Encontrando equilíbrio entre crescimento econômico e responsabilidade social
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Encontrando equilíbrio entre crescimento econômico e responsabilidade social


sustentabilidade fiscal tem ganhado destaque nas discussões sobre a economia brasileira, ainda que questões sobre a condução da política monetária e riscos geopolíticos disputem espaço no noticiário. Se mesmo antes da pandemia já era difícil equacionar a dinâmica das contas públicas, não era de se esperar um cenário menos desafiador no pós-pandemia. Assim como era correto responder tempestiva e energicamente ao desastre socioeconômico que a Covid trouxe, também se faz importante discutir como pagar a conta.

Em um mundo de países (muito) mais endividados, como realizar ajuste fiscal sem prejuízo social? Essa combinação é possível ou apenas um desejo descolado da realidade? Como ajustes fiscais de grande magnitude não são muito frequentes, pode-se imaginar que não exista outra saída: devemos agora nos acostumar com esse novo patamar de endividamento. Será?

Alguma esperança pode vir da experiência jamaicana. Com base nos dados para a dívida bruta do governo geral da Jamaica, disponíveis na World Economic Outlook Database (Outubro de 2023) , calculei a variação (em pontos percentuais do PIB) desde 2009 (o pico do endividamento) e o resultado é impressionante: em 2024, a redução acumulada será da ordem de 73.5 pontos percentuais do PIB, de acordo com as projeções do FMI! Como será que essa redução foi obtida?

Variação da dívida bruta
Gráfico
Variação da dívida bruta


O trabalho de Serkan Arslanalp, Barry Eichengreen e Peter Blair Henry – intitulado  Sustained Debt Reduction: The Jamaica Exception – ajuda a compreender o caso jamaicano. Mesmo com todas as vulnerabilidades (à vulcões, enchentes, secas, terremotos, etc), como nos lembram os autores, e mesmo após a pandemia da Covid, o país consegui manter o curso da redução do endividamento.

O que foi necessário para a consolidação fiscal? Arslanalp Eichengreen e Henry elencam dois pilares: primeiro, regras fiscais que destacavam o problema da dívida alta e encorajavam um plano de endividamento de médio prazo, sem espaço para fugir da rota. Mas as regras por si só nem sempre são suficientes para garantir a redução da dívida. É preciso que os políticos eleitos as cumpram. Esse foi considerado o segundo pilar. Em um ambiente de limitada instabilidade política e polarização (e violência) reduzida(s), diálogo facilitado, houve um entendimento dos diferentes agentes da sociedade sobre a necessidade de realizar uma consolidação fiscal em um país que chegou a registrar uma dívida bruta de mais de 140% do PIB.

Governo, mercado financeiro, famílias, empresas não-financeiras, enfim, muitos grupos precisaram entender o concordar com o plano. Mas uma dúvida pode naturalmente emergir: será que com uma redução no endividamento dessa magnitude o impacto na economia em termos de atividade econômica, de emprego, não foi muito profundo? Não parece o caso. Em uma análise simplória, com base nos dados da mesma fonte citada no começo do texto, eu fiz quatro gráficos. Podemos observar neles que a taxa de desemprego começa uma tendência de queda em 2013, justamente o ano em que a consolidação se inicia (veja o gráfico ao lado com o nível da dívida bruta do governo geral). A inflação manteve-se controlada no período, sem considerar o pico em 2022, que foi rapidamente equacionado.

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Dados: WEO, FMI
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Outra dúvida natural sobre como replicar o sucesso jamaicano pode ser: será que isso só não pôde ser feito porque o país registrava altas taxas de crescimento econômico? Afinal, se o PIB crescer mais do que a dívida, mesmo com aumento do endividamento, a razão dívida/PIB diminui. Não é o que observamos no último dos quatro gráficos acima, aquele que apresenta as taxas de crescimento do PIB do país ano-a-ano. O desempenho econômico jamaicano não foi lá formidável, muito longe disso. Entre 2013 e 2024, considerando as projeções feitas pelo FMI, a média de crescimento terá sido em torno de 0,85% ao ano. Ou seja, não foi pela atividade pujante que eles conseguiram diminuir a dívida, mas sim pela economia feita pelo governo por meio de uma combinação de aumento de impostos e corte de gastos.

Um último pilar importante é entender se o ajuste foi feito de maneira a piorar a distribuição de renda. Em outras palavras, se lá, assim como sistematicamente fazemos no Brasil, o ajuste foi feito em cima dos mais vulneráveis, os mais pobres, deixando grupos privilegiados protegidos e sem arcar com a sua parcela no ajuste. Os dados da versão 9.6 da  The Standardized World Income Inequality Database não parecem corroborar com essa hipótese.

Em que pese termos dados apenas até 2017, a desigualdade (medida pelo Índice de Gini considerando a renda disponível) diminuiu no período. Claro, existem as usuais ressalvas por esse tipo de indicador não contemplar todo o tipo de renda. De qualquer forma, o comportamento dessa métrica de desigualdade apenas reforça que o caso jamaicano é, sem dúvida, interessante e deve ser mais estudado.

Desigualdade de renda na Jamaica
The Standardized World Income Inequality Database
Desigualdade de renda na Jamaica


Obviamente, assim como os próprios autores se preocupam em deixar claro, não podemos tomar a Jamaica como um caso ser “exportado” literalmente para qualquer outro país. Dificilmente as coisas são tão simples assim. Mas o ponto aqui é: (i) compreender que é possível ter sustentabilidade fiscal com responsabilidade social e (ii) identificar quais as lições que possam ser implementadas no Brasil. Precisamos escapar de um debate que teima em repousar entre os extremos (negacionismos ou soluções fáceis) e encarar o problema fiscal como se deve: como um país que compreende a responsabilidade para com as gerações atuais e futuras e que poderia estar em uma trajetória de crescimento econômico e desenvolvimento muito mais benigna se fizesse, sistematicamente, a lição de casa. Dá trabalho, mas é possível.

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