No primeiro semestre deste ano, passou de 57% para 64% o percentual de brasileiros que recorreram a alguma forma de trabalho extra ou “bicos” para complementar a renda . O índice é ainda maior nas classes C, D, e E, onde 70% dos trabalhadores não conseguiram se sustentar somente com um emprego. É o que mostra o estudo realizado pelo SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e pela CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) em todas as capitais e divulgado nesta segunda-feira (23).
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Ainda segundo o levantamento, cinco em cada dez brasileiros (51%) acreditam que as condições gerais da economia pioraram ao longo de 2018 em comparação com o mesmo período do ano passado. O dado representa um aumento de 12 pontos percentuais em relação à pesquisa de 2017, quando 39% dos entrevistados disseram enxergar a realidade do país de forma pessimista.
De acordo com Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil, esses números se justificam porque a recuperação da economia brasileira ainda é bastante sutil e surte pouco efeito prático no dia a dia da população. “O momento mais crítico da crise ficou para trás, mas isso não significa que a vida das pessoas tenha melhorado substancialmente”, explica. “A renda das famílias segue achatada e o consumo melhora a passos lentos porque o desemprego segue alto”.
Sacrifícios para driblar a crise
Com o cenário ainda complicado para as finanças, 83% dos brasileiros tiveram que fazer cortes no orçamento para contornar as consequências da crise econômica em 2018. Segundo o SPC, entre aqueles que contingenciaram os gastos, 61% reduziram ou abdicaram completamente de refeições fora de casa - um comportamento que apareceu com mais frequência entre as pessoas de renda mais alta, com 74% de citações.
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Outros cortes comuns no período foram os de roupas, calçados e acessórios (57%); itens de supermercados que não são considerados de primeira necessidade, como carnes nobres, congelados, iogurtes e bebidas (55%); e gastos com o lazer, como idas ao cinema e ao teatro (53%). Além disso, 30% dos consultados disseram que venderam algum bem para conseguir dinheiro extra.
Os dados do SPC corroboram com uma recente pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Só em junho, segundo o levantamento, 13,3% dos brasileiros queimaram suas reservas financeiras para bancar as contas do dia a dia. A caderneta de poupança foi exceção: de acordo com números divulgados pelo Banco Central, os valores depositados superaram os saques em R$ 5,6 bilhões no mês passado.
Assim como a necessidade de arranjar trabalhos extras para complementar a renda, o uso das economias guardadas também afeta de forma mais intensa a camada mais pobre da população. Entre os que ganham até R$ 2,1 mil, segundo análise detalhada do Ibre, 8,2% usaram suas reservas para despesas corriqueiras e 15,1% se declararam endividados. Do lado oposto, entre aqueles que ganham acima de R$ 9,6 mil, 16,1% usaram as próprias economias, mas apenas 3,7% disseram ter dívidas.
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O cenário visto pela população
De modo geral, 77% dos brasileiros declararam que ainda não sentem os efeitos da melhora da economia no seu dia a dia, seja nos preços dos bens e serviços que consome, seja nos juros, no emprego ou no consumo. Entre os entrevistados, de acordo com o SPC, 77% acreditam que os preços continuam aumentando; 56% consideram que as taxas de juros estão altas demais; e 54% argumentam que o mercado de trabalho segue sem contratar. Mais da metade (57%) disse que ficou desempregada ou conhece alguém da família que tenha passado por isso.
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Em contrapartida, 23% dos brasileiros relataram sentir no próprio bolso os efeitos da melhora na economia. Destes, 47% justificam sua posição dizendo que as pessoas voltaram a consumir e 36% acreditam que a criação de novos postos de trabalho está aumentando gradativamente.
“O Brasil passou por uma das recessões mais longas de sua história, com 11 trimestres consecutivos de retração no PIB”, lembra Marcela. “Mesmo com a inflação controlada, fica a impressão de que a economia do país está emperrada e isso só vai mudar quando o ritmo de crescimento se tornar mais vigoroso e a confiança for recuperada”, completa.
Desejos cancelados ou adiados
Ainda de acordo com o levantamento do SPC, a crise econômica fez com que somente 17% das pessoas consultadas conseguissem realizar algum sonho de consumo no primeiro semestre deste ano. E as perspectivas para o futuro não são boas: 69% dos brasileiros acreditam que será difícil concretizar projetos pessoais programados para 2018. Dentre planos os mais afetados, estão a formação de uma reserva financeira (51%), fazer uma grande viagem (33%) e comprar um carro (33%).
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Para os entrevistados, os principais obstáculos para a realização de seus projetos são a falta de dinheiro (61%) e o alto custo dos bens e serviços (56%). Mais da metade (53%) dos brasileiros admitiu ter ficado com as contas no vermelho por diversas vezes ao longo deste ano, e 37% ainda tiveram que recorrer a empréstimos em bancos ou à ajuda de familiares próximos para reorganizar o orçamento.
Planos para complementar a renda
Para colocar a vida financeira no lugar, 28% das pessoas consultadas desejam aumentar a renda no segundo semestre de 2018 fazendo algum trabalho extra ou bico. Organizar as contas de casa (26%), realizar mais pagamentos à vista (25%) e cortar gastos com lazer (21%) são outras estratégias utilizadas pelos brasileiros para melhorar sua situação financeira atual.
A maioria ainda está muito otimista: 42% dos entrevistados têm a expectativa de que as seu orçamento estará melhor no segundo semestre do que no primeiro. Outros 29% consideram que estará igual, enquanto 12% esperam que a situação vá se agravar.
Quando questionados sobre o cenário da economia brasileira no futuro, os participantes da pesquisa tiveram opiniões divididas. Para 39%, a situação estará melhor no segundo semestre, ao passo que 29% acham que nada mudará. Os pessimistas somam 15% da amostra.
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Em relação às eleições presidenciais, consideradas um dos principais acontecimentos do ano, pouco mais da metade (51%) dos brasileiros acreditam que vão interferir de alguma maneira no andamento da economia. Outros 27% pensam que não e 23% não souberam responder ao questionamento.