Michael Jensen e o desafio de ganhar do mercado
Reprodução/University of Virginia
Michael Jensen e o desafio de ganhar do mercado


Meu  artigo anterior nesta coluna foi uma homenagemao ganhador do Prêmio Nobel, Daniel Kahneman, que faleceu há alguns dias. Kahneman é o pai das chamadas Finanças Comportamentais, em que o investidor racional é substituído por um ser humano de carne e osso, que tem mesmo é aversão a perdas, e não a algo etéreo chamado “risco”.

O corolário dessa conclusão é que os mercados (formados, afinal, por seres humanos) não seriam tão eficientes quanto preconizam as teorias clássicas de finanças. Por mercados eficientes entendemos aqueles em que os preços dos ativos já embutem todas as informações disponíveis sobre eles. Em um mercado assim, não é possível ganhar de índices gerais de mercado, como o S&P500 ou o Ibovespa.

Vou aqui prestar homenagem a outro expoente das finanças, também falecido nos últimos dias, mas bem menos famoso do que Kahneman. Michael Jensen foi o autor do primeiro estudo conhecido sobre eficiência do mercado acionário americano, em um artigo de 1968, The Perfomance of Mutual Funds in the Period 1945-1964 , no Journal of Finance.

Neste artigo, Jensen seleciona 115 fundos de ações nos Estados Unidos com performance disponível entre 1955 e 1964. Destes, 56 fundos também têm performance disponível entre 1945 e 1954. O estudo de Jensen consistiu em medir a performance adicional ao que se poderia esperar de cada fundo, considerando o seu risco. Para tanto, usa o CAPM, em que o risco é medido pela sensibilidade de cada fundo aos movimentos do mercado como um todo. Chamamos essa sensibilidade de “beta”.

Se um fundo tem beta baixo, significa que tende a ter performance menos intensa do que a performance dos movimentos do mercado como um todo. Ou seja, se o mercado (medido, por exemplo, pelo S&P500) cair 1%, um fundo com beta igual a 0,5 tenderá a cair somente 0,5%. Este meio porcento adicional em relação ao índice (o fundo foi “menos pior” do que o índice) não foi “mérito” do gestor do fundo, mas simplesmente fruto de menos risco. Isso significa que um investidor sem expertise algum poderia obter o mesmo resultado simplesmente investindo metade da sua carteira no S&P500 e mantendo a outra metade em caixa. Neste mesmo exemplo, se o fundo tivesse obtido retorno de zero, este 1% adicional ao S&P500 (lembre-se, o S&P500 caiu 1%) seria apenas parcialmente explicado pelo seu beta. O restante seria fruto da expertise do gestor, não explicado pelo risco do fundo.

Jensen fez essa conta para todos os 115 fundos, e descobriu que, na média, este “ganho adicional” era, na verdade, uma perda. Mais especificamente, -1,1% ao ano. Ou seja, na média, os fundos de ações nos Estados Unidos entregaram 1,1% ao ano a menos do que se poderia esperar pelo risco assumido no período considerado. Isso depois de cobrada a taxa de administração. Antes da cobrança, esse retorno adicional foi de -0,1%, ou seja, praticamente zero, o que significa que, na média, os fundos de ações nos Estados Unidos simplesmente seguiam o mercado e, para isso, cobravam uma taxa de administração de aproximadamente 1% ao ano.

Depois de Jensen, milhares de outros acadêmicos testaram essa hipótese para vários mercados em vários países, inclusive no Brasil, ao longo dos anos. Este artigo não tem a pretensão de fazer uma revisão dessa literatura, mas simplesmente colocar a discussão: afinal, os mercados são ou não eficientes? Segundo o levantamento de Jensen, o mercado acionário americano foi eficiente entre 1945 e 1964, pois, na média, os fundos não conseguiram batê-lo. Isso não significa, contudo, que nenhum fundo tenha conseguido gerar retornos adicionais ao risco assumido. Dentre os 115 fundos, 49 conseguiram este retorno adicional, inclusive para pagar a taxa de administração. Um dos fundos, inclusive, gerou mais de 5% ao ano adicionais durante o período. O problema, claro, é saber quais fundos gerarão retornos adicionais no futuro. Sem nenhuma informação adicional, a média fala mais alto, pois selecionaremos um ou mais fundos aleatoriamente dentre os disponíveis.

Quando pensamos em investidores de sucesso, o nome de Warren Buffett se destaca. Com certeza, o mago de Omaha é um desses que já demonstrou expertise para bater os mercados. Sua empresa, a Berkshire Hathaway, que é o seu veículo de investimentos, apresentou a estonteante marca de 3.777.837% de retorno entre 1965 e 2022, contra 24.328% do S&P500 no mesmo período. Nada mal!

Mas vamos olhar um pouco mais de perto. No gráfico a seguir, mostramos os retornos acumulados do fundo em janelas de 10 anos, comparados com os retornos do S&P500 nas mesmas janelas:

Gráfico
Reprodução
Gráfico


A primeira barra cinza significa que a Berkshire Hathaway rendeu um pouco mais de 10% ao ano acima do S&P500 no decênio que vai de 1965 a 1974. No decênio seguinte, 1966 a 1975, a empresa rendeu um pouco menos de 5% ao ano a mais do que o S&P500 nesse período, e assim por diante, para cada janela de 10 anos. O melhor decênio foi o de 1976-1985, quando o fundo rendeu nada menos do que 36% ao ano acima do S&P500.

