Fernando Capez, diretor executivo do Procon
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Fernando Capez, diretor executivo do Procon

Não é segredo para ninguém que hoje vivemos em uma sociedade de consumo, na qual produtos e serviços são disponibilizados pela iniciativa privada no mercado, competindo as empresas entre si no seu segmento de atuação. Na busca da fidelização da clientela e solidificação da marca, são utilizados inúmeros artifícios para demonstrar que o produto ou serviço que representam se destacam dos demais, seja pela qualidade diferenciada, melhor técnica na elaboração; ou até mesmo, melhores condições de pagamento.

Nesse contexto, visando atingir o maior número de consumidores possível, as campanhas publicitárias se destacam como meio eficaz de comunicação com a sociedade. Para tal, empresas empregam boa parte de seu capital na contratação de agências de publicidade especializadas no meio televisivo, radiofônico, impresso e digital. Portanto, toda vez que falamos em publicidade de produtos e serviços, direcionamos nossas atenções para vários atores que conjugam esforços na construção da mensagem que será veiculada.


Anunciante (empresa que busca veicular seu produto ou serviço); agência publicitária (empresa especializada contratada pelo anunciante para construção da mensagem publicitária); celebridades (personalidades contratadas pelas agências para darem rosto e voz à mensagem construída) e veículos de comunicação (plataformas onde foram divulgadas as mensagens publicitárias) tornam-se parceiras, cada qual no seu ramo de atuação, na tentativa de convencer o consumidor que o produto que representam é o melhor.

Diante dessa situação indaga-se: Quem tem o dever de indenizar pelos danos causados ao consumidor em caso de publicidade enganosa ou abusiva? Nos parece inconteste o entendimento de que o anunciante sempre responde objetivamente pelos danos provocados aos consumidores, assim como as agências de publicidade e os veículos de comunicação, quando prestadores de seus próprios serviços. O questionamento remanesce quanto a responsabilidade dos diferentes atores envolvidos no processo de criação e distribuição da publicidade quando contratados pelo anunciante como terceiros prestadores de serviço.

A melhor doutrina nos apresenta três posicionamentos e o Superior Tribunal de Justiça enfrentou a questão em julgado específicos, que analisaremos adiante. A primeira corrente doutrinária, representada pelo Prof. Fábio Ulhôa Coelho, entende que a responsabilidade de indenizar consumidores por danos advindos da publicidade é única e exclusiva do anunciante. Fundamenta seu entendimento na interpretação do art. 38, CDC, que versa acerca do ônus da prova quanto à veracidade e correção de informações trazidas em mensagens publicitárias, in verbis:


Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Por seu turno, a segunda corrente doutrinária, encabeçada pelo Min. Herman Benjamin, entende que apenas o anunciante poderia ser responsabilizado objetivamente (independente de dolo ou culpa) pelos danos que a mensagem publicitária tenha causado aos consumidores, porém, não exclui por completo a possibilidade de a agência e os veículos de comunicação também responderem caso tenham agido com dolo ou culpa, ou seja, atribuindo-lhes a responsabilidade subjetiva.

Nesse sentido, citamos Herman Benjamin, “CBDC Comentado”, op. cit., p. 356, Apud. Lucia Ancona Lopez de Magalhães Dias, em “Publicidade e Direito”, 3ª ed, 2018, p. 424: “O anunciante, como já dito, é responsável, no plano cível, objetivamente pela publicidade enganosa e abusiva, assim como cumprimento do princípio da vinculação da mensagem publicitária. Já a agência e o veículo só são corresponsáveis quando agirem dolosa ou culposamente, mesmo em sede civil”.

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Por fim, a terceira linha doutrinária, representada por Scartezzini Guimarães, sustenta que além dos anunciantes; as agências de publicidade, veículos de comunicação, e até mesmo as celebridades contratadas para emprestarem sua imagem e voz à campanha, são solidários e objetivamente corresponsáveis pelos danos que o consumidor tenha sofrido em razão da mensagem veiculada.

Como fundamento legal, são aludidos os arts. 7º e 25, § 1º, CDC. De forma geral, ambos os artigos, quase que com a mesma redação, dispõe sobre a responsabilidade solidária na reparação de danos ao consumidor quando existente mais de um autor do dano.

