Vista por seus efeitos práticos e imediatos, a decisão tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) na quarta-feira passada em relação à rede varejista Magazine Luíza pode até não parecer tão relevante assim.
Mas, naquilo que diz respeito aos impactos futuros, ela pode significar um primeiro sinal de que o bom senso talvez tenha a chance de imperar nas relações de trabalho no Brasil. E que os magistrados encarregados de zelar pelas relações entre patrões e empregados, ainda que não ajudem a criar, pelo menos deixem de destruir empregos — como tem acontecido até aqui.
A decisão em questão diz respeito à legalidade do trabalho intermitente — uma modalidade de contratação que regulamenta o uso da mão de obra temporária pelas empresas.
Ao reconhecer a validade da medida, os ministros do TST parecem ter acordado para o fato de que um ambiente mais favorável à contratação das pessoas pelas empresas talvez possa ajudar a amenizar os impactos da falta de oferta de trabalho.
Nunca é demais lembrar que o país que tem 13 milhões de desempregados e outros 5 milhões de desalentados, que simplesmente perderam a esperança e desistiram de procurar ocupação.
A lei, ora, a lei!!!
Atenção! Ninguém está querendo, aqui, culpar a Justiça do Trabalho pelos números desesperadores do desemprego no Brasil.
Eles são uma consequência direta das medidas irresponsáveis e desastradas de política econômica que, especialmente na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, empurraram o país para um poço profundo, do qual ele ainda demorará algum tempo para sair.
O que está sendo dito é que as decisões absurdas e a mania de sempre ver o empregado como uma vítima da exploração faz com que qualquer empresa pense dez vezes antes de assinar a carteira de quem quer que seja.
Nesse sentido, a medida do TST, que considerou o trabalho intermitente legítimo e de acordo com os termos da Reforma Trabalhista proposta pelo governo de Michel Temer, em 2016 e aprovada em 2017, é um caso exemplar.
A lei que instituiu esse dispositivo foi debatido livremente no parlamento. Depois de seguir todos os trâmites e passar pelas comissões, foi aprovada por ampla maioria na Câmara e no Senado.
Ao aprová-la, o Poder Legislativo, entre outras medidas, estabeleceu os critérios para facilitar a admissão de pessoas para trabalhar nos períodos em que a demanda aumenta e as empresas necessitam reforçar seu time de colaboradores.
Acontece, porém, que os desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais entenderam, ao julgar a ação movida por um funcionário do Magazine Luíza , que a lei — ora, a lei!! — não se aplica à finalidade para a qual foi criada.
E queriam obrigar a empresa a pagar pelo período em que o “reclamante” não trabalhou. Se a decisão tivesse sido endossada pelo TST, os contratos dos outros 4200 trabalhadores temporários do Magazine Luíza estariam em risco.
Desde que a modalidade foi criada, a empresa , que tem um total de 27 mil colaboradores pelo regime normal da CLT, já transformou cerca de 2.000 trabalhadores intermitentes em permanentes.
Indústria da "captação"
Talvez ajudasse um pouco se a Justiça do Trabalho olhasse um pouquinho à sua volta e percebesse como as coisas funcionam no mundo real.
No período anterior à Reforma, a profusão de ações trabalhistas tinha alcançado um nível tão preocupante que essa foi uma das razões que pesaram nas decisões de algumas empresas de voltarem as costas para o Brasil.
Embora os executivos dessas companhias dificilmente venham a admitir isso publicamente, as ações trabalhistas absurdas e as indenizações cujos valores ultrapassam o limite do bom senso estão entre as causas do encerramento
das atividades da Ford e da redução das atividades da GE no Brasil.
Esse tipo de situação, que já foi abordado anteriormente neste espaço, tinha consequências absurdas. Era uma farra. Empregados que perdiam o emprego eram abordados por “captadores” (esse é o nome pelo qual são chamados) de escritórios de advocacia tão logo homologavam suas rescisões de contrato de trabalho.
Não importava se a empresa tivesse ou não tivesse cumprido integralmente com suas obrigações: os advogados de porta de sindicato sempre davam um jeito de convencer os trabalhadores a entrar na justiça para conseguir tirar mais algum dinheiro do patrão.
Eles ganhavam, em troca disso, um percentual gordo da ação que patrocinariam e se tornavam, naturalmente, os únicos profissionais do Brasil a lucrar com o desemprego . Os trabalhadores que emprestavam os nomes a essa prática, por sua vez, podiam não levar nada, mas também não tinham o que perder.
"Refratários à reforma"
A Reforma Trabalhista veio disciplinar um pouco essa bagunça. Bastou incluir na lei um dispositivo que determinava que o trabalhador que tivesse sua reclamação negada pela Justiça fosse obrigado a arcar com as custas processuais para que a quantidade de queixas despencasse.
Em 2017, ano em que a Reforma foi aprovada, 441.127 processos foram abertos na Justiça do Trabalho em São Paulo. No ano seguinte, 2018, sem que houvesse qualquer redução no ritmo das demissões, a quantidade caiu para 308.020.
Ou seja: o risco de ter que por a mão no bolso por haver reclamado do que não tinha direito foi suficiente para desestimular a indústria
da “captação”.
A Reforma foi, de fato, uma lei modernizadora. Diante do anacronismo da lei trabalhista brasileira, ela é até tímida e nada mais fez do que procurar reduzir o custo das contratações com carteira assinada e, assim, criar um ambiente menos desestimulante para criação de vagas formais.
O problema é que nem todos os juízes , como vem se tornando um habito preocupante no Brasil, se dão ao trabalho de basear sua decisão naquilo que determina a lei.
Tanto assim que o próprio ministro Ives Gandra Martins Filho, que relatou o processo contra o Magazine Luíza no TST, qualificou os desembargadores do TRT de Minas Gerais de “refratários à reforma trabalhista”.
Os desembargadores de Minas Gerais, sem dúvida, seguem a mesma linha jurídica do Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que acha legítimo proferir sentenças que não levam em conta as leis aprovadas pelo parlamento do país.
Trata-se, naturalmente, de um princípio absurdo e autoritário, que espalha a insegurança jurídica pelo país afora e, no caso específico da Justiça do Trabalho, faz o empresário pensar mil vezes antes de assinar a Carteira Profissional de quem quer que seja.
Ambiente menos estimulante
A contratação intermitente foi, sem dúvida, um avanço e a decisão do TST, um passo ainda maior. Ela não tem, como dizem os críticos de sempre, a intenção de limitar os direitos dos trabalhadores.
Nem de proteger patrões que deliberadamente descumprem os direitos trabalhistas mínimos e, por isso, merecem ser punidos. O que a lei fez foi criar um ambiente mais favorável, ou melhor, menos desestimulante para que as pessoas possam exercer um dos seus direitos mais fundamentais, que é o de trabalhar e receber por isso a justa remuneração.
A decisão do TST, claro, não resolve o problema do desemprego . Ela apenas oferece ao empregador a alternativa de ter com seus colaboradores um contrato que pode ser interrompido e reativado sem custos maiores do que os que seriam razoáveis.
E garante, enquanto a situação do país não melhora e os empregos voltem a ser oferecidos em abundância, que as empresas não correm o risco ao firmar um contrato de trabalho intermitente. Que, para quem não tem emprego, é melhor do que nada.
*O artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Brasil Econômico e do iG