No último dia 28 de dezembro, o atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, brindou-nos com uma coletiva na qual fez afirmações sem qualquer sentido sobre o setor aéreo e apresentou decisões na área tributária que estão longe de serem racionais.
Sobre o setor aéreo, o Ministro disse que o preço das passagens aéreas subiu 65% em quatro meses e que era o único item que preocuparia no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Minha impressão é que o Ministro não observou corretamente o que aconteceu com o IPCA-15, uma vez que sete dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados tiveram alta em dezembro.
Se o grupo “Transportes” teve alta de 0,77%, os de “Despesas Pessoais” e “Alimentações e Bebidas” não ficaram atrás e tiveram respectivamente elevações de 0,56% e 0,54%. Em particular, se as passagens aéreas subiram 9,02%, o transporte por aplicativo aumentou 7,46% e a integração transporte público em 6,67%. Interessante perceber também que aluguel de veículos, que tem uma correlação forte com viagens, mostrou um aumento de 7,3%.
Não consegui encontrar de onde o Ministro tirou o dado de aumento de 65% das passagens aéreas em quatro meses, mas, se olharmos o mesmo IPCA-15, a variação em 12 meses foi de 48,11%. Ademais, para informação do Ministro (já que diz não saber), as passagens aéreas representam menos de 1% do IPCA.
De toda forma, metodologicamente, os dados calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o IPCA-15 são baseados em uma amostra limitada e não captam o que de fato ocorre no setor. Ela envolve uma pesquisa de preços nos sites de companhias aéreas de algumas passagens anunciadas (que podem ou não vir a ser vendidas) em um determinado mês, com ida no sábado e retorno no domingo da outra semana.
Na realidade, o ideal seria o Ministro buscar essa informação na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que trabalha com uma amostra bem mais ampla, considerando os bilhetes efetivamente vendidos ao público e abrangendo desde as promoções até as versões de preços cheios. E, neste caso, se observarmos o último dado disponível da Agência, perceberemos que a variação de preços em 12 meses (considerando de outubro de 2022 até outubro de 2023), foi de aproximadamente 11% em termos reais.
De toda forma, o Ministro deveria entender que este é um mercado sazonal, sendo muito normal que os preços subam bastante em momentos de maior demanda e caiam em outros de baixa procura. Mais do que isso, há variáveis de custos (lado da oferta) que têm forte impacto sobre os preços, tais como combustível de aviação (que representa quase 40% dos custos), custo da dívida e das peças para manutenção (que foram ampliados com a pandemia), variação do dólar, dentre outros tantos.
Já no capítulo tributário, a edição da Medida Provisória (MP) Nº 1.202/2023 foi um tiro no pé do próprio governo. Depois de toda a discussão ocorrida no Congresso, que levou à manutenção e ampliação da desoneração da folha de pagamentos para 17 setores e à redução da alíquota da contribuição previdenciária aplicável a determinados Municípios, comprar essa briga, ainda mais depois da derrubada do veto do presidente, pareceu-me uma atitude “Kamikase”, só justificada diante de uma situação de desespero com relação às contas públicas.
Não que eu concorde com qualquer forma de desoneração seletiva, mesmo porque entendo que mudanças deste tipo deveriam ser tratadas no âmbito de uma verdadeira e ampla reforma tributária, mas, fazer isso nos últimos dias do ano, comprando uma briga dessa ordem com o Congresso, só amplifica o nível de insegurança jurídica e política no país.
No fundo, fico me perguntando se os idealizadores dessa MP já se colocaram no lugar dos empresários desse setor ou daqueles que serão afetados pela limitação da compensação de créditos tributários decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado, que também serão limitados a partir do próximo ano. Mais do que isso, questiono se eles já tiveram contato com algum planejamento financeiro que envolva administração do fluxo de caixa das empresas.
E a coisa só piora quando lemos que o benefício será concedido apenas àquelas empresas que garantirem o nível de emprego. Ora, se houver uma crise econômica ou uma oportunidade de a empresa ser mais eficiente com menos empregados, qual incentivo que essa firma terá para o ajuste necessário? Há que se lembrar que custos mais baixos podem se refletir em menores preços para os consumidores, principalmente em mercados mais competitivos. Nesse sentido, eu me pergunto também se o consumidor foi chamado para esse debate.
Não sou daqueles que acreditam que a reoneração da folha de pagamentos provocará uma demissão em massa, como querem fazer parecer alguns empresários e certos políticos ligados a esses setores. Muito menos acho correto criar vantagens assimétricas entre setores. Mas esse tipo de atitude adotado pelo atual governo mostra três tipos de problemas.
O primeiro é uma desconexão sem precedentes com relação ao dia a dia do empresário, que indica não entenderem a relevância de um bom planejamento do fluxo de caixa das empresas para a definição de preços dos produtos e serviços ofertados. Ou seja, desconsideram que isso pode ter impacto sobre os consumidores, reduzir a demanda e a capacidade de geração de renda da economia.
O segundo é a presença de uma sanha arrecadatória de um governo que não é capaz de olhar para a ineficiência dos gastos públicos e ignora por completo a necessidade da realização de uma verdadeira reforma do Estado que permita uma gestão mais equilibrada das contas públicas.
O terceiro é o efeito que essa decisão terá sobre a relação com o Congresso. Particularmente, eu entendo que além da provável perda dessa queda de braços, o governo, na melhor das hipóteses, terá seu custo elevado na aprovação de futuros projetos encaminhados às duas casas legislativas.
De toda forma, diante de um ano tão estressante e cheio de incertezas na economia como o que passamos, acho que o atual Ministro da Fazenda teria merecido umas férias antecipadas que o poupariam de ter passado por esse constrangimento no final do ano.