Observe agora o que acontece a partir do ano de 2011. No decênio que vai de 2002 a 2011, a empresa gera apenas 1,3% ao ano. E, no decênio seguinte (2003-2012), pela primeira vez em sua história, a empresa não consegue bater o S&P500 nesse período, rendendo 0,8% ao ano abaixo do índice. Note que os retornos são bem menores a partir de 2011, em comparação com as janelas anteriores. No período de 19 anos que vai de 2004 a 2022, a Berkshire Hathaway rendeu 542,9%, contra 549,2% do S&P500.

O que será que aconteceu? Será que Buffett perdeu o seu “toque de Midas”? Provavelmente, não. Acontece que a sua empresa ficou muito grande, e encontrar investimentos que façam a diferença se tornou mais difícil. Por isso certos fundos fecham para captação, para não ficarem muito grandes a ponto de não conseguirem mais bater o mercado. Isso acontece porque as distorções de mercado normalmente são pequenas em relação ao mercado como um todo. O que significa dizer que as ineficiências são rápidas e localizadas, enquanto os grandes mercados são, em geral, eficientes. O fato é que Buffett provavelmente deu algumas grandes tacadas nos primeiros anos da empresa, o que lhe permite mostrar retornos acumulados impressionantes, mas agora (nos últimos 20 anos) está tendo desempenho semelhante ao mercado como um todo.

São inúmeras as histórias de gestores que apresentam uma excelente performance no início, e depois, aparentemente, perdem a mágica. Por exemplo, esta reportagem da Bloomberg , sobre a sucessão na Bridgewater Associates, o famoso hedge fund da lenda Ray Dalio, comenta sobre o maior desafio de seu sucessor: acalmar clientes após anos de baixo retorno. Hoje, a empresa faz a gestão de US$ 75 bilhões, de um pico de US$ 100 bilhões.

No Brasil, o fundo Verde é o mais famoso. Sua performance histórica é estupenda. Desde o seu início, em 1997, acumula retorno (até 2023) de nada menos do que 24.436%, contra um CDI que rendeu “só” 2.983% no mesmo período. Mas como o fundo tem se saído nos últimos tempos? O gráfico abaixo, o mesmo que fizemos para o Berkshire Hathaway, vai mostrar:

Gráfico
Reprodução
Gráfico


Vemos aqui o mesmo fenômeno que acometeu Warren Buffett: na medida em que o fundo cresceu, seus retornos foram diminuindo. Na última janela de 10 anos, o Verde rendeu 1,7% acima do CDI ao ano, o que não deixa de ser um excelente retorno, mas muito distante do que mostrou no início, quando entregava algo acima de 10% ao ano na mesma janela de tempo.

Quando um fundo fica muito grande, os seus movimentos podem, inclusive, precipitar mudanças significativas nos mercados. É histórica a intervenção do também lendário George Soros no mercado de moedas em 1992, quando dizem que o investidor húngaro “quebrou” o Banco Central da Inglaterra com as suas apostas. Ocorre que o fundo de Soros era muito grande, e para que a sua posição contra a libra esterlina fizesse alguma diferença, tinha que ser muito grande também. A discussão é se, não fosse a intervenção de Soros, a libra teria se desvalorizado como se desvalorizou, em uma espécie de profecia autorrealizável. Eu discuto com detalhe esse tema em meu livro Descomplicando o Economês .

Michael Jensen e Daniel Kahneman, que faleceram com uma diferença de 6 dias, trouxeram perspectivas opostas sobre investimentos. O primeiro provou que os gestores de fundos de ações nos Estados Unidos não conseguiram bater de maneira consistente o S&P500, sugerindo, com isso, que o mercado acionário americano é eficiente. O segundo demonstrou que o ser humano não segue a racionalidade que resultaria em mercados eficientes. Como conciliar as duas visões?

Penso que há dois aspectos que podem ajudar aqui. O primeiro refere-se ao tamanho e liquidez dos mercados. Quanto menor e menos líquido, menos eficiente será o mercado. Aliás, isso já estava previsto por Markowitz, que elencou uma série de premissas para que um mercado fosse eficiente, dentre elas, o número de investidores e a liquidez.

O segundo aspecto refere-se à capacidade dos gestores. Alguns são mais hábeis do que outros, o que lhes permite aproveitar as ineficiências dos mercados. Na pesquisa de Jensen, os gestores não batem o mercado na média, mas alguns conseguem efetivamente gerar retornos adicionais ajustados ao risco. O problema, meu caro investidor, é descobrir quem é esse gestor. Como mostram os históricos de Buffett, Dalio e Stuhlberger, é preciso descobrir o bom gestor no início, quando o fundo é pequeno e as oportunidades podem ser aproveitadas. Depois, quando o gestor é descoberto por todo mundo, os retornos se tornam mais comuns.

E aí, quem será o próximo Buffett?

** Marcelo Guterman é engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP e Mestre em Economia e Finanças pelo Insper. Possui o certificado CFA – Chartered Financial Analyst. Ministrou vários cursos de finanças ao longo dos últimos 35 anos, incluindo Gestão de Investimentos no programa do MBA de Finanças do Insper. Atuou em várias multinacionais de administração de fundos de investimento nas últimas décadas, como gestor de recursos e especialista de investimentos. É autor dos livros “Finanças do Lar” e “Descomplicando o Economês".

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