O YouTube, criado em 2005 na Califórnia, EUA, é uma plataforma para divulgação de vídeos de conteúdos diversificados. As pessoas que produzem os conteúdos e postam no seu canal dentro da plataforma são chamados de “Youtubers”. Ganhou notoriedade em um público formado principalmente por jovens e crianças
que cresceram com a cultura de uso da internet, e não mais com hábito da televisão como as gerações passadas.
Só para se ter uma ideia, o Youtuber mais famoso do mundo, conhecido mundialmente como “PewDiePie”, é um sueco de 30 anos de idade. Seu canal reúne mais de 102 milhões de inscritos e seus vídeos têm em média 161 milhões de visualizações.
Fazendo uma rápida comparação com a audiência televisiva, percebemos o poder de um Youtuber de destaque. Na televisão, cada ponto de audiência equivale, em média, a 260.000 televisões ligadas. O Jornal Nacional, por exemplo, exibido diariamente na Rede Globo e referência como telejornal mais popular do país, alcançou média de 30 pontos de audiência no primeiro semestre de 2020, o que equivale a aproximadamente 7.800.000,00 televisores exibindo suas matérias a cada noite. O sueco “PewDiePie” tem, pelo menos, 12 vezes mais público em cada vídeo publicado na plataforma digital e, é bem provável que até ler este artigo, você nunca tenha ouvido falar desse digital influencer.
Alguns brasileiros despontaram nas listas de Youtubers mais famosos do mundo e seguem faturando milhões de reais equivalentes a um Pop Star nos anos 90 na TV brasileira como Xuxa, Angélica, Faustão e tantos outros.
Apesar do meio de comunicação ter evoluído para o mundo digital com mais qualidade de imagem e maior variedade, o conteúdo dedicado principalmente às crianças ainda inspira cuidados dos pais.
Outro ponto de alerta são os mecanismos de proteção da privacidade do público infantil.
Para atender a Lei de Proteção de Dados Online das Crianças (COPPA) dos EUA, o YouTube modificou as políticas para veiculação de conteúdo nos canais “Kids”. Recursos que dependam dos dados do usuário, como comentários e publicidade personalizada, não estão mais disponíveis em conteúdos para crianças.
Além disso, os criadores de vídeos precisarão informar quando o conteúdo for destinado ao público infantil. O Youtube também fará uma checagem com o uso de inteligência artificial que identifica vídeos que destacam personagens, temas, brinquedos ou jogos para os pequenos.
Essas restrições chegam em boa hora, as crianças representam um terço do público na web, podendo ser manipuladas e influenciadas por campanhas de marketing durante a navegação aparentemente divertida.
Desde 2013, ações de publicidade utilizando a técnica do “Unboxing” se expandiram em inúmeros vídeos de demonstração de brinquedos. O Unboxing é o nome atribuído aos vídeos onde pessoas desembrulham presentes ou caixas de brinquedos novos narrando as características e funcionalidades de modo a despertar a curiosidade e o desejo do telespectador mirim.
Nos anos de 2017 e 2018 vários youtubers se especializaram nesses tipos de conteúdo e, graças ao elevado número de audiência dos pequenos consumidores, atraíram o patrocínio de fabricantes de produtos infantis, que se beneficiaram desse meio para divulgar seus lançamentos e garantir o sucesso das vendas antes mesmo de chegarem as prateleiras das lojas.
Você viu?
Nas relações de consumo, as crianças são consideradas vulneráveis e hipossuficientes para compreender o potencial persuasivo da publicidade, a credibilidade e a adequação às suas necessidades como indivíduos. São seres em processo de desenvolvimento emocional, psicológico e social que, por esta razão, não devem ser expostas as técnicas de publicidade abusivas.
A técnica do Unboxing muitas vezes foi adotada através de filmagens de crianças brincando com os presentes, fazendo com que os youtubers mirins, são outra grande tendência do setor, faturem milhões de reais influenciando outras crianças.
Tal fenômeno faz com que esses jovens, mesmo sem ter consciência do papel que desempenham na sociedade, tornem-se verdadeiros formadores de opinião, mesmo sem ter maturidade socioemocional para tanto.
Os “Web Celebridades Mirins” aparecem em quartos dos sonhos, consumem guloseimas, participam de desafios, apresentam os brinquedos mais modernos e caros, pulam e se divertem em lindas piscinas; e participam de viagens cheias de aventuras, fazendo seu público (formado majoritariamente também de crianças) acreditar que a vida se resume a festas, desafios e brincadeiras, ou seja, consumo!
Ocorre que todo esse universo mágico é muito distante da realidade da maioria das crianças brasileiras. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2018, 42,3% das crianças entre 0 e 14 anos viviam na linha da pobreza. O dado faz com que possamos concluir que quase metade das crianças brasileiras tenham que frequentar a escola com o objetivo precípuo de se alimentar.
Em números absolutos, equivalem a 5,2 milhões de crianças na faixa da extrema pobreza e 18,2 milhões na pobreza. Tais números refletem a acentuada concentração de renda no país e, consequente, sua “desigualdade sócio-digital”.
Na tentativa de trazer maior regulação e proteção aos jovens nos ambientes virtuais, a LGPD dispensou alguns artigos específicos no que tange ao tratamento de dados de crianças em ambientes virtuais. Diz a lei que o tratamento deverá ser realizado em seu melhor interesse, sendo exigido consentimento específico, em destaque, por pelo menos um de seus pais ou pelo responsável legal.
Diante de tal fato indaga-se: tal regramento é aplicável? Nunca como antes na História da Humanidade menores consumiram tanto de forma independente, tendo acesso a múltiplos produtos e serviços na distância de um click, atuando de forma autônoma na aquisição de jogos online e interagindo nas mídias sociais. Nesse sentido, nos parece inaplicável tal regramento, uma vez que do ponto de vista prático os pais não verificarão item por item quais produtos estão sendo consumidos por seus filhos.
Embora o controle sobre a publicidade infantil esteja avançando, a internet ainda é um terreno desafiador para a regulamentação.
Conforme dados apresentados pelo instituto ALANA, em pesquisa realizada pela Intel Security no ano de 2015, publicada no Canaltech, mostrou que 83% dos internautas entre 8 e 12 anos estão ativos nas mídias sociais. Mesmo com a proibição expressa nos termos de serviço de redes como Facebook e Youtube, as crianças estão presentes nessas plataformas e têm contato frequente com a publicidade online.
Em janeiro de 2019, o Ministério Público exigiu que o Google derrubasse os conteúdos de youtubers mirins sobre brinquedos. Segundo o órgão, as empresas estariam usando os canais com apelo ao público infantil para driblar a lei e promover seus produtos.
A chamada “Geração Alfa” não conhece vida sem internet. Se por um lado, pertencer a geração 100% digital tem seus benefícios, por outro, é importante que os pais e responsáveis monitorem constantemente seus filhos. O tempo dedicado a web deve ser focado em vídeos de conteúdo divertido e educativo. É importante estar atento aos excessos como publicidades abusivas como as que utilizam técnicas de unboxing, brincadeiras perigosas, palavras de baixo calão, cultura de bullying e inversão de valores éticos.
A melhor forma de educar os filhos, mesmo em tempos de evolução tecnológica, ainda é pelo diálogo em casa.