, consultorias e gestoras de recursos, por exemplo, que formam alguma opinião sobre o que pode acontecer com a inflação. Longe disso.
O FGV IBRE divulga, desde 2014, um indicador de expectativa de inflação para os consumidores. Para termos uma ideia da diferença em relação à pesquisa Focus, eu calculei os desvios mensais das expectativas de inflação frente em 12 meses frente à meta do ano, tanto para as projeções do Focus, quanto para as expectativas das famílias, ambas representadas pelas linhas azul e vermelha no gráfico, respectivamente.
É muito interessante avaliar o que aconteceu após a pandemia. Nas áreas hachuradas do gráfico, temos as recessões definidas pelo CODACE, o comitê de ciclos econômicos da Fundação Getúlio Vargas. Após a última recessão registrada no Brasil, houve uma tendência inicial de queda no desvio das expectativas em relação à meta por parte do “mercado”, que depois começou a subir. Já para os consumidores, a tendência foi de forte alta desde que acabou a recessão. Houve um pico em torno de oito (!) pontos percentuais. Depois, o desvio das expectativas das famílias começou a declinar, assim como o que ocorreu com a pesquisa Focus, em nível consideravelmente menor.
Ao final de agosto (e já com os dados de setembro que não constam no gráfico), observamos que a pesquisa Focus aproximou suas projeções medianas da meta e o desvio, ainda que positivo, é menor do que foi no passado recente. Isso também é verdade para os desvios das expectativas dos consumidores, mas estes ainda acreditam em uma inflação quatro pontos percentuais acima da metas.
Por que isso ocorre? A literatura mostra que os agentes recebem sinais de mudanças de preços relativos e formam as suas expectativas. No caso dos consumidores, alguns preços são mais influentes do que outros, como o caso de alimentação e de combustíveis. Dados os choques que o mundo viveu recentemente, era de se esperar divergência entre “mercado” e famílias, já que avaliam cestas e informações diferentes (e de maneiras diferentes).
É crucial, no entanto, que o processo de ancoragem de expectativas se dê não apenas entre os respondentes da pesquisa Focus ou nas medidas extraídas dos preços dos produtos financeiros. Empresas e famílias também precisam acreditar no cumprimento da meta por parte do Banco Central, para que a condução da política monetária seja mais fácil. Portanto, no que tange às expectativas dos consumidores, o Banco Central ainda tem um longo trabalho pela frente (de comunicação, inclusive). As famílias, aparentemente, ainda custam a acreditar no cumprimento da meta por parte do Banco Central. Isso é verdade pelo menos desde 2005 (note que os desvios apresentados na linha vermelha são sempre positivos), ou seja, em toda a amostra coletada pelo FGV IBRE, a mediana do que os consumidores esperam é sempre maior do que a meta. Precisamos de pelo menos uns dois pontos percentuais de redução nos expectativas de inflação dos consumidores para retornarmos a patamares mais confortáveis. Será que o Banco Central vai conseguir convencer as famílias logo? Torçamos para que sim.