O STJ, no REsp 604.172/SP, 3ª Turma, julgado em 27/03/2007, em voto de lavra do Min. Humberto Gomes de Barros, compartilhou do entendimento da primeira corrente, defendida pelo Prof. Fábio Ulhôa Coelho, assim afirmando:

“Os deveres impostos nos capítulos de oferta e publicidade somente atingem os veículos de propaganda, comunicação e anúncios quanto estejam na condição de fornecedores. P art. 38 do Código protecionista diz que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem os patrocina. Portanto, o art. 38 exclui a responsabilidade dos veículos de comunicação por eventual publicidade enganosa ou abusiva, pois o ônus da prova de veracidade e correção (ausência de abusividade) é do fornecedor anunciante, que patrocina a propaganda ou anúncio, tanto que o art. 36 impõe que mantenha, em seu próprio poder, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem para informação dos legítimos interessados”. (in. DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães, “Publicidade e Direito”, 3ª ed. 2018, p. 424).

Todavia, com a análise individual de cada caso, passamos a encontrar precedentes em julgados da mesma Corte que, em razão da constatação de dolo ou culpa grave do veículo de comunicação, estes passaram a integrar o polo passivo das ações reparatórias consumeristas como corresponsáveis pelo gravame causado ao consumidor. Incorreria em dano doloso ou culpa grave o veículo de comunicação que anunciasse publicidade que enaltecesse práticas manifestamente ilícitas ou, como bem exemplifica Lucia Ancona Lopez de Magalhães, em“Publicidade e Direito”, 3ª ed. 2018, p. 429, em caso de anúncio de produto financeiro de instituição bancária que se sabe falida. Segue abaixo trecho de julgado do STJ que corrobora com tal entendimento.
“Responsabilidade Civil. Recurso Especial. Anúncio erótico falso publicado em site de classificados na internet. Dever de cuidado não verificado. Serviços prestados em cadeia por mais de um fornecedor. Site de conteúdo que hospeda outro. Responsabilidade civil de todos que participam da cadeira de consumo. (...) A responsabilidade dos demais integrantes da cadeia de consumo, todavia, não decorre de seu agir culposo ou fato impróprio, mas de uma imputação legal que é servil ao propósito protetivo do sistema. 4. No caso em apreço. O site O Click permitiu a veiculação de anúncio em que, objetivamente, comprometia a reputação do autor. Com efeito, é exatamente no fato de o veículo de publicidade não ter de precavido quanto à procedência do nome, telefone e dados de oferta que veiculou, que reside seu agir culposo, uma vez que a publicidade de anúncios desse jaez deveria ser precedida de maior prudência e diligencia, sob pena de se chancelar o linchamento moral e público de terceiros. 5. Mostrando-se evidente a responsabilidade civil da empresa Mídia 1 Publicidade, propaganda e Marketing, proprietária do site O Click, configurada está a responsabilidade civil da TV Juiz de Fora, proprietária do site panorama.com, seja por imputação legal decorrente da cadeia de consumo, seja por culpa in elegendo”. (STJ, REsp 997.993-MG, j. 21/06/2012, 4ª Turma, rel. Min. Luiz Felipe Salomão).

Com relação aos atores e atrizes contratados para emprestarem seu rosto e voz nas publicidades, majoritariamente têm se entendido que não podem ser responsabilizados pelos danos que o produto ou serviço causaram à terceiros, vez que recebem as falas prontas, previamente construídas pelos profissionais de marketing e publicidade, servindo apenas como instrumento vocal ou gestual da mensagem que se pretende passar. Nesse sentido decidiu o STJ, no REsp 1.157.228/RS (2009/0188460-8), j. 03/02/2011, em voto de lavra do Min. Aldir Passarinho Júnior:

“A responsabilidade pelo produto ou serviço anunciado é daquele que confecciona ou presta, e não se estende à televisão, jornal ou rádio que o divulga. A participação do apresentador, ainda que este assegure a qualidade e a confiabilidade do que é objeto da propaganda, não o torna garantidor do cumprimento das obrigações pelo anunciante”. (in. DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães, “Publicidade e Direito”, 3ª ed. 2018, p. 434/435).

Contudo, deve ser ressaltado que hodiernamente assistimos ao fenômeno dos influenciadores digitais que, à título de veiculação de opinião pessoal, acabam por fazer verdadeira publicidade oculta de produtos ou serviços. Nesses casos, torna-se praticamente impossível a verificação de se a mensagem efetivamente retratava a opinião pessoal do influenciador ou se era produto de acordo publicitário subjacente.

Nesses casos, em específico, será necessária posterior análise de nossos Tribunais Superiores acerca da construção jurisprudencial de eventual imputação de responsabilidade objetiva de influenciadores digitais.

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