Cenário externo abafa eleições no Brasil e determina disparada do dólar em 2018
Guerra comercial entre China e EUA se sobrepôs à prisão de Lula e à vitória de Bolsonaro, fazendo a moeda saltar de R$ 3,26 para R$ 3,85 em 12 meses
Por Anaís Motta | – Brasil Econômico |
A guerra comercial travada entre China e Estados Unidos, o pessimismo generalizado em relação aos países emergentes e até a saída do Reino Unido da União Europeia – o famoso Brexit – foram os principais responsáveis pela disparada do dólar frente ao real em 2018. Apesar das expectativas do mercado financeiro para as eleições presidenciais, a moeda norte-americana, que começou o ano valendo R$ 3,26 e deve terminá-lo na casa dos R$ 3,85, foi muito mais influenciada pelo exterior que pelos eventos nacionais.
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"É preciso ter em mente que os acontecimentos internacionais têm muito mais efeito sobre o dólar do que os locais", explica Michael Viriato, professor da área de Finanças do Insper (SP). "Às vezes temos algo pontual, como as declarações do Joesley [Batista, empresário e um dos donos da JBS] no ano passado, por exemplo, mas esses são eventos extremos. Fora isso, o câmbio é uma medida muito mais externa, mesmo", completa.
Até março, poucos fatores (aqui ou lá fora) foram capazes de puxar o dólar para cima ou para baixo de forma mais drástica. A moeda atingiu seu menor valor (R$ 3,14) em 26 de janeiro, dois dias após a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex de Guarujá (SP). Para o mercado, a decisão enfraqueceria a candidatura de Lula à Presidência e aumentaria as chances de vitória de um candidato com agenda mais liberal e reformista.
O otimismo, porém, durou pouco. Já no início de fevereiro, o dólar batia a casa dos R$ 3,30, influenciado principalmente por uma forte queda no mercado acionário norte-americano. A moeda se estabilizou, oscilando entre R$ 3,22 e R$ 3,26 até meados de março, quando as primeiras políticas protecionistas dos EUA começaram a ser anunciadas. A primeira "vítima" das sanções de Donald Trump foi a Rússia, acusada de tentar interferir nas eleições presidenciais de 2016 através de ataques cibernéticos.
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A partir daí, a moeda norte-americana nunca mais voltou ao patamar do início do ano, engatando uma crescente aguda até a primeira quinzena de maio, pouco antes do início da greve dos caminhoneiros , quando chegou a valer R$ 3,73. A paralisação, que causou prejuízos e desabastecimento em diversas partes do País, conseguiu fazer o dólar recuar um pouco – mas não por muito tempo. A essa altura, a guerra comercial entre China e EUA já havia tomado forma e preocupava o mercado, que reagiu aos ataques de ambos os lados.
Duelo de titãs
Em 2018, China e EUA protagonizaram uma guerra comercial que abalou a economia global. O imbróglio entre as duas maiores potências do mundo, contudo, não é bem uma surpresa: em 2016, durante a campanha eleitoral, Trump já sinalizava que combateria os produtos "made in China" e adotaria a política "America First" ("América em primeiro lugar", em tradução livre), fortalecendo a produção norte-americana em detrimento dos importados.
Para o professor Viriato, apesar de os efeitos dessa guerra comercial terem afetado economias do mundo inteiro, foram os países emergentes – incluindo, claro, o Brasil – que mais sofreram com os ataques. "De forma mais acentuada, [o embate entre China e EUA atingiu] a Argentina e a Turquia, que estavam em uma situação fiscal mais delicada. Mas isso acabou puxando nosso País para o mesmo saco, e explica a supervalorização do dólar frente ao real", comenta.
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A avaliação de Viriato é compartilhada por João Ricardo Costa Filho, professor de Economia do Ibmec (SP). Na visão de Costa Filho, o mercado financeiro demorou muito para colocar as eleições presidenciais nos preços, o que acabou submetendo a variação do câmbio, em grande parte, ao exterior. "[A guerra comercial] Trouxe muitas incertezas ao dólar. O mercado ficou apreensivo quanto ao desfecho dessa situação, não sabia para qual dos lados seria mais prejudicial. Acho que essa cautela explica a subida [do dólar]", diz.
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Eleições presidenciais
Em agosto, as tensões comerciais no exterior deram uma trégua, abrindo espaço para que as eleições brasileiras voltassem a ser o foco de atenção dos investidores. As primeiras pesquisas de intenção de voto apontavam Lula na liderança da corrida presidencial, e o mercado temia que o ex-presidente, inelegível pela Lei da Ficha Limpa, atuasse como cabo eleitoral de outro candidato menos comprometido com o controle das despesas e a aprovação de reformas estruturais.
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No final do mês, a moeda norte-americana, cotada a R$ 4,14, chegou ao seu maior valor desde janeiro de 2016. A disparada é justificada, em partes, pelas incertezas em relação a Lula: na época, o STF (Supremo Tribunal Federal) sinalizou que analisaria um recurso da defesa do ex-presidente no mês seguinte. Contrária a uma decisão da Corte que negou habeas corpus a Lula em abril, a ação poderia desencadear a soltura do petista – tudo o que o mercado financeiro não queria.
Os investidores se acalmaram a partir da segunda quinzena de setembro. Nesse momento, o PT já havia desistido oficialmente da candidatura de Lula e anunciado Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, para concorrer à Presidência. Mesmo contando com o apoio do ex-presidente, que chegou a aparecer em algumas de suas peças de campanha, Haddad não conseguiu bater Jair Bolsonaro (PSL) – o "candidato do mercado" – nas urnas. O dólar, então, se estabilizou, encerrando o mês de outubro na casa dos R$ 3,70.
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"É normal que os investidores tenham ficado cautelosos em relação ao Lula. Mas quando o mercado financeiro percebeu que a chance de vitória de outro candidato que lhe favorecia era maior, aí mudou a 'chavinha'", explica Costa Filho. "Do primeiro para o segundo turno, esse movimento fica claro. Havia muita expectativa de que a política econômica do próximo governo seria alinhada aos interesses dos investidores, então o mercado se acalmou."
Ajuste de expectativas
No último trimestre de 2018, as questões nacionais foram deixadas de lado e o exterior voltou a causar turbulências na cotação do dólar. No final de novembro, a moeda chegava a R$ 3,91, influenciada principalmente pelo acordo entre líderes europeus e Reino Unido quanto ao Brexit e pelas expectativas sobre o aumento dos juros nos EUA, que foi discutido pelo Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) e seria divulgado alguns dias depois.
A partir daí, principalmente após a trégua entre China e EUA, restou ao mercado se adaptar às sinalizações de Bolsonaro quanto à política econômica de seu governo. Para Pedro Rossi, professor de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor do livro "Taxa de câmbio e política cambial no Brasil", os investidores estão se "ajustando" ao presidente eleito. "O mercado está corrigindo as expectativas criadas durante as eleições. Isso explica um pouco da variação positiva que acompanhamos nos últimos dias", comenta.
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Embora não acreditem que seja possível prever o comportamento do dólar no próximo ano, os três professores apontam a reforma da Previdência como o principal, senão o único, fator interno que pode influenciar o câmbio – positiva ou negativamente. "Não adianta só ter gente boa no governo, tem que conseguir aprovar as medidas e reformas necessárias. Se encaminharmos ou aprovarmos a reforma da Previdência, o real vai se fortalecer muito. Mas sem a reforma, acredito que o dólar vá disparar", opina Costa Filho.