Precisamos falar honestamente sobre o nosso problema fiscal
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Precisamos falar honestamente sobre o nosso problema fiscal


Tenho criticado os seguidos governos brasileiros por ignorarem ou deixarem de lado o problema fiscal do país. E a razão para isso é simples. Estamos, aos poucos, contratando uma crise econômica futura de proporções semelhantes às que vivemos na década de 80 e início dos anos 90.

E o recém natimorto arcabouço fiscal foi mais uma etapa nesse processo, na medida em que já apresentou no seu DNA uma liberalidade para criar gastos futuros permanentes. E isso tem ficado cada dia mais claro. Não por outra razão, a desconfiança do mercado elevou-se substancialmente na última semana.

No fundo, o Ministro da Fazenda,  Fernando Haddad, também já percebeu o problema, só que tem procurado a solução, tanto de forma técnica quanto política, de maneira equivocada. A reoneração da folha de pagamento, do final do ano passado, e a recente limitação para a utilização de créditos tributários vinculados ao PIS/Cofinsforam dois exemplos disso.

Tecnicamente, desconsideraram por completo o ciclo de planejamento das empresas afetadas por essas medidas. Politicamente desconsideraram que enfrentariam forte oposição no Congresso. Particularmente não divirjo da ideia de que o país precisa acabar com gastos tributários (desonerações e incentivos fiscais) seletivos, mas isso deve ser feito no âmbito da discussão da reforma tributária, dando total previsibilidade para que o setor privado se adeque às mudanças, com o devido tempo.

Infelizmente, essas tentativas desesperadas de reoneração tributária só serviram para apontar duas contradições do atual governo petista. A primeira é que Haddad está tentando corrigir um problema criado pela então presidente Dilma Rousseff (no caso da desoneração da folha de pagamentos). A segunda é que, ao mesmo tempo em que o governo propõe reonerar alguns setores sob o argumento de corrigir o déficit fiscal, resolve desonerar e subsidiar outros, como o caso daindústria automobilística, que recebeu de presente o Programa de Mobilidade Verde (Mover).

Fato é que cada dia fica mais claro que não há mais espaço para aumento de arrecadação. É nítido que nossa carga tributária elevada é totalmente incompatível com um país com o nível de renda que apresentamos. E pior, quanto mais recursos extrairmos do setor privado, menos investimentos teremos e, consequentemente, continuaremos a apresentar um nível de crescimento incompatível com a nossa necessidade. 

Não por outra razão, o foco da discussão recairá a partir de agora sobre os gastos públicos. E, nesse aspecto, não basta cobrarmos apenas o Executivo. Legislativo e Judiciário também precisam aprender a ser mais responsáveis fiscalmente, não só contribuindo para a redução de despesas correntes mas, também, entendendo o efeito de suas respectivas decisões sobre as contas públicas do país.

É totalmente inadmissível, por exemplo, que o legislador continue criando despesas obrigatórias sem indicar como contrapartida a fonte de receita para financiá-la. Da mesma maneira, há decisões espalhadas por todo o Judiciário que implicam elevações de gastos públicos sem qualquer base lógica e que implicitamente assumem que os recursos públicos são ilimitados.

No capítulo da imoralidade, poderíamos lembrar dos fundos Eleitoral e Partidário bilionários no Legislativo e as emendas impositivas dos parlamentares, que não seguem qualquer critério de alocação ótima do gasto público. Ainda nesta linha, vale lembrar dos supersalários do Judiciário, a proposta de retorno do quinquênio para juízes, dentre outros tantos gastos correntes evitáveis (inclusive o de passagem aérea paga para que segurança acompanhe Ministro do Supremo em jogo de futebol no exterior).

De toda forma, a maior parte no corte dos gastos públicos caberá ao Executivo, que pode atuar em várias linhas complementares. A primeira delas envolve cortes que dependem apenas do próprio governo de plantão, como, por exemplo, a revisão e melhoria na gestão de contratos já vigentes, adoção de melhores práticas no processo de compras governamentais e modificação da política salarial de entrada de novos servidores públicos e de reajustes posteriores.

Uma segunda linha de atuação passa pela unificação e racionalização de políticas sociais que visem evitar duplicidades de pagamentos e reduzir o “custo de transação” do setor público na sua interação com a sociedade. Em uma breve pesquisa nos sites do governo, é possível identificar um leque enorme de programas como, por exemplo, “auxílio brasil, auxílio reclusão, auxílio gás, farmácia popular, salário-família, salário-maternidade, seguro-defeso, BPC e abono salarial”.

A terceira linha, e de fundamental importância para não termos um apagão do Estado brasileiro ainda nesta década, é a revisão das vinculações constitucionais que definem gastos obrigatórios atrelados à receita corrente líquida, principalmente aqueles relacionados à saúde e educação. Esses valores, congelados durante a vigência da regrado teto de gastos, voltaram a crescer descontroladamente com a aprovação do arcabouço fiscal.

A quarta vertente envolve decisões estruturais com impacto observado apenas no longo prazo, mas que sinalizam para a sustentabilidade das contas públicas. Nesse grupo está incluída a Reforma Administrativa e a complementação da Reforma da Previdência.

A Administrativa deveria buscar a racionalização das carreiras existentes, criação de incentivos adequados e a revisão dos modelos de remuneração. Não é possível, por exemplo, que algumas carreiras jurídicas ganhem salários elevadíssimos para o padrão privado e ao mesmo tempo recebam bonificações por apenas realizar suas respectivas obrigações. Já a segunda reforma (da Previdência) terá que objetivar a sustentabilidade atuarial do nosso sistema previdenciário, algo que ainda não foi obtida com as reformas passadas.

Por fim, deveríamos, sim, atacar os gastos tributários, mas de uma maneira ampla e irrestrita, e dentro de uma reforma tributária completa, que envolva, inclusive, acabar com abatimentos na declaração do imposto sobre a renda. E, nesse caso, os “beneficiários de sempre” terão que ceder para que haja uma recalibração de impostos dentro da sociedade, com a consolidação de uma estrutura tributária mais eficiente e justa.

E isso deveria implicar também acabar gradativamente com fundos regionais e com a própria Zona Franca de Manaus, que só distorcem a alocação de recursos produtivos e que em nada contribuem para o desenvolvimento do país e para a correções da péssima distribuição de renda hoje observada.

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