Na última semana, foi aprovada a chamada “taxa das blusinhas”, que nada mais é do que a imposição de um imposto de importação federal (II) de 20% sobre compras internacionais cujo valor seja de até US$ 50. Vale lembrar que esse novo imposto irá se juntar aos 17% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) já cobrados pelos estados. Como o ICMS é cobrado “por dentro” (cálculo realizado sobre o valor total do produto), a tributação agregada dos dois impostos será de 44,58%.
Em realidade, essa nova alíquota deve impactar diretamente a compra realizada em sites estrangeiros, tais como Shein, Shopee e AliExpress. Vale destacar que a aprovação foi por votação simbólica, o que permitiu que a maioria dos congressistas que concordaram com essa cobrança se escondessem de seus eleitores, em uma atitude covarde e antidemocrática, indicando total falta de transparência do parlamento.
Várias entidades empresariais nacionais se manifestaram a favor da introdução desse imposto, alegando que essa medida corrigiria uma assimetria tributária, com impacto positivo sobre o nível de investimentos e empregos no país. De outra parte, as grandes varejistas internacionais de e-commerce argumentam que, com a imposição dessa alíquota, o consumidor pagará mais caro pelo produto adquirido.
No fundo, nessa discussão, os dois grupos até podem ter um pouco de razão, mas o foco do problema será sempre o mesmo: o Estado brasileiro, que quer elevar sua arrecadação. E explico a razão do meu entendimento com base na lógica que permeia toda a discussão teórica e prática sobre o que se conhece em economia como “tributação ótima”.
Inicialmente, há que se entender que, ao contrário do senso comum, não será o consumidor que arcará com a totalidade do aumento imposto. Seja direcionado diretamente para o consumidor, seja para o empresário que vende a mercadoria, o pagamento do tributo acaba sendo sempre compartilhado entre ambos. Já a proporção que caberá a cada um dependerá das condições competitivas do mercado e da capacidade de ajuste da oferta dos empresários.
Entretanto, podemos dizer que alguma elevação de preços sempre haverá, corroborando em parte o entendimento das plataformas de comércio. E, neste contexto, os consumidores sempre sairão perdendo, na medida em que uma parte deles continuará a comprar o produto pagando mais caro e a outra deixará de comprar o bem importado, entendendo que o nacional equivalente também é muito caro. A questão que fica é saber, portanto, qual o impacto agregado desses dois efeitos para a indústria brasileira.
Sob esse aspecto, podemos levantar algumas hipóteses. Em primeiro lugar, parte da demanda daqueles consumidores que continuarão a comprar o produto poderá ser redirecionada para o concorrente nacional, conforme sugerido pelos empresários brasileiros que defendem a medida (gerando uma espécie de efeito substituição). Mas, outra parte continuará comprando o importado em plataformas internacionais.
De toda maneira, como esses dois grupos continuarão a comprar o produto alvo da nova alíquota com um preço mais elevado, eles terão uma redução de renda disponível para comprar outros produtos nacionais que consumiam anteriormente (ou, no limite, terão que buscar financiamento para manter o mesmo nível de consumo).
Como consequência, uma outra parte do empresariado nacional que não concorre com os produtos importados verá sua demanda reduzida. Nesse caso, o efeito observado será diametralmente oposto ao sugerido pelos defensores da elevação da alíquota de importação, ou seja, haverá desemprego nesses segmentos de mercado.
Já aqueles consumidores que compram produtos importados e deixarão de fazê-lo porque o preço subiu e que, ao mesmo tempo, entendem que o substituto nacional é muito caro, poderão redirecionar seu consumo para outros produtos nacionais. A não ser que guardem o dinheiro que não gastarão ou resolvam pagar eventuais dívidas já contraídas, esse movimento poderá criar um vetor positivo de demanda para certas empresas (com eventual contratação de novos empregados).
De toda forma, o efeito líquido desse processo para o conjunto de empresas nacionais não é claro. Em que pese poder haver uma rebalanceamento de demanda e até mesmo de margem de lucros dentro dos vários setores nacionais, o efeito alocativo (contratação de mão-de-obra, investimentos, etc.) final não é algo trivial de ser estimado.
E, mais do que isso, qualquer conclusão sobre qual será o efeito agregado para a sociedade dependeria da realização de um estudo de equilíbrio geral que conseguisse captar o impacto sobre o nível de renda derivado de alterações em uma série de variáveis econômicas (tais como reações de empresários e de consumidores a mudanças de preços e de tributação), algo que nem de longe foi realizado.
Em outras palavras, como de costume, há muito discurso de políticos e pressões de lobbies em favor de protecionismo e pouca análise séria e objetiva sobre o resultado efetivo final dessa alteração legislativa. De toda essa história, as únicas certezas que podemos ter é de que o consumidor perderá poder de compra e o governo arrecadará mais, como de costume.
Note-se que se o problema é, de fato, criar uma isonomia tributária, o correto seria reduzir a tributação sobre o consumo no país. Só assim poderíamos verificar efeitos positivos para o conjunto da sociedade. Entretanto, isso implicaria também fazer uma reforma tributária séria e completa (recalibrando impostos para a renda) e, principalmente, uma revolução na gestão da coisa pública (entenda-se melhorar substancialmente a eficiência do gasto público), algo pouco crível no nosso contexto político atual.