Qualquer análise sobre o ambiente econômico internacional deve levar em conta a dinâmica da economia chinesa. Ao considerarmos o PIB do país em dólares, o nível de produção dos EUA é consideravelmente maior. A depender da análise que se faça, essa até pode ser uma métrica válida. Em muitos outros casos, no entanto, a comparação deve ser feita com um ajuste pelas diferenças nos custos de vida. Com esse tipo de métrica, a China superou os EUA em 2017 como maior economia do mundo , com base nos dados da última Penn World Table disponível, mas em 2018 e 2019 ficou ligeiramente abaixo, como podemos ver no gráfico. (Note que em 1960, o PIB chinês representava apenas 18,5% do PIB dos EUA!).
Impressionante! Especialmente quando consideramos o tamanho do país.
Mas, para além de impressionar, será que representou uma experiência de crescimento de longo prazo tão diferente assim? Jesús Fernández-Villaverde, Lee Ohanian e Wen Yaoe utilizaram um modelo minimalista para abordar essa questão e o resultado, que foi sintetizado neste texto , foi surpreendente, como classificam os próprios autores. O modelo consegue captar muito bem a trajetória da economia chinesa (no caso, ao modelarem o crescimento do PIB per capita). Sendo assim, o trabalho dos pesquisadores pode ajudar a iluminar os vetores que sustentaram as décadas de crescimento vigoroso no país asiático. Foram, fundamentalmente, dois grandes eixos: o acúmulo de capital e a aproximação da fronteira tecnológica. Ou seja, uma mistura de fazer mais com mais (capital, especialmente) e fazer mais com menos (por ser mais produtivo).
E por que os autores não classificam a experiência chinesa como excepcional? A partir do mesmo modelo, eles conseguiram compreender outras experiências de crescimento asiáticas. E foi tudo muito parecido! Quer dizer, para ser mais preciso, desde 2010, a China vem desapontando um pouco, caso comparemos a sua trajetória de crescimento com a de seus pares em um mesmo estágio de desenvolvimento econômico. Claro que, de novo, o tamanho do país o coloca em destaque em diversas esferas e torna o resultado impressionante.
E por que os resultados do artigo são importantes?
Porque, ao considerarmos as projeções realizadas pelos autores para o gigante asiático, os limites ao modelo de crescimento chinês são evidentes. Simplesmente, não dá mais para sustentar altas taxas de crescimento durante muito tempo. Primeiro, porque o estoque de capital já cresceu muito, então a sua contribuição adicional é bem menor hoje do que no passado. Além disso, a diferença entre a tecnologia chinesa e a fronteira global diminuiu tanto, que diversas oportunidades já foram aproveitadas, o que limita a contribuição de futuras aproximações tecnológicas (e mesmo uma eventual superação) ao crescimento econômico.
A China vai ter que se acostumar a crescer menos. O mundo vai ter que se acostumar com uma China que cresce menos. E isso traz, como sempre, oportunidades e desafios.
As cadeias globais de produção foram desenhadas nas últimas décadas com o gigante asiático poupando muito e exportando bens e capital para o resto do mundo. Não será mais assim. Haverá um espaço para (i) realocar a produção global e algumas empresas perceberão que se inicia uma nova dinâmica, a de vender para as famílias e empresas chinesas, o que (ii) deve mudar a geografia da produção do mundo. Além disso, (iii) os países que dependem do capital chinês, podem ter que procurar recursos em outro lugar. Lembremos que a China possui um papel de “emprestador de última instância” e que muitos países em desenvolvimento possuem mais dívida com a China do que com entidades multilaterais. A mudança do modelo de crescimento chinês terá desdobramentos econômicos e geopolíticos importantes. A China vai mudar. E, com ela, o mundo também.